Economista nascido sob o comunismo estuda a superabundância no mundo
Marian Tupy nasceu na Europa Oriental, sob o comunismo, e passou parte da infância na África, antes de ir estudar e trabalhar na Grã-Bretanha e nos EUA
Publicado em 21 de março de 2023 às, 15h11.
Editor do site HumanProgress.org e membro sênior do Center for Global Liberty and Prosperity, Marian Tupy nasceu na Europa Oriental, sob o comunismo, e passou parte da infância na África, antes de ir estudar e trabalhar na Grã-Bretanha e Estados Unidos. Para além da cultura, ele sentiu na pele as diferenças de padrões de vida entre esses países, e passou a pesquisar as causas para a riqueza e a pobreza destes locais. Em anos de estudos, ele percebeu que o aumento populacional não gerou escassez de recursos e nem aumentou o problema da fome. Ao contrário, a população cresceu ao mesmo tempo em que os bens de consumo ficaram mais baratos, mais acessíveis, mais abundantes. É esta tese que ele explica em seu livro Superbundance, que acaba de ser traduzido para o português, e será lançado no Brasil nó próximo mês, durante o Fórum da Liberdade, em Porto Alegre. O evento ocorre nos dias 13 e 14 de abril, na PUCRS. Acompanhe abaixo a entrevista de Tupy para o Instituto Millenium.
1) Poderia nos contar um pouco sobre sua formação e como se interessou pelo progresso humano e pelo estudo do crescimento econômico global?
Marian Tupy - Nasci na Europa Oriental sob o comunismo, e passei seis anos morando na África. Estudei na Grã-Bretanha e, finalmente, imigrei para os Estados Unidos. Viajando pelo mundo, notei enormes diferenças nos padrões de vida. Então, perguntei a mim mesmo: por que alguns países são pobres, enquanto outros são ricos? Aprendi que a pobreza não precisa ser explicada. A pobreza é o estado natural da humanidade. A riqueza das economias avançadas é que precisa de explicação. Contrariamente aos marxistas, a criação de riqueza tem muito pouco a ver com exploração. (A Suíça, por exemplo, nunca teve colônias.) A prosperidade é um resultado de instituições políticas e econômicas geradoras de riqueza, como governo limitado e Estado de direito, livre comércio e proteção à propriedade. Os Estados Unidos, a Alemanha Ocidental, a Coreia do Sul e o Chile as tinham ou as têm. A URSS, a Alemanha Oriental, a Coreia do Norte e a Venezuela não as tinham ou não as têm.
2) Em seu livro "Superabundância", você argumenta que a humanidade está entrando em uma era sem precedentes de abundância. Poderia nos dar uma visão geral desta tese?
MT - No livro, medimos a abundância em preços de tempo, ou seja, no número de horas que uma pessoa precisa trabalhar para comprar algo. Os preços de tempo dos alimentos, combustíveis, minerais, metais e bens acabados têm diminuído ao longo do tempo. Simplesmente, os preços estão caindo em relação aos salários. Isso é verdade nos Estados Unidos, mas também, em média, globalmente. Enquanto isso, a população mundial aumentou massivamente.
Acreditamos que o crescimento populacional é responsável pela crescente abundância, porque apenas as pessoas podem ter novas ideias (por exemplo, fertilizantes sintéticos e energia nuclear) que tornam as coisas mais baratas. Quando a abundância aumenta a um ritmo maior que a população, chamamos essa situação de "superabundância". No nosso livro, descobrimos que quase tudo o que medimos aumenta a uma taxa superabundante.
3) Quais são os principais fatores que contribuíram para o aumento da prosperidade global nas últimas décadas? Como a tecnologia e a globalização afetaram essas mudanças?
MT - O progresso tecnológico é fundamental para o florescimento humano (ou seja, você quer alcançar maior produtividade com menos insumos), mas a difusão da tecnologia está ligada à liberdade econômica. Basicamente, os países que não podem gerar seus próprios avanços tecnológicos precisam ser capazes de importar novas tecnologias do exterior. A globalização, por meio principalmente do livre comércio e dos fluxos livres de capital, permitiu que novas tecnologias se espalhassem mais amplamente. A globalização se acelerou após a queda do império soviético, à medida que os países comunistas entraram no mercado global e o autarquismo socialista perdeu apoio em grande parte do mundo. Também houve melhorias notáveis na qualidade do governo (ou seja, governo mais responsável) e maior apreço por um ambiente microeconômico mais favorável aos negócios.
4) Quais são as métricas mais importantes que você usa para medir o progresso humano? Como eles evoluíram ao longo do tempo?
MT - Esta é uma longa lista. A expectativa de vida costumava ser de cerca de 25 a 30 anos. Agora é de 73 anos globalmente. A renda per capita pairava em torno de US$ 2 por pessoa, por dia. Agora está mais próximo de US$ 50 por pessoa por dia (globalmente). Entre um terço e metade das crianças recém-nascidas morria antes de completar um ano de idade. Agora, esse número caiu para menos de 3%, globalmente. As pessoas costumavam viver à beira da inanição. Hoje, a obesidade é cada vez mais um problema em todo o mundo, incluindo a África, e a fome praticamente desapareceu fora das zonas de guerra. A taxa de pobreza absoluta (ou seja, pessoas vivendo com menos de US$ 2 por dia) caiu de cerca de 90 por cento há 200 anos para cerca de 9 por cento hoje. Essas métricas, acho que são as mais importantes. Mas há outras, incluindo alfabetização, frequência escolar, igualdade entre os sexos, etc.
5) Você é o editor do HumanProgress.org, que fornece dados e informações sobre o progresso humano em todo o mundo. Você poderia nos contar sobre o objetivo do site e como ele pode ser usado para entender melhor as tendências globais?
MT - Embora ainda haja muitos problemas em todo o mundo, os últimos 200 anos são verdadeiramente sem precedentes no escopo do progresso humano. Nunca antes tantas melhorias foram vistas por tantas pessoas em tão pouco tempo. Infelizmente, evoluímos para priorizar as más notícias e focar no negativo. Como tal, muito poucas pessoas estão cientes dos fatos básicos - como as coisas eram ruins antes, em comparação com hoje. Da mesma forma, muito poucas pessoas param e se perguntam: "Como é que as coisas boas surgiram?". Se estiver correto, na raiz de nossa prosperidade comparativa hoje está a liberdade política e econômica, ou, para expressar em termos institucionais, a democracia liberal e o capitalismo de mercado. O problema é que as pessoas que não entendem o quanto estão melhor do que no passado, também são muito menos propensas a apoiar a liberdade política e econômica. Elas estão mais propensas a ouvir o canto de sereia do socialismo ou do fascismo.
O objetivo do HumanProgress.org é disseminar a conscientização sobre os fatos do progresso global e suas causas. A ideia subjacente é que, com maior compreensão, virá maior apreciação pela liberdade e pelo livre mercado. Os dados e informações no site podem ajudar as pessoas a entender melhor as tendências nos níveis de vida, longevidade, educação, meio ambiente e outras áreas, e compreender como essas coisas boas vieram a ser. Embora não haja um link direto entre dados e política, o primeiro passo deve ser aumentar a conscientização da realidade. O HumanProgress.org tenta contribuir para essa missão.
6) Alguns argumentam que, apesar do progresso econômico, ainda enfrentamos problemas significativos, como a desigualdade, as mudanças climáticas e as ameaças à democracia. Como você responde a estas preocupações?
MT - A desigualdade da renda global está diminuindo, porque os países em desenvolvimento estão crescendo em taxas mais rápidas do que os países desenvolvidos. Outros tipos de desigualdade - expectativa de vida, oferta de alimentos, anos de escolaridade, acesso à internet e assim por diante - também estão diminuindo. A mudança climática é um problema, mas não é uma crise. Contrariamente ao que você lê na imprensa ou vê na TV, as mortes globais por enchentes, tempestades, secas, incêndios florestais e temperaturas extremas caíram 99% nos últimos 100 anos. Além disso, já sabemos como produzir energia barata e abundante para o mundo sem emitir CO2 na atmosfera. O problema é político. As mesmas pessoas que se preocupam com o aquecimento global também se opõem à fissão nuclear e ao uso de gás natural, que são muito bons na redução das emissões de CO2. Quanto à democracia liberal, estou preocupado. Como já expliquei, as pessoas estão cada vez mais ouvindo o canto de sereia dos populistas de esquerda e de direita, justamente porque subestimam o papel crucial da liberdade política no crescimento da superabundância.
7) Qual deve ser o papel do governo em promover o progresso humano e enfrentar problemas globais? Você acredita que os governos deveriam se envolver ou simplesmente "sair do caminho"?
MT - O governo tem um papel importante a desempenhar na promoção do progresso humano, protegendo a vida, a liberdade e a propriedade. O resto cuidará de si mesmo através da propensão natural dos seres humanos de se esforçar para tornar suas vidas e as de suas famílias cada vez melhores.
8) Como você vê o futuro do progresso humano nas próximas décadas? Quais são os principais desafios e oportunidades que enfrentamos na busca de maior prosperidade para todos?
MT - As liberdades econômicas e políticas, às quais credito serem causas da era da superabundância, estão em recuo há vários anos. Os governos em grande parte do mundo, incluindo os Estados Unidos, estão se tornando mais intervencionistas e protecionistas. O iliberalismo econômico aumenta os preços e reduz o padrão de vida. Ao interferir no funcionamento suave do mercado (por exemplo, escolhendo vencedores e perdedores), os governos minam a destruição criativa que Schumpeter escreveu, e diminuem o ritmo de crescimento. Se o intervencionismo e o protecionismo se espalharem mais, o resultado inevitável será a estagnação econômica ou pior.
Quanto à liberdade política, os governos isolados da raiva pública (ou seja, do feedback eleitoral) são frequentemente mais propensos a adotar políticas econômicas que destroem a riqueza. Enquanto algumas ditaduras foram capazes de gerar taxas de crescimento impressionantes no curto e médio prazo, as democracias liberais são melhores garantidores do dinamismo econômico e do crescimento no longo prazo. E o crescimento é muito importante. Quase tudo o que valorizamos - melhor saneamento, cuidados de saúde, ambiente mais limpo, mais igualdade para as mulheres, etc. - está altamente correlacionado com o PIB per capita.
9) Que conselho você ofereceria aos formuladores de política em todo o mundo para promover o progresso humano e enfrentar os desafios que enfrentamos?
Não tente reinventar a roda. Aprenda com as melhores práticas em todo o mundo. Aprenda as lições da história. A combinação de paz e liberdade é uma receita superior para riqueza e felicidade do que conquista e opressão. Desempenhe bem seus deveres básicos - proteção da vida, liberdade e propriedade - e depois saia do caminho. A propensão das pessoas comuns para a auto-melhoria cuidará do resto.