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Mauad: O que são, afinal, vantagens comparativas

"A discussão sobre a sobretaxa do leite em pó trouxe de volta o debate sobre um princípio econômico pouco compreendido"

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Instituto Millenium

Publicado em 19 de fevereiro de 2019 às, 12h33.

Última atualização em 19 de fevereiro de 2019 às, 12h35.

* Por João Luiz Mauad

O recente episódio envolvendo a sobretaxa do leite em pó importado trouxe de volta a discussão sobre protecionismo e barreiras alfandegárias, bem como um princípio econômico muito mencionado, mas pouco compreendido.

O princípio econômico das vantagens comparativas é bastante contra-intuitivo. Explicá-lo a quem não conhece outros conceitos econômicos básicos é às vezes muito complicado. Em seu ensaio “A Difícil Ideia de Ricardo’, Paul Krugman, assim se refere a ele: “A ideia de Ricardo é verdadeiramente, loucamente, profundamente difícil. Mas também é absolutamente verdadeira, imensamente sofisticada – e extremamente relevante para o mundo moderno.” Essa introdução, portanto, é um pedido de desculpa antecipado, caso eu não logre êxito em minha empreitada. (risos) Mas vamos ao que importa.

Diz-se que alguém tem uma vantagem comparativa em produzir algo, se puder produzi-la a um ‘custo de oportunidade’ (guardem essa expressão) menor que o de outra pessoa. Ter uma vantagem comparativa, por conseguinte, não é o mesmo que ser o melhor em alguma coisa. Na verdade, alguém pode ter muito pouca habilidade em fazer algo, mas ainda assim ter uma vantagem comparativa em fazê-lo! Como isso é possível?
Primeiro, acho que é preciso demonstrar a diferença entre vantagem comparativa e absoluta, cuja confusão acaba tornando o aprendizado mais difícil ainda do que já é.

Muita gente cita a passagem das estufas de Adam Smith como exemplo de vantagem comparativa, quando, na verdade, aquele é um exemplo clássico de vantagem absoluta. Smith escreveu (em ‘A Riqueza das Nações’) que seria possível produzir bons vinhos em sua Escócia natal. Com a ajuda de estufas aquecidas, canteiros e irrigação artificiais seria possível produzir uvas de boa qualidade e, com elas, bons vinhos. Só havia um detalhe: seu custo seria cerca de 30 vezes o custo da aquisição de vinhos da mesma qualidade produzidos em outros países.

Ao defender o comércio internacional e a ausência de barreiras alfandegárias, Smith afirmava que, se um país estrangeiro pode nos vender uma mercadoria mais barata do que nos custaria para produzi-la em casa, é óbvio que o melhor a fazer é comprá-la dele, usando, em troca, parte da produção da nossa própria indústria. “Os portugueses podem produzir tecidos”, dizia Adam Smith, “mas são muito mais eficientes na produção de vinhos; ao passo que os ingleses poderiam produzir vinhos, mas são melhores fabricantes de tecidos.” A conclusão lógica (e óbvia) de Smith é que seria melhor para ambos os países concentrarem-se em suas respectivas especialidades e importar os produtos que os outros fazem melhor.  Até aí, nada demais. Se eu sou melhor do que você em algo e você é melhor do que eu em outra coisa, nada mais natural que troquemos nossos produtos ou serviços.

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Cerca de meio século depois, o economista David Ricardo refinou a teoria de Smith ao introduzir o conceito de vantagem comparativa. Segundo Ricardo, um país não precisava necessariamente ser melhor ou pior do que o outro em algum setor ou atividade para que a especialização e as trocas tivessem lugar. Bastava ser comparativamente melhor numa atividade ou setor específico. Usando o mesmo exemplo de Smith, Ricardo inferiu que, mesmo que Portugal fosse mais eficiente que a Inglaterra, tanto na produção de vinho quanto de tecidos, a troca com os ingleses ainda assim seria vantajosa. Isso porque, se Portugal pudesse focar naquilo que fazia melhor, sua indústria se tornaria mais produtiva no agregado; no final, haveria mais tecido e mais vinho no país do que se produzisse ambos por conta própria. A Inglaterra, por outro lado, também aumentaria sua produtividade agregada. Você encontrará na internet vários exemplos práticos que comprovam o princípio de Ricardo.

O princípio das vantagens comparativas funciona tanto para indivíduos quanto para organizações e países.  Suponha que Maria, uma ótima advogada, tivesse acabado de ter um bebê. É lógico que, do seu ponto de vista, ninguém no mundo cuidaria de seu bebê melhor do que ela mesma. O problema é que, para cuidar da criança, Maria teria de abrir mão de parte do tempo dedicado à advocacia, atividade muito mais lucrativa, pelo menos em termos materiais. Se, em vez disso, ela contratasse uma babá, sobraria tempo suficiente para dedicar-se àquilo que faz melhor e lhe dá mais retorno (material), mesmo pagando um salário à babá. Ou seja, o custo da babá para cuidar do bebê é menor que o de Maria. É a babá portanto, e não Maria, quem tem a vantagem comparativa no cuidado do bebê.

O truque para entender a vantagem comparativa está na expressão “menor custo”, mas não o custo monetário de uma transação, e sim o que os economistas chamam de ‘custo de oportunidade’. O custo de oportunidade é o valor do que você renuncia ao tomar uma decisão sobre o que fazer com seu tempo e outros recursos. Alguém pode ter uma vantagem absoluta em produzir cada coisa, porém, sempre terá vantagens comparativas em menor número de atividades. Portanto, para encontrar as vantagens comparativas das pessoas, não compare suas vantagens absolutas. Compare seus custos de oportunidade.

A mágica desse princípio é que todos têm uma vantagem comparativa em produzir algo. O resultado disso é extraordinário: todo mundo ganha com o comércio, mesmo aqueles que estão em desvantagem absoluta em tudo, pois ainda têm algo valioso a oferecer. Por outro lado, aqueles que têm vantagens absolutas naturais ou aprendidas podem se tornar ainda mais eficientes e produtivos naquilo que fazem melhor, concentrando-se nessas habilidades e comprando outros bens e serviços daqueles que os produzem a um custo de oportunidade comparativamente mais baixo. Ainda mais surpreendente é constatar que os mais absolutamente desfavorecidos podem lucrar mais com o comércio do que os mais absolutamente favorecidos.

Esses exemplos nos ajudam a entender o significado do comércio no mundo globalizado, onde há bilhões de pessoas, milhões de produtos e milhões de maneiras de gastar nosso tempo. Em quais atividades eu tenho uma vantagem comparativa? Como posso fazer os cálculos da proporção da minha produtividade em relação à sua e a de todos? Qual é a minha vantagem comparativa? Não se preocupe com isso.

A existência do sistema de preços permite responder a essas questões que parecem impossíveis, sem nem mesmo nos darmos conta. Os preços (inclusive os salários, os juros, a taxa de câmbio, etc) surgem à medida que realizamos trocas uns com os outros. Eles são um subproduto do comércio, mas, ao mesmo tempo, são o que tornam o comércio tão poderoso em uma economia com bilhões de pessoas realizando bilhões de atividades. São os preços que nos ajudam a decidir o que obter por meio do comércio e o que produzir por conta própria.  O preço é o termômetro da escassez – o veículo da informação aos agentes do mercado, tanto do lado da oferta quanto da demanda, sobre o nível de escassez de determinada mercadoria ou serviço. Num mercado livre de tarifas, intervenções, tabelamentos, estabelecimentos de pisos ou tetos, a variação do preço de um produto ou serviço informa as condições de oferta e demanda dos mesmos.

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (EBAP/FGV-RJ), João Luiz Mauad é articulista dos jornais “O Globo” e “Diário do Comércio”. Escreve regularmente para o site do Instituto Liberal.

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