Está na hora de olhar para a China para... dividendos?
Estímulos recentes podem dar fôlego ao mercado que caiu mais de 40% desde o pico de 2021; mas, diante de distorção sem precedentes, já há até quem recomende investimento na China de olho no dividend yield
Natalia Viri
Editora do EXAME IN
Publicado em 24 de janeiro de 2024 às 16:31.
Última atualização em 24 de janeiro de 2024 às 16:59.
O anúncio na redução do depósito compulsório feito na madrugada de hoje pelo Banco Central chinês pegou o mercado de surpresa, liberando US$ 139 bilhões para novos empréstimos na segunda maior economia do mundo.
Com as ações chinesas derretendo nesse começo de ano, analistas vem apontando a possibilidade de um short squeeze, dando um esperado fôlego para a bolsa de Shangai, que negocia a um nível 40% inferior a seu pico em 2021.
No curto prazo, o cenário parece favorável. O desmonte de derivativos conhecidos como snowball (ou bola de neve) parece estar chegando ao fim, o que deve tirar uma pressão de venda sobre a bolsa local. Esses instrumentos, que ganharam popularidade entre 2020 e 21 são atrelados a um intervalo de preços dos índices de bolsa – e com esse preços chegando no piso desses intervalos, houve uma venda generalizada para cobri-los.
Há ainda as (frequentes) especulações sobre um possível socorro do governo chinês, que estaria disposto a injetar algo como US$ 282 bilhões no mercado acionário, via atuação de estatais, conforme noticiado ontem pela Bloomberg.
A grande questão, contudo, é se um respiro na bolsa pode durar – o que depende essencialmente da efetividade dos estímulos. O anúncio do aumento de compulsório, feito de supetão numa coletiva do BC chinês e não oficialmente pelo Conselho de Estado, como de costume, trouxe a interpretação é que o governo chinês está querendo passar um sinal de confiança para o mercado e que novas injeções possam surgir. A expectativa do mercado era que as taxas fossem cortadas apenas no fim do ano.
Mas, de forma geral, as medidas são vistas como um band-aid para estancar uma sangria mais profunda, num momento em que a confiança do consumidor está baixa em meio a uma crise imobiliária que se arrasta há anos no país. O Banco Central já tinha feito dois cortes de 0,25 p.p. nos compulsórios no ano passado.
“O problema da China não é conjuntural, é estrutural, principalmente relativo à demografia e ao fato deles não conseguirem encontrar uma solução para a crise no mercado imobiliário”, aponta o gestor de um fundo macro que investe em bolsas globais. “A crise não é de crédito, mas de confiança. Não adianta liberar empréstimo num momento em que o consumidor e as empresas não querem tomar.”
A forte atuação do chamado ‘national team’, formado por seguradores, fundos de pensão e bancos chineses, que têm ido às compras de forma mais contundente nas últimas semanas para comprar em bolsa também é outro fator de preocupação. “Por mais que crie uma força compradora, ela é forçada e, no limite, leva ao aumento da estatização da economia”, pondera a fonte.
Mais do que isso, num cenário ainda altamente volátil, por mais que a bolsa chinesa esteja muito descontada, acertar o timing de quando ela chegará ao piso é a pergunta de bilhões de dólares – e para a qual ninguém ainda arrisca uma resposta.
Nesse sentido, gestores domésticos com exposição externa ouvidos pelo INSIGHT ainda não acham que dá para cravar uma retomada do mercado de ações chinês. Parte deles vem ampliando, no entanto, sua exposição à Vale, diante das perspectivas de que estímulos possam dar mais força ao minério de ferro – e finalmente tirar o desconto da mineradora brasileira em relação aos pares.
Num cenário sem precedentes na bolsa chinesa, que avançou na esteira do crescimento exponencial da sua economia, os fatores mais importantes para uma retomada devem vir mais de um cenário micro do que do macro, aponta Louis Gave, sócio-fundador da Gavekal e um dos maiores especialistas no mercado chinês.
“O catalisador para uma recuperação no mercado de ações provavelmente virá do bottom-up mais do que do top-down; por exemplo, recompra de ações, melhora nos lucros corporativos ou mesmo o lançamento de modelos de negócios novos e promissores”, diz ele em relatório.
A distorção é tanta que já há analistas recomendando olhar a China buscando uma tese de dividendos, mais que growth. Em outro reporte da Gavekal, divulgado hoje, os analistas Thomas Gatley e Wei He apontam que pela primeira vez desde 2016, o MSCI China negocia com dividend yield maior que o do MSCI EM, que compreende os mercados emergentes: 3,21% contra 2,99%.
Eles recomendam especificamente o investimento no MSCI China H-Share, índice de ações de empresas da China continental e que negociam em Hong Kong, cujo dividend yield está em 7,4% – maior que o do MSCI Brasil.
“Se a China continuar a ter desempenho muito pior que o mercado de equities global este ano, uma posição grande nessa tese pode performar mal. Mas se a China negociar de lado em termos relativos, os investidores podem ganhar em relação às ações globais.”
Para os analistas, se por um lado há poucos sinais de incentivos mais fortes que justifiquem uma alta acentuada na bolsa chinesa, por outro, os riscos de baixa são limitados.
“O contexto macro global está mais positivo. As eleições americanas devem manter a política americana dovish, com cortes de juros, menores yields e um dólar mais fraco, o que deve sustentar um movimento positivo para mercados emergentes em geral, e ajudar a puxar para cima o renminbi.”
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Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.