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Abraçando a incerteza econômica

Com o resultado da eleição presidencial nos Estados Unidos claramente favorável a uma vitória de Hillary Clinton, eu tenho passado mais tempo pensando sobre a economia. (Eu sei, é contar com o ovo antes da galinha e tudo o mais, mas as pesquisas têm se mostrado bastante precisas.) E eu percebi algo não muito lisonjeiro […]

Lehman Brothers: Maior falência da história dos EUA desestabilizou de vez o sistema financeiro nacional (New York Daily News/Getty Images)
Lehman Brothers: Maior falência da história dos EUA desestabilizou de vez o sistema financeiro nacional (New York Daily News/Getty Images)
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Paul Krugman

Publicado em 17 de agosto de 2016 às, 12h32.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h14.

Com o resultado da eleição presidencial nos Estados Unidos claramente favorável a uma vitória de Hillary Clinton, eu tenho passado mais tempo pensando sobre a economia. (Eu sei, é contar com o ovo antes da galinha e tudo o mais, mas as pesquisas têm se mostrado

bastante precisas.) E eu percebi algo não muito lisonjeiro a meu respeito: estou me sentindo com saudades do período próximo do ano de 2011.

Por quê? Foi, sem dúvida, uma época terrível para grande parte do mundo, em especial para quem não tinha um emprego. Mas para alguém como eu, um economista com as finanças pessoais em segurança, foi um momento de maravilhosa clareza intelectual. A macroeconomia da armadilha de liquidez — conceito que eu não inventei, mas ajudei a trazer de volta à cena — era a história do dia. E a mensagem básica dos modelos econômicos — de que tudo muda quando você atinge o limite inferior igual a zero — era esmagadoramente confirmada pelas nossas experiências à época.

Foi tudo lindamente cortante: nós acreditávamos que havia um limite cristalino em zero, e que, quando uma economia chegasse a esse patamar, os impactos das políticas monetárias e fiscais mudariam abruptamente. E as previsões feitas por mim e outros economistas saíram na consistência correta.

Porém desde 2011 as coisas ficaram um tanto, digamos, turvas.

Nós aprendemos que o limite inferior igual a zero não é tão rígido quanto imaginávamos. É verdade que há limites — eu ficaria surpreso se qualquer banco central estiver disposto a ir muito além de -1%, se é que chega a tanto — mas o que se vê é a fronteira como uma espécie de terra de ninguém nebulosa, em vez de uma linha que não pode ser cruzada.

Talvez o mais importante: duas das economias mais avançadas do mundo — os Estados Unidos e, acredite se quiser, o Japão — estão indiscutivelmente muito perto de atingir os índices de pleno emprego. Não sabemos quão perto, porque não temos a informação sobre quanto da mão de obra disponível e reprimida continua em compasso de espera. Mas você não pode mais dizer que limites à oferta de trabalho não são algo relevante.

Portanto, não estamos mais no mundo da economia simples e em depressão de 2011, mas eis o ponto: nós também não estamos no que costumávamos chamar de situação macroeconômica normal. Talvez os Estados Unidos estejam próximos do pleno emprego, ou talvez não, e isso com a taxa de juros perto de zero. Além disso, é muito fácil imaginar choques recessivos no futuro próximo, e não está totalmente claro de que modo o Federal Reserve poderia (ou mesmo se deveria) responder. Estamos, pode-se dizer, com metade do corpo fora da armadilha de liquidez, tendo um pé em terra firme e o outro ainda saindo do bote. E não precisaria de muita coisa para nos derrubar de volta.

O que eu diria é que nesta situação turva e frágil, o Federal Reserve deveria conduzir a política econômica em grande parte como se ainda estivéssemos na armadilha — porque precisamos urgentemente botar os dois pés com firmeza em terra seca e garantir alguma distância da areia movediça. Esta não é a defesa cristalina que meus colegas e eu costumávamos fazer, mas, ainda assim, temos de lidar com esta situação nebulosa do jeito certo, o que significa abraçar a incerteza como parte do argumento. Vamos tornar a escuridão grande de novo!

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© 2016 The New York Times