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A crise nos estados brasileiros: o caso Mato Grosso do Sul

Mais uma vez, o problema está na forma com que governos administram as contas públicas e financiam o pagamento de suas dívidas

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Instituto Millenium

Publicado em 17 de fevereiro de 2020 às, 12h24.

Última atualização em 17 de fevereiro de 2020 às, 12h26.

Nas últimas semanas, o Millenium Fiscaliza tratou da grave crise financeira que vem passando grande parte dos estados brasileiros. Primeiro abordamos um dos casos mais alarmantes de todos, o do Rio de Janeiro, depois falamos respectivamente dos estados do Rio Grande do Sul, e de Alagoas. Hoje, vamos tratar da situação calamitosa em que vive mais um dos estados brasileiros: o Mato Grosso do Sul.

O estado do Mato Grosso do Sul, atualmente, tem uma dívida de cerca de R$ 9,2 bilhões com a União (ver tabela abaixo), de acordo com o levantamento feito pela Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz). Isto faz com que o estado se una aos principais devedores do país os quais, juntos, devem um valor total de R$ 872 bilhões. O que se observa é que, mais uma vez, o problema está na forma com que governos administram as contas públicas e, principalmente, financiam o pagamento de suas dívidas.

Em 2012, Segundo dados do Tesouro Nacional, o valor era de aproximadamente R$ 102 milhões. Já em 2015, esse valor subiu consideravelmente, chegando a R$ 1,280 bilhão. Isto significa que a dívida, em apenas três anos, aumentou mais de 10 vezes. Isto mesmo, 10 vezes. Este valor disparou, principalmente, no último ano do governo de André Puccinelli (PMDB): na época, em 2013, a dívida estava em cerca de R$ 557 milhões e logo no ano seguinte atingiu a marca de R$ 1,88 bilhão.

Além disso, o estado também possui valores pendentes junto a credores internacionais, a conhecida dívida externa. Esta também teve um aumento exponencial no período de um ano, nos anos de 2014 e 2015, quando saltou de R$ 883 milhões para R$ 1,28 bilhão, valor que, antes, em 2012, era de R$ 683 milhões. Ou seja, pode-se dizer que, em três anos, essa dívida simplesmente dobrou de valor. Não seria exagero afirmar que as contas públicas do estado estiveram, durante muito tempo, totalmente fora de controle.

Novamente, como visto em outros estados, um dos principais motores deste crescimento da dívida é a utilização do indexador IGP-DI, indicador altamente sensível ao câmbio internacional e responsável por elevar o valor dos juros de acordo com a alta do dólar. O valor total dessa dívida só poderia ser quitado em 2022, de acordo com o governo do estado. Com a troca do indexador, proposta pela Ex-presidente Dilma Rouseff em 2014, estabeleceu-se que o índice que corrige mensalmente as dívidas dos estados passaria a ser a taxa Selic ou o IPCA, no caso, o índice que registrar o menor valor no período, com uma adição de 4% ao ano. Antes disso, enquanto se usava o IGP-DI, o valor poderia chegar de 6 a 9% ao ano. É uma melhora, mas ainda está longe de resolver a questão.

Outro problema é que, assim como no caso de Alagoas, o estado também é credor de R$ 13 bilhões em recursos da Lei Kandir (Lei Federal 87/1996). A lei, criada com o lema “exportar é o que importa”, dispõe sobre os impostos dos estados nas operações relativas à circulação de mercadorias e serviços (ICMS). A ideia desta lei é isentar de ICMS os produtos e serviços destinados à exportação, ressarcindo os estados. Entretanto, pelas dificuldades que os estados vêm passando, principalmente, nas exportações, eles têm recebido pouco, ou quase nada. Um exemplo claro disso é o do café que sai de Minas Gerais para ser vendido fora do país e acaba por voltar mil vezes mais caro, só que encapsulado. Com isso, Minas não recebe R$ 1 de imposto. Em Mato Grosso, acontece a mesma coisa, só que com o milho, com a soja, com o boi.

Um agravante disto tudo está na capacidade do Mato Grosso do Sul em pagar esta dívida. Segundo nota técnica estipulada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que leva em consideração a dívida do estado e sua situação fiscal, classificando as unidades federativas de acordo com sua capacidade de pagamento, o estado se encontrava, em 2015, classificado com uma nota C-. Hoje em dia, depois de leve melhora, este índice subiu para C. Para fins de comparação, esses ratings são classificações de crédito e o Ipea coloca uma lista que vai de A+ até D- para os bons e maus pagadores. O estado, em 2015, possuía situação fiscal “muito fraca”, segundo a nota (confira na tabela abaixo).

O real problema é que estima-se que 15% da arrecadação total do estado é utilizada apenas para o pagamento desta dívida. A maior preocupação da população está em saber do que se compõe esse montante e porque, apesar de estarem arcando com esta dívida, os valores continuam aumentando, afinal, este dinheiro poderia estar sendo investido em outras áreas.

Esta completa falta de informações e transparência motivou uma ação do NACD/MS (Núcleo da Auditoria Cidadã da Dívida). Segundo a coordenadora estadual da Auditoria, Luciane Costadele, foi praticamente impossível conseguir dados sobre a dívida. Até hoje se encontra certa dificuldade para entender a real situação do estado em relação a origem desses valores. O NACD/MS solicitou a secretaria da fazenda (SEFAZ), através de um requerimento em atendimento a Lei 12.527/2011, todos os documentos necessários para realizar a Auditoria Cidadã.

“O secretário ainda não entregou documentos. Também estivemos no Ministério Público. Porque assim, realmente, todos esses ajustes [projetos de lei em tramitação no Congresso] no Brasil vão prejudicar muito toda a sociedade. Não é essa a realidade, a gente que está na auditoria percebe que existe um esquema muito forte. Esse é o modus operandis internacional, inclusive.
Acreditamos que o Governo não deveria usar a dívida para justificar os ajustes fiscais. Uma dívida nunca auditada, com várias irregularidades, já comprovadas pela CPI/2010. O que eu vejo é que eles usam os indicadores pra poder justificar que tem ajuste fiscal, mas não querem revea dívida”, afirmou Luciana.

Segundo a coordenadora, em 1997 o Mato Grosso do Sul devia R$ 1,343 bilhão, “Em 19 anos pagamos R$ 6 bilhões. Então existe muita coisa nessa dívida que precisa ser discutida”, concluiu. Isto porque o estado ainda conseguiu, com a Lei Complementar 156/2016, alongar a dívida com a União por mais 20 anos e suspender, temporariamente, pagamentos de juros e amortização. No caso de Mato Grosso do Sul significa um alívio de R$ 676,73 milhões em serviços da dívida.

No fim das contas, assim como vimos nos estados anteriores, é mais do que necessário saber imediatamente a origem desta dívida, analisar a fundo os contratos e como eles foram firmados, como estes valores foram empregados e o que foi realmente pago. A palavra é transparência, sem ela, quase todo planejamento e fiscalização ficam comprometidos. O Brasil já está em uma situação muito desfavorável para manter esse “hábito” de fazer reajustes setoriais para que a população possa pagar a dívida e, no fim das contas, continue sofrendo com a escassez de qualidade nos seus serviços mais necessários.

Dicas do IMIL

A população sul-mato-grossense precisa cobrar os seus deputados sobre essa situação calamitosa em que o estado se encontra. Mesmo que muitos dos responsáveis por essa crise não sejam os atuais representantes da população, é um dever de todos prezar pelo seu estado. Não deixe de contatar o seu deputado (no site da câmara dos deputados) para exigir as medidas cabíveis nessa situação em que o MS se encontra.