EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h34.
De forma geral, o ato de vender pode ser definido como o jogo de tentar superar a rejeição. É raro o vendedor que consegue fechar negócio em dois contatos. Seja qual for o setor e o produto envolvidos, o indivíduo que tenta persuadir outro tem mais probabilidade de ser rejeitado do que de ser aceito. O que acontece, então, ao profissional persuasivo, aquele que gosta mais de si mesmo quando ouve alguém dizer "sim", quando a rejeição inevitável ocorre? Ele se sente diminuído. A questão é: um vendedor jamais deveria se sentir assim. Quando fracassamos, é óbvio que não nos sentimos bem, mas a questão central é: temos a determinação -- ou o que denominamos "auto-estima" -- para superar o que saiu errado?
Auto-estima é o ponto até onde o indivíduo basicamente gosta de si mesmo. Se ele possuir grande auto-estima, então o fracasso poderá motivá-lo em direção à próxima tentativa. O indivíduo que tem a auto-estima em ordem sente-se como qualquer outro quando fracassa, mas reage como o faminto que perde uma refeição: fica ainda mais faminto à espera da próxima. O fracasso, embora frustrante, não destrói a visão positiva que tem de si mesmo. Ele não é personalizado, mas sempre cria uma decepção -- a falta de realização --, que a próxima oportunidade corrigirá. Por outro lado, quando os indivíduos não têm auto-estima bastante para reagir com determinação, se não têm sentimentos positivos sobre si mesmos, encaram a rejeição como algo pessoal. Acham que o "não" é dirigido a eles próprios e que é uma prova maior de que não são muito bons e não têm valor. Portanto, hesitam muito em buscar outra situação que possa ressuscitar esse fantasma, porque, mesmo com o desejo de persuadir (a automotivação), a dor da rejeição potencial é muito grande para se arriscarem.
Outro problema sério da falta de auto-estima resulta da intensidade do conflito dentro do indivíduo. Como dissemos, as pessoas trabalham arduamente para gostar de si mesmas; assim, o indivíduo que não tem boa auto-estima faz enorme esforço interno para encontrar formas de gostar mais de si mesmo. Esse conflito requer tanta energia que não sobra tempo ou disposição para investir no emprego. A preocupação do profissional passa a ser consigo mesmo, e qualquer coisa externa deve necessariamente esperar. Essa preocupação dificulta a execução de um trabalho de forma coerente, sobretudo quando há muita pressão envolvida. Muitos anos atrás, quando já tínhamos uma vaga noção do papel da auto-estima na vida profissional, deparamos com uma situação que nos ensinou, de forma dramática, a importância dela. Avaliamos um candidato para a área de vendas de determinado cliente e recomendamos que o contratassem. Ele gerava muita empatia, e sua automotivação parecia ser mais do que suficiente para fechar vendas eficazmente no contexto daquela empresa. O candidato em questão também tinha forte senso de responsabilidade, e seu desejo de alcançar o sucesso era claro. Como esperávamos, ele começou no novo emprego como um tufão. Um mês depois do período de treinamento, estava entre os melhores 10% da força de vendas. Resumindo: tínhamos um cliente bastante satisfeito.
Três meses depois, no entanto, recebemos uma ligação do gerente de vendas em pânico. Ele nos disse: "Jim simplesmente parou de produzir há um mês. Como sabem, pensamos que ele seria o melhor funcionário jamais contratado. Mas, de repente, tudo mudou. Há um mês não vende nada e, para piorar, está chegando atrasado e demorando mais do que o necessário no horário de almoço. Às vezes, falta ao trabalho. É claro que ele tem aptidão. Contudo, o que acham que pode ter acontecido?"
Reavaliamos o teste de personalidade e chegamos à conclusão, mais uma vez, de que Jim possuía toda a automotivação e a empatia que a princípio lhe atribuímos. Mas começamos a ver, ao examinarmos os resultados do teste comportamental, que ele não tinha sentimentos positivos sobre si mesmo. Estava claro que ele não tinha auto-estima. Ao debatermos a situação com mais detalhes com o gerente e entrevistarmos Jim várias vezes, a situação esclareceu-se. Dada sua aptidão, Jim fechava com sucesso inúmeras vendas em seqüência. Qualquer um com menos aptidão nunca teria realizado todos aqueles negócios, mas ninguém, independentemente da aptidão, poderia continuar num ritmo tão bem-sucedido. Como era de esperar, a rejeição expulsou Jim do nível de supervendas. Considerando-se as estatísticas, as rejeições apareceram em três de cada quatro tentativas de vendas e, resumindo, a falta de auto-estima de Jim não lhe permitiu lidar com elas. Ele não conseguia olhar as rejeições estatísticas inevitáveis. Considerou o sucesso inicial um acidente e passou a se ver como o Jim representado pelos fracassos. Numa tentativa desesperada de reverter a situação, Jim pressionou demais, agiu de forma inadequada e acabou afastando clientes potenciais com os quais havia fechado negócios antes. Quanto mais pressionava, mais fracassava e mais se criticava e se punia. Enfim, apesar do talento óbvio, Jim foi eliminado.
Motivação intensa
Jim, e milhares como ele, lembra-nos o jogador de beisebol que é o fenômeno da primavera. Ele arrasa no treino de primavera e continua nesse ritmo por uma ou duas semanas da temporada. Em dois meses é rebaixado e, logo depois, completamente esquecido. Por quê? Obviamente, se pudesse rebater mais de 400 bolas e tivesse mais dois dias na liga principal, provaria que possuía talento. Porém, ninguém bate 400 constantemente. Do mesmo modo que Jim, o fenômeno entra em recessão inevitável, que o levará à média altíssima de 333. Se tivesse auto-estima, poderia mantê-la ao longo da carreira até o Hall of Fame. No entanto, assim como Jim, sem auto-estima o fenômeno começa a se criticar. Pressiona, muda o jeito de jogar e, no desespero de não fracassar, garante o insucesso ao agir de forma distinta.
O caso de Cathy ilustra o papel da auto-estima de forma bem diferente. Quando avaliamos os atributos de personalidade dela, vimos uma pessoa com excelente empatia, dona de forte senso de responsabilidade e com aptidão em organização pessoal. Nossa única dúvida era quanto à auto-estima. Era óbvio que tinha motivação persuasiva, mas não a necessidade intensa de convencer que caracteriza a maioria dos vendedores altamente produtivos. Assim, percebemos que ela poderia perder alguns negócios em conseqüência dessa falta de motivação intensa. Considerando-se as outras qualidades dela, sobretudo o forte senso de si mesma (sua boa auto-estima), sugerimos ao cliente que Cathy fosse contratada. Também sugerimos que, se possível, ela recebesse treinamento na área de negociação para tentar aumentar sua automotivação, que era moderada. Cathy foi contratada e, durante um ou dois meses, nós e o cliente estávamos preocupados porque ela apresentou resultados de forma extremamente lenta. Nos primeiros dois meses, realizou apenas uma venda -- embora, segundo o próprio cliente, tivesse vários clientes potenciais envolvidos.
Vencendo o desconhecido
Aos poucos, entretanto, a situação começou a mudar. Alguns dos potenciais tornaram-se clientes, e o número de potenciais cresceu regularmente. Ao cabo de seis meses, Cathy atuava no meio da força de vendas e, no fim do primeiro ano, estava no segundo quartil. Ao escrevermos este livro, quatro anos depois, Cathy ainda continua atuando bem no segundo quartil da força de vendas e, embora não seja excelente vendedora, está bem acima da média e sua contribuição é importante para o resultado final da empresa. Diferentemente do que ocorreu com Jim, as rejeições de Cathy surgiram logo. Em conseqüência da falta de motivação intensa, ela não fechou vendas logo nem com muita freqüência. Ela vivenciou as rejeições e os fracassos tão comuns aos novatos. Mas, ao contrário de Jim, em conseqüência do forte senso de si própria (boa auto-estima), Cathy não considerou a rejeição como questão pessoal. Viu os fracassos como resultado inevitável da inexperiência e do preço que precisava pagar para dobrá-la. Por causa de muitos outros atributos fortes de sua personalidade, não aceitava o "não" como resposta final, mas continuava a considerar a necessidade de acompanhar os clientes potenciais. Também continuou buscando novos clientes potenciais, sem temer a rejeição. No longo prazo, Cathy tinha automotivação bastante para converter algumas das rejeições iniciais em fechamentos e também mais know-how para melhorar lenta e constantemente a proporção inicial de conversão.
A diferença entre Jim e Cathy pode ser assim resumida: Jim obviamente possuía mais motivação e o potencial de atuar no topo da força de vendas. A falta de auto-estima, porém, tornou impossível para ele colocar em prática o seu talento, porque não conseguia lidar com a rejeição inevitável que até mesmo um superstar precisa vivenciar. Por outro lado, Cathy, com menos talento persuasivo, conseguiu atuar próximo do topo do potencial dela porque se sentia bem o bastante a respeito de si mesma e forte o suficiente para fazê-lo. Então, auto-estima é simplesmente a capacidade do indivíduo de sentir-se bem em relação a si mesmo, o bastante para aceitar a rejeição não como afronta pessoal, mas como parte inevitável da vida. O indivíduo com auto-estima tem a capacidade de deixar a rejeição para trás e prosseguir. Aqueles que se aceitam agem livremente, permitindo a si mesmos atuar próximo -- ou no máximo -- de seu talento.
* Herb Greenberg, Harold Weinstein e Patrick Sweeney são executivos da Caliper, consultoria de gestão