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Licenciamento Ambiental pode jogar Brasil na lama da insegurança ambiental

Alterações legais descartariam todo o aparato regulatório que protege não só o meio ambiente e as pessoas, mas também os próprios acionistas e investidores

Desastre ambiental em Mariana, muncípio de Minas Gerais, em 2015. (Ricardo Moraes/Reuters)
DR

Da Redação

Publicado em 31 de maio de 2021 às 17h51.

Por Alexandre Mansur

A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto da Lei Geral de Licenciamento Ambiental. Isso apesar dos alertas de especialistas, ambientalistas e até mesmo representantes de coalizões empresariais sobre o perigo da flexibilização dessas regras, como o incentivo ao desmatamento e o fato de deixar as nossas florestas públicas mais vulneráveis.

Se esse projeto passar pelo Senado, também pode impactar o financiamento de obras e projetos de infraestrutura por aqui. O motivo é que o projeto aumenta os riscos também para quem investe e financia os empreendimentos.

André Lima é advogado socioambientalista há mais de 25 anos e acredita que esta é uma lei que quebra a espinha dorsal do Sistema Nacional de Meio Ambiente. Segundo ele, a nova regra elimina de vez um dos seus principais papéis, que é estabelecer parâmetros gerais para licenciamento de obras potencialmente causadoras de impactos ambientais.

Para o advogado, isso significa uma absoluta insegurança jurídica, uma vez que nem todos os empreendimentos serão devidamente fiscalizados. E isso pode afastar investidores, que perdem a proteção que o licenciamento, apesar das exigências, acaba dando. Basta lembrar que, se as novas regras estivessem valendo, as barragens de mineração da Vale em Brumadinho e Mariana teriam sido aprovadas sem relatório de impacto ambiental.

Vejamos: um dos artigos da nova lei dispensa até o próprio licenciamento ambiental. “Ao invés de a gente ter uma lei que diz o que é que precisa e como é que se faz, é uma lei para dizer o que é que dispensa o licenciamento”, lamenta André. Ele usa como exemplo a criação de porcos. Não necessariamente ela é de pequeno impacto, isso vai depender da localização, da tecnologia para tratamento de resíduos, de uma série de fatores que não necessariamente estão dados desde o início.

Pela nova lei, um projeto assim poderia dispensar a vistoria, prevendo apenas uma fiscalização a posterior, ou seja, quando os danos já teriam sido feitos. Isso é um risco para os investidores, que precisarão arcar com os custos para reparação do problema ou até mesmo serem obrigados a paralisar alguma obra. Isso sem falar que ninguém quer ter a imagem vinculada a projetos que possam intensificar o desmatamento, a grilagem, ou impactar negativamente a vida das comunidades ao redor.

Seria possível ainda haver indústria se instalando sem a licença prévia, só com a licença por adesão e compromisso. “Imagine uma comunidade vizinha a um setor onde se instala uma unidade de tratamento de resíduos orgânicos, sem licença ambiental prévia. Quem já viveu do lado de uma área assim sabe o odor e como isso compromete a qualidade de vida das pessoas, tanto na área urbana quanto rural”, comenta André Lima, que fala sobre o assunto em novo episódio do podcast do GT Infraestrutura.

Ele ressalta que a possibilidade de isso acontecer em bairros de periferia, com áreas mais carentes em infraestrutura e menor fiscalização, é muito maior. Assim, as populações mais pobres seriam também as mais afetadas porque, historicamente, são as que têm menos condições de exigir e ser atendidas pelo poder público. “É um problema grave de injustiça ambiental”, afirma André. Problema que, inclusive, vai totalmente na direção contrária dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) ou das metas do Acordo de Paris. “O Brasil segue a passos largos na contramão do mundo; os resultados são e continuarão sendo devastadores”, observou o Greenpeace, em nota à imprensa sobre o assunto.

Tudo isso deixa o próprio empreendedor —  e quem investe nele —, inseguro. Já temos mais de dez notas técnicas de organizações de peso, empresas preocupadas com isso. Os próprios ex-ministros do meio ambiente enviaram uma carta, antes da votação na Câmara, alertando para esses riscos. “Quem tem conversado com grandes investidores internacionais diz que eles estão de cabelo em pé com as notícias que estão vindo do Brasil porque essa é só mais uma. Não é uma gota, é um balde de água num copo que já estava cheio”, opina André.

De olho nas mudanças climáticas e em suas imagens, muitos já estão se recusando a investir em projetos que não sejam sustentáveis. No curto prazo, alguns até podem ganhar a partir do dano e do prejuízo ambiental para muitos, mas no longo prazo, a expectativa é de prejuízos para todos. “É o Brasil do passado estabelecendo a lei do futuro.” Agora é torcer para um debate sério no Senado, que é o que pode nos salvar desse retrocesso.

*com Angélica Queiroz

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Por Alexandre Mansur

A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto da Lei Geral de Licenciamento Ambiental. Isso apesar dos alertas de especialistas, ambientalistas e até mesmo representantes de coalizões empresariais sobre o perigo da flexibilização dessas regras, como o incentivo ao desmatamento e o fato de deixar as nossas florestas públicas mais vulneráveis.

Se esse projeto passar pelo Senado, também pode impactar o financiamento de obras e projetos de infraestrutura por aqui. O motivo é que o projeto aumenta os riscos também para quem investe e financia os empreendimentos.

André Lima é advogado socioambientalista há mais de 25 anos e acredita que esta é uma lei que quebra a espinha dorsal do Sistema Nacional de Meio Ambiente. Segundo ele, a nova regra elimina de vez um dos seus principais papéis, que é estabelecer parâmetros gerais para licenciamento de obras potencialmente causadoras de impactos ambientais.

Para o advogado, isso significa uma absoluta insegurança jurídica, uma vez que nem todos os empreendimentos serão devidamente fiscalizados. E isso pode afastar investidores, que perdem a proteção que o licenciamento, apesar das exigências, acaba dando. Basta lembrar que, se as novas regras estivessem valendo, as barragens de mineração da Vale em Brumadinho e Mariana teriam sido aprovadas sem relatório de impacto ambiental.

Vejamos: um dos artigos da nova lei dispensa até o próprio licenciamento ambiental. “Ao invés de a gente ter uma lei que diz o que é que precisa e como é que se faz, é uma lei para dizer o que é que dispensa o licenciamento”, lamenta André. Ele usa como exemplo a criação de porcos. Não necessariamente ela é de pequeno impacto, isso vai depender da localização, da tecnologia para tratamento de resíduos, de uma série de fatores que não necessariamente estão dados desde o início.

Pela nova lei, um projeto assim poderia dispensar a vistoria, prevendo apenas uma fiscalização a posterior, ou seja, quando os danos já teriam sido feitos. Isso é um risco para os investidores, que precisarão arcar com os custos para reparação do problema ou até mesmo serem obrigados a paralisar alguma obra. Isso sem falar que ninguém quer ter a imagem vinculada a projetos que possam intensificar o desmatamento, a grilagem, ou impactar negativamente a vida das comunidades ao redor.

Seria possível ainda haver indústria se instalando sem a licença prévia, só com a licença por adesão e compromisso. “Imagine uma comunidade vizinha a um setor onde se instala uma unidade de tratamento de resíduos orgânicos, sem licença ambiental prévia. Quem já viveu do lado de uma área assim sabe o odor e como isso compromete a qualidade de vida das pessoas, tanto na área urbana quanto rural”, comenta André Lima, que fala sobre o assunto em novo episódio do podcast do GT Infraestrutura.

Ele ressalta que a possibilidade de isso acontecer em bairros de periferia, com áreas mais carentes em infraestrutura e menor fiscalização, é muito maior. Assim, as populações mais pobres seriam também as mais afetadas porque, historicamente, são as que têm menos condições de exigir e ser atendidas pelo poder público. “É um problema grave de injustiça ambiental”, afirma André. Problema que, inclusive, vai totalmente na direção contrária dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) ou das metas do Acordo de Paris. “O Brasil segue a passos largos na contramão do mundo; os resultados são e continuarão sendo devastadores”, observou o Greenpeace, em nota à imprensa sobre o assunto.

Tudo isso deixa o próprio empreendedor —  e quem investe nele —, inseguro. Já temos mais de dez notas técnicas de organizações de peso, empresas preocupadas com isso. Os próprios ex-ministros do meio ambiente enviaram uma carta, antes da votação na Câmara, alertando para esses riscos. “Quem tem conversado com grandes investidores internacionais diz que eles estão de cabelo em pé com as notícias que estão vindo do Brasil porque essa é só mais uma. Não é uma gota, é um balde de água num copo que já estava cheio”, opina André.

De olho nas mudanças climáticas e em suas imagens, muitos já estão se recusando a investir em projetos que não sejam sustentáveis. No curto prazo, alguns até podem ganhar a partir do dano e do prejuízo ambiental para muitos, mas no longo prazo, a expectativa é de prejuízos para todos. “É o Brasil do passado estabelecendo a lei do futuro.” Agora é torcer para um debate sério no Senado, que é o que pode nos salvar desse retrocesso.

*com Angélica Queiroz

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