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Os limites da radical política monetária da covid-19

O que os EUA e a maioria dos outros países precisam é de um amplo e contínuo impulso na política fiscal

Edifício do Federal Reserve em Washington, Estados Unidos (Leah Millis/Reuters)
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felipegiacomelli

Publicado em 10 de junho de 2020 às 14h26.

Última atualização em 10 de junho de 2020 às 14h53.

LONDRES - Com o colapso da produção como consequência da pandemia do COVID-19, muitos se perguntam até que ponto a política monetária pode ser esticada para sustentar a economia. Para o Federal Reserve dos EUA , as taxas de juros negativas parecem representar um limite eficaz, não porque essa política seja tecnicamente inviável, mas porque seria politicamente inaceitável. No entanto, para o Banco Central Europeu, o Banco da Inglaterra e o Banco do Japão, parece não haver limites.

Há muito tempo, o BCE vem cortando as taxas levando-as para território negativo, e o governador do Banco da Inglaterra, Andrew Bailey, está declaradamente “analisando cuidadosamente” essa  opção para o Reino Unido. Da mesma forma, o governador do Banco do Japão, Haruhiko Kuroda, embora considere o atual mix de políticas do BOJ adequado às condições atuais, não descartou uma flexibilização monetária maior ou outro aumento nas compras de ativos.

A questão é se faz sentido ir mais fundo na direção de política monetária radical. A conhecida promessa do ex-presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, de fazer "o necessário" para apoiar o euro tornou-se o mantra de todos os formuladores de políticas que enfrentam a atual crise. Mas não seria a expansão da política fiscal um modo melhor de cumprir esse compromisso? Para parafrasear o presidente do Fed Jerome Powell, os bancos centrais têm poder para emprestar, não poder para gastar – e gastar é o que agora é necessário.

Na crise atual, é imperativo que o dinheiro chegue aos mais necessitados o mais rápido possível. Em muitos países, o desemprego está em um nível recorde – mais de 20 milhões de pessoas nos Estados Unidos perderam os empregos somente em abril, elevando a taxa de desemprego para 14,7% e colocando-a no caminho para atingir 20-25% este ano. Nessas condições, o que os EUA e a maioria dos outros países precisam é de um amplo e contínuo impulso na política fiscal, conduzida em conjunto com a política monetária. Sem isso, uma recessão prolongada e um alto desemprego de longo prazo se tornarão muito mais que prováveis.

Uma expansão fiscal deve ter dois objetivos principais. Primeiro, ela deve ajudar cidadãos, famílias e empresas a enfrentar a crise. Nesse sentido, as medidas de política fiscal adotadas nos EUA e em outras economias avançadas estão em pauta. No final de março, o Congresso dos EUA aprovou um pacote de estímulo de US$ 2 trilhões para apoiar famílias, empresas e prestadores de serviços na área da saúde, e os democratas na Câmara dos Deputados aprovaram agora outro pacote propondo US$ 3 trilhões em gastos adicionais.

Enquanto isso, na União Europeia, regras orçamentárias foram suspensas, permitindo que os governos dos estados membros adotassem medidas fiscais discricionárias mais ambiciosas, desde aumentos de gastos e isenção de impostos para dar apoio e subsídios salariais para pequenas e médias empresas.

O segundo objetivo da expansão fiscal é impulsionar a recuperação econômica, apoiando a demanda doméstica. Infelizmente, aqui as políticas oferecidas ficaram muito aquém, aumentando o risco de repetirmos o erro cometido após a crise financeira global de 2008, quando o estímulo fiscal foi retirado cedo demais.

Naquela ocasião, confiar na política fiscal para estimular a demanda foi entendido como politicamente inviável. Embora a crise ainda fosse considerada grande o suficiente para justificar políticas monetárias excepcionalmente frouxas, o establishment político nos EUA, na Grã-Bretanha e em grande parte da Europa se uniram em torno da austeridade, sufocando a recuperação em seu início e preparando o cenário para o aumento da desigualdade e do descontentamento social.

Desta vez, os principais bancos centrais vem silenciosamente fazendo pressão para obter "apoio fiscal adicional", a fim de "evitar danos econômicos de longo prazo" e permitir uma "recuperação mais forte". Esse apoio também é necessário para aliviar a pressão sobre os bancos centrais. Enquanto isso, existem boas razões para evitar seguir uma política monetária mais radical.

Para começar, políticas monetárias radicais tendem a limitar o escopo para futuras sinalizações políticas e reduzir a eficácia das taxas de juros, que, em condições normais, são poderosas ferramentas para influenciar a produção e o emprego. Segundo, elas poderiam exacerbar as vulnerabilidades pré-pandêmicas que já estavam ameaçando a economia mundial, principalmente o acúmulo de dívida, a má alocação de crédito e a liquidez excessiva no setor corporativo (onde muitas empresas têm balanços problemáticos).

Essas preocupações levam ao terceiro ponto: a maior flexibilização das condições de crédito e a expansão dos programas de crédito apoiados pelo público poderiam empurrar mais dívida para empresas que não estão em posição de transformá-la em valor. Empresas “zumbis” falidas seriam mantidas artificialmente vivas. Mesmo que essas medidas preservem empregos por enquanto, isso não significa que este seja o uso mais eficaz de recursos financeiros. A “década perdida” do Japão deve servir como um exemplo de advertência. Quanto mais as empresas zumbis continuarem cambaleando, maiores serão as perdas quando elas finalmente caírem.Parte superior do formulário

Finalmente, contar com a política monetária quando a política fiscal fosse um risco mais apropriado, reforçando a enorme preferência dos investidores por liquidez, aprofundando assim a armadilha da liquidez. Não é preciso dizer que políticas monetárias radicais podem gerar consequências radicais e inesperadas. Embora a política monetária não convencional tenha se tornado a norma, ainda não se sabe ao certo como ela funciona ou como afeta as expectativas e o comportamento das pessoas.

Por certo, se o escopo da política monetária for limitado, o espaço para a política fiscal também será limitado. Mas a atual emergência e a ameaça de uma profunda recessão (ou mesmo depressão) exigem, sem dúvida, políticas fiscais ousadas e "não convencionais" apoiadas por outras ferramentas, como o fundo de recuperação europeu que a França e a Alemanha recentemente propuseram e instrumentos de um mercado de capitais inovador como títulos perpétuos, que também foram propostos para a UE.

Tempos excepcionais exigem medidas excepcionais. Mas devemos evitar repetir o erro cometido em 2010, quando os governos pisaram no freio da política fiscal enquanto mantinham o mecanismo da política monetária em alta velocidade. Agora, mais do que nunca, é imperativo impedir que as desigualdades existentes se aprofundem ainda mais. Somente a política fiscal pode alcançar essa meta.

Paola Subacchi é P rofessora de Economia Internacional na Universidade Queen Mary, em Londres e Diretora-Fundadora da E-Economics. Seu livro mais recente é The Cost of Free Money ( O Custo do Dinheiro Grátis).

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LONDRES - Com o colapso da produção como consequência da pandemia do COVID-19, muitos se perguntam até que ponto a política monetária pode ser esticada para sustentar a economia. Para o Federal Reserve dos EUA , as taxas de juros negativas parecem representar um limite eficaz, não porque essa política seja tecnicamente inviável, mas porque seria politicamente inaceitável. No entanto, para o Banco Central Europeu, o Banco da Inglaterra e o Banco do Japão, parece não haver limites.

Há muito tempo, o BCE vem cortando as taxas levando-as para território negativo, e o governador do Banco da Inglaterra, Andrew Bailey, está declaradamente “analisando cuidadosamente” essa  opção para o Reino Unido. Da mesma forma, o governador do Banco do Japão, Haruhiko Kuroda, embora considere o atual mix de políticas do BOJ adequado às condições atuais, não descartou uma flexibilização monetária maior ou outro aumento nas compras de ativos.

A questão é se faz sentido ir mais fundo na direção de política monetária radical. A conhecida promessa do ex-presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, de fazer "o necessário" para apoiar o euro tornou-se o mantra de todos os formuladores de políticas que enfrentam a atual crise. Mas não seria a expansão da política fiscal um modo melhor de cumprir esse compromisso? Para parafrasear o presidente do Fed Jerome Powell, os bancos centrais têm poder para emprestar, não poder para gastar – e gastar é o que agora é necessário.

Na crise atual, é imperativo que o dinheiro chegue aos mais necessitados o mais rápido possível. Em muitos países, o desemprego está em um nível recorde – mais de 20 milhões de pessoas nos Estados Unidos perderam os empregos somente em abril, elevando a taxa de desemprego para 14,7% e colocando-a no caminho para atingir 20-25% este ano. Nessas condições, o que os EUA e a maioria dos outros países precisam é de um amplo e contínuo impulso na política fiscal, conduzida em conjunto com a política monetária. Sem isso, uma recessão prolongada e um alto desemprego de longo prazo se tornarão muito mais que prováveis.

Uma expansão fiscal deve ter dois objetivos principais. Primeiro, ela deve ajudar cidadãos, famílias e empresas a enfrentar a crise. Nesse sentido, as medidas de política fiscal adotadas nos EUA e em outras economias avançadas estão em pauta. No final de março, o Congresso dos EUA aprovou um pacote de estímulo de US$ 2 trilhões para apoiar famílias, empresas e prestadores de serviços na área da saúde, e os democratas na Câmara dos Deputados aprovaram agora outro pacote propondo US$ 3 trilhões em gastos adicionais.

Enquanto isso, na União Europeia, regras orçamentárias foram suspensas, permitindo que os governos dos estados membros adotassem medidas fiscais discricionárias mais ambiciosas, desde aumentos de gastos e isenção de impostos para dar apoio e subsídios salariais para pequenas e médias empresas.

O segundo objetivo da expansão fiscal é impulsionar a recuperação econômica, apoiando a demanda doméstica. Infelizmente, aqui as políticas oferecidas ficaram muito aquém, aumentando o risco de repetirmos o erro cometido após a crise financeira global de 2008, quando o estímulo fiscal foi retirado cedo demais.

Naquela ocasião, confiar na política fiscal para estimular a demanda foi entendido como politicamente inviável. Embora a crise ainda fosse considerada grande o suficiente para justificar políticas monetárias excepcionalmente frouxas, o establishment político nos EUA, na Grã-Bretanha e em grande parte da Europa se uniram em torno da austeridade, sufocando a recuperação em seu início e preparando o cenário para o aumento da desigualdade e do descontentamento social.

Desta vez, os principais bancos centrais vem silenciosamente fazendo pressão para obter "apoio fiscal adicional", a fim de "evitar danos econômicos de longo prazo" e permitir uma "recuperação mais forte". Esse apoio também é necessário para aliviar a pressão sobre os bancos centrais. Enquanto isso, existem boas razões para evitar seguir uma política monetária mais radical.

Para começar, políticas monetárias radicais tendem a limitar o escopo para futuras sinalizações políticas e reduzir a eficácia das taxas de juros, que, em condições normais, são poderosas ferramentas para influenciar a produção e o emprego. Segundo, elas poderiam exacerbar as vulnerabilidades pré-pandêmicas que já estavam ameaçando a economia mundial, principalmente o acúmulo de dívida, a má alocação de crédito e a liquidez excessiva no setor corporativo (onde muitas empresas têm balanços problemáticos).

Essas preocupações levam ao terceiro ponto: a maior flexibilização das condições de crédito e a expansão dos programas de crédito apoiados pelo público poderiam empurrar mais dívida para empresas que não estão em posição de transformá-la em valor. Empresas “zumbis” falidas seriam mantidas artificialmente vivas. Mesmo que essas medidas preservem empregos por enquanto, isso não significa que este seja o uso mais eficaz de recursos financeiros. A “década perdida” do Japão deve servir como um exemplo de advertência. Quanto mais as empresas zumbis continuarem cambaleando, maiores serão as perdas quando elas finalmente caírem.Parte superior do formulário

Finalmente, contar com a política monetária quando a política fiscal fosse um risco mais apropriado, reforçando a enorme preferência dos investidores por liquidez, aprofundando assim a armadilha da liquidez. Não é preciso dizer que políticas monetárias radicais podem gerar consequências radicais e inesperadas. Embora a política monetária não convencional tenha se tornado a norma, ainda não se sabe ao certo como ela funciona ou como afeta as expectativas e o comportamento das pessoas.

Por certo, se o escopo da política monetária for limitado, o espaço para a política fiscal também será limitado. Mas a atual emergência e a ameaça de uma profunda recessão (ou mesmo depressão) exigem, sem dúvida, políticas fiscais ousadas e "não convencionais" apoiadas por outras ferramentas, como o fundo de recuperação europeu que a França e a Alemanha recentemente propuseram e instrumentos de um mercado de capitais inovador como títulos perpétuos, que também foram propostos para a UE.

Tempos excepcionais exigem medidas excepcionais. Mas devemos evitar repetir o erro cometido em 2010, quando os governos pisaram no freio da política fiscal enquanto mantinham o mecanismo da política monetária em alta velocidade. Agora, mais do que nunca, é imperativo impedir que as desigualdades existentes se aprofundem ainda mais. Somente a política fiscal pode alcançar essa meta.

Paola Subacchi é P rofessora de Economia Internacional na Universidade Queen Mary, em Londres e Diretora-Fundadora da E-Economics. Seu livro mais recente é The Cost of Free Money ( O Custo do Dinheiro Grátis).

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