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Mulheres negras na engenharia: desafios e oportunidades

De acordo com o último censo (2019) do Ministério da Educação, as mulheres correspondem apenas a 37,3% dos concluintes nos cursos de engenharia

 (Luis Alvarez/Getty Images)
(Luis Alvarez/Getty Images)
I
Impacto Social

Publicado em 4 de fevereiro de 2021 às, 15h00.

A presença de mulheres em cursos de nível superior aumentou de forma gradativa nos últimos anos. Entretanto, os maiores percentuais de ingresso estão nas áreas de humanas e da saúde. De acordo com o último censo (2019) do Ministério da Educação (MEC), as mulheres correspondem apenas a 37,3% dos concluintes nos cursos de engenharia, produção e construção, embora representem mais de 50% da população brasileira. Quando fazemos um recorte analítico, considerando gênero e raça, a situação torna-se ainda mais preocupante. Neste contexto, surge a seguinte questão: por que a presença de mulheres negras em cursos de engenharia ainda é tão pequena?

A resposta é complexa, dadas as variáveis históricas e econômicas que produziram desigualdades sociais. Do ponto de vista histórico, por exemplo, embora o ensino de engenharia no Brasil exista desde 1792, a primeira mulher branca, Edwiges Maria, formou-se neste curso somente em 1917 pela UFRJ. E a graduação da primeira mulher negra, Enedina Marques, aconteceu apenas em 1945, na UFPR.

Do ponto de vista socioeconômico, observamos que esta distorção começa já na educação básica. Em 2016, as alunas negras (pretas e pardas) atingiram apenas 6% das 1000 maiores notas do ENEM. O fato se agrava ainda mais quando verificamos o desempenho em matemática: a nota dos meninos brancos é 81 pontos acima das meninas negras. Dados como estes exemplificam a perpetuação do sexismo e racismo na esfera da educação. Sistemas de opressão e de controle sobre mulheres e negros produzem a falta de incentivo que, somada à questão cultural “engenharia é para homem”, tende a refletir no desempenho do ENEM. E, consequentemente, em toda a formação de engenheiras negras. Todo este contexto reforça, por fim, a condição e o lugar da mulher negra em um cenário de vulnerabilidade social.

Uma pesquisa realizada em 2018 pela National Society of Black Engineers nos Estados Unidos, sobre as mulheres negras na engenharia, relata que os principais desafios evidenciados no início de carreira são: falta de referencial de mulheres negras na área (representatividade), falta de rede de apoio e o fato destas mulheres serem uma minoria no local de trabalho, tornando a adaptação mais difícil. Além disso, tendem a ser vítimas de preconceitos e salários discrepantes.

Em um trabalho recente, Ross e Godwin reforçam as implicações da identidade na engenharia para retenção de mulheres negras, ressaltando a necessidade de criação de mecanismos de enfrentamento da visão estereotipada de uma carreira predominantemente masculina e branca. Para os autores, é fundamental o engajamento da comunidade de ensino para a criação de uma identidade social da mulher negra na engenharia, bem como a retenção destas mulheres desde a graduação, garantindo assim a conclusão do curso com êxito.

É interessante ressaltar ainda que a mulher negra está na base da pirâmide social. Assim, todo e qualquer projeto de crescimento e inovação, em todas as esferas de uma empresa, devem levar esta realidade em consideração, incluindo ideias e vozes destas mulheres.

Como mulher negra, engenheira e professora do Insper, que luta diariamente contra o racismo implícito em nossa sociedade, reforço a necessidade do rompimento da visão tradicional e estereotipada da engenharia. Não podemos enxergar estes dados e fatos com naturalidade, mas com consciência, comprometimento, sede de mudança, planejamento e investimento.

*Bruna Arruda é professora no curso de Engenharia Mecatrônica - Insper, Mentora e Integrante do Coletivo Estudantil Raposas Negras e Integrante da Comissão de Diversidade Insper.