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Ajuste fiscal

ANÁLISE: Pacote mantém Brasil no ‘Dia da Marmota’ do fiscal

Se o governo não está querendo pagar o custo político de um ajuste um pouco mais duro dois anos antes das eleições, o que esperar pela frente?

Aludindo à filme em que Bill Murray vive repetidamente o mesmo dia, JP Morgan tirou recomendação de compra para Bolsa no Brasil (Divulgação/Divulgação)
Aludindo à filme em que Bill Murray vive repetidamente o mesmo dia, JP Morgan tirou recomendação de compra para Bolsa no Brasil (Divulgação/Divulgação)
Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Publicado em 29 de novembro de 2024 às 17:43.

Última atualização em 29 de novembro de 2024 às 18:10.

Entre fontes próximas ao governo, é frequente a narrativa de que “o mercado” – essa entidade que, nessa lógica, é quase etérea – não entende as costuras necessárias para se governar.

É até possível aceitar que esse argumento seja verdade, na margem, se traduzindo em alguns excessos de curto prazo.

Mas, na mão oposta, o anúncio feito pelo ministro Fernando Haddad na quarta-feira à noite deixou cristalino que o atual governo dá de ombros para o que pensam os investidores – aqueles que, longe de serem uma entidade amorfa, são os que financiam as empresas e a própria dívida pública.

Um fator crucial na formação de preços é a previsibilidade. A falta de clareza se traduz em prêmio de risco, um pedágio cobrado para o imprevisível e que, no Brasil, tem se tornado cada vez mais alto.

O governo teve a chance de romper o padrão, mas o pacote de cortes em si veio aquém do que o mercado esperava. A previsão oficial é de uma economia de R$ 70 bilhões em dois anos, enquanto a maior parte dos economistas vê algo mais próximo de R$ 50 bilhões.

Faltaram medidas estruturais e mexer em vacas sagradas, como desvinculação dos gastos com saúde e educação do PIB – de fato, uma costura politicamente difícil, especialmente para um governo de esquerda.

O pacote em si não foi um desastre completo e alguns pontos surpreenderam positivamente, como a mudança mais estrutural na regra de correção no salário mínimo.

A inclusão da discussão da reforma da renda, contudo, foi o combustível para a hecatombe e não deixou espaço para que os investidores pudessem dar o benefício da dúvida em meio a uma direção até que correta dos cortes, apesar da inequívoca falta de intensidade.

“Ficou claro que governo não tem capacidade ou disposição de anunciar medidas impopulares sem ter uma medida popular junto”, resumiu a diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS, Solange Srur.

Se o governo não está querendo pagar o custo político de um ajuste um pouco mais duro dois anos antes das eleições, o que esperar pela frente?

Nas contas de boa parte do mercado, o pacote anunciado agora compra algum tempo até que haja pouco espaço para despesas discrionárias dentro do arcabouço fiscal.

E força uma nova discussão no máximo até 2027, ou no pior cenário para o governo, no próprio ano eleitoral – o que abre um temor brutal de medidas mais populistas dois anos à frente.

Na prática, a comunicação desastrosa do governo já fez o pacote nascer velho, com o ministro Fernando Haddad correndo para apagar o incêndio auto infligido e deixar claro que novas medidas de cortes podem ser cogitadas.

No curto prazo, a bola está com o Congresso, com declarações de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco em favor da responsabilidade fiscal dando algum alívio ao câmbio, bolsa e juros nesta sexta feira, 29, depois da disparada no dia anterior.

Num cenário em que o mundo está cortando juros enquanto caminhamos na direção contrária, os investidores cansaram da ladainha.

A questão fiscal continua nosso “Dia da Marmota”, como bem apontou o JP Morgan em relatório no qual tirou recomendação de compra para a bolsa brasileira. Trata-se de uma alusão ao "Feitiço do Tempo", filme clássico dos anos 1980 em que Bill Murray acorda sempre para viver o mesmo dia.

“Durante os últimos dois anos, o mercado tem tido ondas de preocupação com o fiscal, o governo faz alguma coisa para aliviar a dor até que uma nova manchete bata no fiscal de novo e alguma coisa precise acontecer”, apontaram os analistas.

O nervosismo de curto prazo pode até interessar investidores mais especulativos. Mas o capital de mais longo prazo, aquele que gosta de previsibilidade, jogou a toalha.

Azar do Brasil – e dos mais pobres, que são os mais penalizados à frente com um ajuste que vem na forma de juros estratosféricos e inflação em disparada.

Num país com uma desigualdade brutal como o Brasil, uma reforma de renda progressiva claramente tem seus méritos.

Mas para que realmente tenha o efeito esperado, sem contratar uma crise e corroer poder de compra, ela precisa vir na hora certa.

É preciso um choque de credibilidade para sair do círculo vicioso e abrir um novo capítulo. Retomar a confiança ainda é possível – mas será tão mais duro e custoso quanto o governo demorar para entender.

Para quem decide. Por quem decide.

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Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Jornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.

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