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Mauad: O mercado é a única pesquisa relevante

"Quase nenhuma pesquisa desvela uma escolha genuína do público - aquela que é limitada pelos custos de oportunidade"

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Instituto Millenium

Publicado em 5 de fevereiro de 2019 às, 12h22.

* Por João Luiz Mauad

“Se você tivesse dois apartamentos de luxo, doaria um para o partido?”
– “Sim” – respondeu o militante.
– “E se você tivesse dois carros de luxo, doaria um para o partido?”
– “Sim” – novamente respondeu o valoroso militante.
– “E se tivesse um milhão na conta bancária, doaria 500 mil para o partido?”
– “É claro que doaria” – respondeu o orgulhoso companheiro.
– “E se você tivesse duas galinhas, doaria uma para o partido?”
– “Não” – respondeu o camarada.
– “Mas isso não faz sentido. Por que você doaria um apartamento de luxo se tivesse dois, um carro de luxo se tivesse dois e 500 mil se tivesse um milhão, mas não doaria uma galinha se tivesse duas?”
– “Porque as galinhas eu tenho.”

Lembrei-me desta velha piada sobre o “altruísmo” dos militantes comunistas quando li recentemente que, de acordo com as últimas pesquisas, os americanos acreditam cada vez mais que a mudança climática é real, que a humanidade é amplamente responsável por ela e que algo precisa ser feito para resolver o problema. Porém, se as pesquisas confirmam a crescente conscientização do público em relação ao aquecimento global, elas também indicam que a questão ainda não é uma preocupação relevante, pelo menos não a ponto de fazê-lo colocar a mão no bolso, pois a maioria não está disposta a pagar meros US$10,00 por mês em impostos para tentar conter os gases de efeito estufa.

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O que é excepcional nessa pesquisa, é que ela foi além da pergunta padrão, normalmente voltada a confirmar desejos e intenções vagos do público, sem qualquer preocupação com análises de custo-benefício.

Se perguntarmos às pessoas, por exemplo, se elas querem que o governo imponha aos planos de saúde privados o aumento de suas coberturas e reduzam os prazos de carência – e uma grande maioria geralmente irá concordar de forma veemente. Em seguida, pergunte às mesmas pessoas se elas estão dispostas a pagar mais pelos seus planos para financiar as novas coberturas – e a maioria provavelmente se transformará numa minoria. Ou você pode perguntar às pessoas se elas concordam que o prazo do seguro desemprego deve aumentar para um ano – e você ouvirá um ‘sim’ quase unânime. Porém, se você perguntar a essas mesmas pessoas se estão dispostas a aumentar em 2% a sua contribuição para a previdência social, a fim de financiar a nova política, aposto que a maioria dirá um sonoro ‘não’.

Como muito bem explicou o economista Don Boudreaux, o verbo “querer” tem dois significados diferentes. A ignorância sobre essa diferença de significados causa muitas confusões – incluindo o fato de sermos induzidos a pensar que as pesquisas nos dão informações confiáveis sobre o que as pessoas realmente desejam.

Por exemplo: se eu disser a você que quero um BMW último tipo, top de linha, não estarei mentindo. Eu realmente gostaria de ter um. Porém, como utilizado aqui, o verbo querer significa pouco mais que uma fantasia ou desejo irrealizável. Este primeiro significado do verbo “querer” refere-se ao que Bourdeaux chama de “desejo irrestrito”, despreocupado dos custos. Da mesma forma, eu quereria muitas outras coisas, desde que elas estivessem disponíveis a um preço zero ou próximo de zero. O problema, como sempre, é que não existe BMW grátis, nem qualquer coisa grátis.

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O que nos leva ao significado realmente relevante do verbo “querer”, como ensina Boudreaux: o significado econômico, segundo o qual, não basta desejar algo, mas estar disposto a pagar o seu preço. Eu não estou disposto a desembolsar $400.000 por um BMW, simplesmente porque não tenho condições econômicas para tal luxo. O último automóvel que eu realmente quis foi um Corolla “basicão”, pois foi este que me fez ir à loja e comprá-lo.

Em outras palavras, a grande maioria das pesquisas de opinião revela apenas desejos inconsequentes – e nenhum compromisso com a sua realização.

Compare os dois cenários a seguir. No primeiro, você é questionado em uma enquete se deseja que sua cidade ofereça transporte gratuito para todos. No segundo, você é perguntado pelo vendedor da BMW se quer comprar um modelo novo. Sua resposta para a primeira pergunta não gera qualquer consequência prática na sua vida, pois não há qualquer compromisso de sua parte com a resposta, seja ela qual for. Portanto, você provavelmente estará muito mais propenso a responder positivamente. Quem não gostaria, afinal, de transporte público gratuito e de qualidade para todos? Só mesmo aqueles liberais mais fanáticos.

Por outro lado, a sua resposta à segunda pergunta trará consequências pessoais significativas. Se você disser “sim”, você se compromete contratualmente a comprar um automóvel caro. Se você disser “não”, segue com sua vida normal. De qualquer forma, sua resposta tem consequências imediatas para sua vida. Como resultado, responderá ao vendedor com muito mais cuidado e prudência.

Em resumo: pesquisas de opinião normalmente não se preocupam com os ônus das escolhas. Logo, não é apropriado usar essas pesquisas hipotéticas – que não apresentam os custos reais das escolhas aos entrevistados – como justificativa para a proposição ou execução de políticas públicas. Ao contrário do que ocorre nas interações de mercado, que revelam os desejos efetivos das pessoas, quase nenhuma pesquisa desvela uma escolha genuína do público – aquela que é limitada pelos custos de oportunidade.

* João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (EBAP/FGV-RJ), João Luiz Mauad é articulista dos jornais “O Globo” e “Diário do Comércio”. Escreve regularmente para o site do Instituto Liberal.

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