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O que a compra do Slack pela Salesforce nos ensina sobre inovação

como sobreviver em um mundo em constante transformação?

Um ano e meio após o lançamento oficial no mercado, o Slack já tinha mais de 1 milhão de usuários por dia (Gary Hershorn/Getty Images)
Um ano e meio após o lançamento oficial no mercado, o Slack já tinha mais de 1 milhão de usuários por dia (Gary Hershorn/Getty Images)
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Fast Forward

Publicado em 7 de dezembro de 2020 às, 22h37.

Última atualização em 9 de dezembro de 2020 às, 13h31.

Nas últimas semanas o mercado de tecnologia foi movimentado por um meganegócio. A , gigante de software Salesforce comprou a Slack, aplicativo de mensagens instantâneas super popular entre startups e times de inovação, por 27 bilhões de dólares. 

A transação diz muito sobre o setor de tecnologia, o comportamento do consumidor, o mercado de inovação e como sobreviver em um mundo em constante transformação. Podemos listar 3 grandes lições a partir deste movimento.

Lição 1: Produtos que resolvem dor

A compra pela Salesforce é mais uma etapa simbólica na história do Slack. A empresa é uma das que tem a trajetória clássica entre as startups do Vale do Silício: surgiu a partir de uma dor interna (de uma empresa de games!), ganhou vida própria quando os executivos desta empresa descobriram mais potenciais clientes para essa solução do que para os jogos que desenvolviam e decidiram fazer um pivô, colocando esforços na nova iniciativa.  

A forma como o produto foi desenvolvido é um dos casos estudados em A Startup Enxuta, livro de Eric Ries considerado como “Bíblia” dos empreendedores e inovadores. 

Nascida para facilitar a comunicação interna do time de criação de uma empresa de games, os fundadores logo notaram que a ferramenta interna era muito mais interessante - e tinha um potencial de mercado muito maior - que aquele a que eles dedicavam mais energia. 

O motivo era simples: enquanto o game era tido como algo supérfluo, o sistema de comunicação resolvia uma dor real dos seus usuários, sempre imersos em trocas de e-mails sem fim.

Não por acaso a missão autodeclarada pela empresa era ousada: matar o e-mail. 

A aposta na dor foi tão certeira que um ano e meio após o lançamento oficial no mercado, o Slack já tinha mais de 1 milhão de usuários por dia - um número que, na época, era inimaginável para soluções corporativas.

Lição 2: A importância da distribuição

(Divulgação/Divulgação)

Em Atravessando o Abismo, livro clássico escrito por Geoffrey Moore em 1991, o autor discute como um produto pode ir além dos seus primeiros usuários - os early adopters - e se tornar um sucesso de público. 

O que Moore defende é que o clientes iniciais e aqueles que demandam soluções já consolidadas têm visões bem diferentes e que isso demanda das empresas uma estratégia clara de como cruzar o abismo que separa estes dois perfis (daí o título do livro).

Por muito tempo o Slack lutou para cruzar este abismo, mas seu público ficou concentrado em equipes de outras startups e áreas de tecnologia dentro de algumas empresas. Um nicho interessante, mas longe do tamanho necessário para tornar o produto em um negócio de massa - e mais longe ainda do necessário para substituir a troca de e-mails como principal ponto de contato entre os times em geral. 

Foi então que entrou na disputa um novo player. Na virada de 2016 para 2017, a Microsoft - maior fornecedora global de soluções para grandes empresas - resolveu lançar o Teams, plataforma criada para disputar o mercado em que o Slack nadava de braçada até então.

Em um segmento tão dependente de vendas B2B em alta escala, o poder de distribuição de uma empresa com o grau de relacionamento e o tamanho do portfólio detidos pela Microsoft fez toda a diferença. 

Por mais “sexy” que fosse a solução trazida pelo Slack e sua proposta de matar o e-mail, a Microsoft passou a oferecer um produto muito similar e uma vantagem adicional: a inclusão em um só contrato e integração nativa com diversos outros sistemas utilizados pelos seus clientes - como as suítes de aplicativos para edição de textos, planilhas e apresentações.

O poder de distribuição da Microsoft é tamanho que, em quatro anos, o Teams saiu de nenhum para 115 milhões de usuários. No mesmo período, o Slack saiu de 4 milhões de usuários para 12 milhões - um crescimento significativo, mas que perde todo o brilho quando comparado ao rival.

Lição 3: “Unbundle-Rebundle” e recriando o negócio

O começo da última década foi conhecido como o unbundling, quando uma solução “padrão” que cumpria vários papeis (ex: um banco tradicional ou uma suíte de softwares enterprise) começou a ser substituído por várias soluções menores e “especialistas” em um produto ou serviço mais específico (ex: uma fintech de crédito, outra de benefícios corporativos, e uma dezena de startups cumprindo melhor uma etapa da jornada do consumidor). 

Essa ótica prevaleceu desde o meio da década de 2000 até os dias de hoje, mas vem perdendo força para um rebundling - quando as soluções voltam a se consolidar em plataforma única. Essa nova consolidação pode acontecer por criação de negócios próprios, como o Microsoft fez com o Teams, quanto por meio de aquisições - que é o mote da estratégia da compra do Slack pela Salesforce. 

Ao comprar o Slack, a gigante de CRM viu uma oportunidade de tornar sua solução mais completa. Grandes empresas, os principais clientes de soluções como as oferecidas pela Salesforce, dão prioridade a ter menos fornecedores de tecnologia, mas com entregas mais completas e integradas - um contexto muito favorável ao rebundling

Foi isso que garantiu o sucesso do Teams da Microsoft e é isso que coloca em risco o negócio da própria Salesforce - basta que um concorrente entregue um conjunto mais robusto de soluções para que a empresa, pouco a pouco, veja sua base de clientes minguar.

Ter a clareza de que essa era uma ameaça ao seu modelo de negócios, fez com que a Salesforce fosse ao mercado e buscasse parceiros. De 2016 para cá, a empresa fez uma média de 4 investimentos em startups e 5 aquisições por ano. Assim, seu time de vendas ganha um portfólio muito mais robusto sem que a empresa dependesse dos custos de desenvolvimento e da curva de aprendizado que criar essas soluções dentro de casa demandaria.

Tal operação encaixa bem nos princípios de inovação “mate seu próprio negócio” e “trabalhe com parceiros”, seguindo a Estratégia da Inovação Radical, livro de Pedro Waengertner (veja aqui o curso de Inovação na Prática). O negócio é recente e seus próximos passos certamente ainda trarão muitas outras lições para quem vive de inovação. 

Para ficar por dentro desses próximos passos, te convido que acompanhe as colunas quinzenais que publico aqui na Exame e que se inscreva para receber quinzenalmente a newsletter de inovação e empreendedorismo que os times da Exame Academy e da ACE enviam toda semana.

Até lá!