Exame.com
Continua após a publicidade

Por que o mercado financeiro vê a queda de juros com cuidado?

No mercado financeiro não se vê a mesma impaciência em relação à Selic. Pelo contrário. Entre os financistas, o assunto é tratado com cautela

 (Reuters/Divulgação)
(Reuters/Divulgação)

Os empresários estão cada vez mais preocupados com o arrocho de crédito e temem um encolhimento em seu faturamento. Por isso, reclamam dos altos juros fixados pelo Banco Central, capitaneado pelo economista Roberto Campos Neto. O mesmo script é seguido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que reclamou das taxas estratosféricas até em viagem a Portugal.

No mercado financeiro, porém, não se vê a mesma impaciência em relação à Selic. Pelo contrário. Entre os financistas, o assunto é tratado com cautela. Por quê?

Antes de mais nada, vamos falar sobre o mito de que os bancos ganham mais quando os juros disparam. A grande receita das instituições financeiras está na diferença entre as taxas pagas ao investidor e as cobradas aos tomadores de empréstimos. Quanto maior essa diferença, maior será o ganho dos bancos – mas os juros podem estar altos demais e o spread em relação à captação de recursos ser pequeno.

Na prática, ao contrário do que se imagina, os juros altos podem afetar negativamente os bancos. Quanto mais altas as taxas, maior o risco. Se o risco cresce, o número de empréstimos diminui – e os agentes financeiros também reduzem suas receitas vinculadas ao crédito.

Em 2016 e 2017, quando os juros foram elevados fortemente, o estoque de crédito diminuiu em proporção semelhante. Da mesma forma, quando os juros foram a 2 % ao ano, o crescimento deste estoque, que foi de 6,5 % de 2019 em relação a 2018, subiu para 15,5 % de 2020 para 2019 (em 2022, apesar das taxas altas, houve apenas uma diminuição no crescimento de operações – mas se espera uma retração em 2023).

Qual a razão, então, para os agentes financeiros continuarem receosos em relação a uma redução da Selic agora?

Em primeiro lugar, ainda não está claro se a inflação de fato está em processo de queda. Há ainda sinais contraditórios no mercado – e isso torna muitos economistas receosos em relação a movimentos bruscos por parte do Comitê de Política Monetária. Outro ponto é que os juros estão altos porque as taxas projetadas para 2023 ainda estão bem acima da meta fixada para este ano. Dessa forma, enquanto a meta não for mexida, os técnicos do Banco Central continuam irredutíveis.

Mas há uma outra razão para o mercado financeiro enxergar com receio um descenso imediato. Apesar dos esforços empreendidos pelo ministro Fernando Haddad em mostrar que o governo está preocupado com as contas públicas e vai perseguir um superávit fiscal, há ainda ceticismo entre os bancos em relação às verdadeiras intenções do governo em relação ao controle de seus gastos.

Como um cônjuge que foi traído no passado e vive desconfiado no presente, os bancos viram o déficit público se descontrolar durante o governo de Dilma Rousseff e temem a repetição dessa história. Além disso, escutam o mesmo tipo de discurso – gastar sem a devida contrapartida de receita – de nomes importantes do Partido dos Trabalhadores, a começar por sua presidente, Gleisi Hoffman.

Como já vimos esse filme antes (e quase morremos no final), a desconfiança permanece enorme até hoje. E os constantes apelos de Lula para que os juros caiam não ajudam. Pelo contrário. Reforçam a tese de que o governo não está muito preocupado com as consequências macroeconômicas de seus atos.

Isso pode até não ser verdade. Mas gatos escaldados têm medo de água fria. E o mercado financeiro, ressabiado até dizer chega, tem receio até de um saco de cubos de gelo.