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Dynamo, David Velez e o que os investidores não estão vendo no Nubank

Em carta aos cotistas, gestora trouxe entrevistas com os CEOs de suas principais posições

Velez: a cultura engole a estratégia no café da manhã (Nubank/Divulgação)
Velez: a cultura engole a estratégia no café da manhã (Nubank/Divulgação)
Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Publicado em 4 de janeiro de 2024 às 10:06.

Última atualização em 4 de janeiro de 2024 às 16:05.

Prestes a completar 30 anos, a Dynamo – uma das gestoras de ações mais respeitadas do país – trocou sua tradicional carta semestral aos cotistas por entrevistas com os CEOs que compõem o seu portfólio.

Foram cinco perguntas a cada um deles, para fazer um raio-X da cultura, oportunidades e desafios enxergadas por cada um dos executivos que comandam suas principais posições: Rede D’or, Eneva, Cosan, RD, Suzano, Gerdau, Natura, Localiza, Vibra, WEG e Nubank – esta última, de longe, a que mais se valorizou no último ano, com alta de quase 130%.

Nas suas respostas, o CEO do banco, David Velez, trouxe lições de empreendedorismo – com a importância da construção da cultura (que “come a estratégia no café da manhã”) já nos primeiros dias de startup – e os aspectos que acha que os investidores estão deixando passar na tese da companhia.

Além do potencial de monetização da sua base no Brasil e da alavancagem operacional permitida por uma estrutura de custos enxuta, ele destacou a imensa oportunidade no México: “O México pode ser outro Brasil para o Nubank, embora obviamente com risco de execução significativo (nosso tipo de risco favorito…).”

O empresário elencou ainda as fortalezas e opcionalidades que devem “permitir reimaginar o Nu como uma plataforma de consumo, muito mais do que um banco”.

Abaixo, a transcrição das perguntas da Dynamo e as respostas de Velez. A íntegra das cartas pode ser lida aqui e aqui.

Na sua visão, qual o papel do CEO e qual o legado através do qual você gostaria que sua companhia fosse reconhecida pelos seus diversos stakeholders?

As funções mais importantes do CEO são:

  1. capacidade de desenhar e escalar cultura, o que inclui manter o propósito central e os valores fundamentais da companhia (ou seja, “a razão filosófica para a existência da empresa”);
  2. definir uma estratégia de longo prazo consistente e compatível (ou seja, “o racional para a companhia existir e vencer”) e
  3. garantir que “as pessoas certas estejam nos lugares certos” no time de executivos.

    Gostaria que o Nubank fosse reconhecido como uma empresa que teve a coragem e a tenacidade de desafiar a sabedoria convencional ao competir em um setor que parecia completamente “fora do alcance” dos empreendedores.

    Como nos permitirmos competir através de uma estratégia simples de querer que os clientes “nos amassem fanaticamente”, fomos capazes de empoderar centenas de milhões de clientes através de melhores produtos financeiros, influenciar todos os outros concorrentes a melhorar produtos e serviços e, em última análise, inspirar milhares de empreendedores em muitos países latino-americanos criando novos disruptores em muitos outros setores e assim acelerando um ciclo virtuoso.

    Se você fosse descrever a sua companhia através dos diversos atributos que fazem uma companhia prosperar e se destacar – cultura, gente, operação, alocação de capital, competitividade, estratégia, entre outros – quais deles você destacaria?

    Concordamos com Peter Drucker que “a cultura engole a estratégia no café da manhã”. Arriscamos até ir além: pensamos que “a cultura engole táticas, pessoas, competitividade, etc… no café da manhã”. A cultura é o concreto e o aço que sustentam a empresa, e o peso e a altura do arranha-céu (ou de uma empresa) serão determinados diretamente pela resistência das bases.

    Por que dizemos isso? Porque a cultura atrai pessoas, as pessoas constroem produtos e os produtos atraem clientes. Assim, em última análise, os clientes estão comprando cultura e não produtos. E, no longo prazo, a capacidade de a empresa executar sua estratégia está diretamente ligada à forma como executa os seus valores culturais.

    No caso do Nubank, nossa cultura é definida por cinco valores:

    1. queremos que os clientes nos amem fanaticamente;
    2. temos fome e desafiamos o status quo;
    3. construímos equipes fortes e diversas;
    4. somos donos, não inquilinos; e
    5. buscamos continuamente eficiência inteligente.

        Esses valores culturais explicam então todas as outras partes da nossa empresa: nossa estratégia é vencer criando produtos e serviços que façam com que os clientes nos amem fanaticamente. As pessoas que chegam ao Nubank são atraídas pelo impacto que criamos na sociedade como empresa, mas também apresentam certos traços de caráter alinhados a esses valores, como inconformismo, pensamento crítico, trabalho árduo, adaptabilidade, diligência, criatividade, elevada capacidade de agir com propósito e de colaborar. Selecionamos ativamente candidatos e Nubankers que aderem a esses valores. E quando assim o fazem, eles criam produtos e servem clientes sempre alinhados à nossa cultura.

        Como qualquer bom engenheiro sabe, é muito mais difícil e caro mudar as bases do arranha-céu depois que ele estiver construído. Da mesma forma, a cultura de uma empresa é desenhada nos primeiros seis meses pelos primeiros dez a quinze funcionários. Sabendo disso, tivemos muito cuidado na elaboração da nossa cultura durante os primeiros dias, e o tempo e a energia gastos nesta empreitada foram os melhores investimentos que já fizemos, pois rendem dividendos todos os dias. No entanto, a cultura também requer fortalecimento e aprimoramento ativo por meio de cuidados constantes.

        Qual o momento mais desafiador enfrentado em sua gestão? Quais elementos se provaram fundamentais para que a companhia pudesse superar tamanha dificuldade? Quais as lições aprendidas?

        David Vélez: Houve vários momentos desafiadores desde o início da empresa em 2013. O ambiente macroeconômico que temos visto como empresa é “o pesadelo” para qualquer empresário no negócio de serviços financeiros orientados para o crédito: tivemos um crescimento do PIB nada estelar na taxa de 0,15% ao ano na última década, presenciamos a pior recessão no Brasil em 2014-2016, quando o PIB contraiu 7%, depois passamos por uma pandemia e em seguida enfrentamos um ambiente de inflação elevada acompanhado por um rápido aumento nas taxas de juros. Assistimos a um impeachment presidencial e ao maior escândalo de corrupção da história deste país.

        Como uma jovem startup, que não conseguiu levantar dívida ou capital próprio no mercado brasileiro, dado o ceticismo exacerbado dos especialistas da indústria local, todas essas manchetes da mídia criaram uma continuidade de momentos difíceis e fizeram com que vários de nossos potenciais investidores estrangeiros mudassem de ideia sobre investir no Brasil ou no Nubank várias vezes.

        Que recomendação você daria para os investidores que acompanham a companhia? Qual ou quais aspectos você acredita que os investidores em geral não estão creditando a devida importância?

        DV: O primeiro elemento é a oportunidade significativa que temos para aumentar a monetização da nossa base de clientes existente no Brasil. Embora mais de 85 milhões de brasileiros já sejam clientes do Nubank (um em cada dois adultos brasileiros), temos apenas cerca de 14% de participação de mercado em cartão de crédito, 6% de participação de mercado em empréstimos pessoais, 3% de participação de mercado no total depósitos e ativos de investimento, e menos de 1% em todos os outros produtos verticais que lançamos, como seguros ou produtos bancários para pequenas empresas.

        No entanto, detemos os Net Promoter Scores (NPS) mais altos em cada uma dessas categorias, além de um custo de atendimento 85% menor que o de nossos concorrentes e um custo de aquisição para venda cruzada igual a zero. Portanto, nossa oportunidade de ganhar participação em cada uma dessas verticais é gigantesca, e o nosso histórico nos últimos 24 meses registra essa tendência muito clara: ganhamos participação de mercado de forma constante em todas as verticais em que atuamos nos últimos 5 anos.

        Esta oportunidade oferece boa visibilidade sobre o tamanho que nossa Receita Média Por Cliente Ativo (ARPAC, em inglês) pode alcançar. Nossa ARPAC atual é de US$ 10,0, mas para clientes que já utilizam nossos três principais produtos (Conta, Cartão de Crédito e Empréstimo Pessoal), a ARPAC já está em US$ 37! Para clientes que já estão conosco há 24 meses, a ARPAC também fica em torno de US$ 27. E a ARPAC dos nossos concorrentes em média está acima de US$ 45. Assim, à medida em que a nossa oportunidade de venda cruzada cresce dentro da nossa base, temos a oportunidade de aumentar significativamente a ARPAC.

        Dada a expressiva eficiência da nossa plataforma tecnológica e modelo de negócios, nosso custo para atender um cliente deve permanecer efetivamente o mesmo, em cerca de US$ 1. Isso significa que o Nubank não apenas já é uma das instituições financeiras mais eficientes do mundo, com índice de eficiência de 35%, mas também devemos ser capazes de continuar capturando alavancagem operacional e gerar um retorno sobre o patrimônio líquido (ROE, em inglês) muito superior ao de nossos concorrentes. O ROE que divulgamos no início deste ano no Brasil, nossa operação mais madura, já comprova a força do modelo de negócios. E não estamos nem perto da nossa fronteira de eficiência – ainda estamos no Primeiro Dia (Day One).

        O segundo elemento que não é bem valorizado pelos investidores é a oportunidade do México. O México pode ser outro Brasil para o Nubank, embora obviamente com risco de execução significativo (nosso tipo de risco favorito…). O México tem uma população de 130 milhões de pessoas, mas com uma renda per capita superior em mais de 30% a do Brasil, metade do país tem menos de trinta anos, cerca de 50% da população não tem conta bancária, a penetração de cartão de crédito é de apenas 12%, e ainda trata-se de um país com uma das populações mais digitalmente ativas nos mercados emergentes. Todos esses elementos criam uma oportunidade de mercado significativa.

        Nos últimos três anos, nos tornamos um dos principais emissores de cartões de crédito no México, com mais de 4 milhões de clientes de cartões de crédito e com mais de 1 milhão de clientes abrindo contas de poupança nas primeiras quatro semanas de seu lançamento. No entanto, não esperamos que o nosso crescimento no México seja linear, uma vez que fornecer crédito em um mercado com poucos níveis de bancarização é um desafio. Mas, num horizonte de cinco anos, estamos muito confiantes de que somos a empresa mais bem posicionada neste país para mudar fundamentalmente a estrutura do mercado.

        Finalmente, quando olhamos em perspectiva, ficamos entusiasmados com as expressivas opcionalidades que a combinação dos seguintes fatores cria para nós:

        1. já temos uma das maiores bases de clientes exclusivamente digitais na América Latina (e em crescimento);
        2. um dos NPS mais altos em serviços financeiros e uma das marcas mais confiáveis da região;
        3. uma das melhores equipes de tecnologia e ciência analítica do mundo;
        4. uma cultura muito forte;
        5. uma das mais sofisticadas infraestruturas de análise de dados na América Latina.

            Todos estes fatores combinados permitem reimaginar o Nu como uma plataforma de consumo, muito mais do que um banco, e nos próximos cinco a dez anos há uma excelente oportunidade para executar esta visão.

            Qual papel você julga fundamental para uma boa atuação do Conselho de Administração?

            DV: As funções mais importantes de um Conselho de Administração são garantir que a empresa tenha os líderes certos, nos lugares certos e no momento certo (especialmente o CEO), e conceber um plano robusto para a sucessão da liderança.

            O Conselho de Administração também desempenha papéis cruciais na:

            (1) supervisão estratégica – revisando e orientando sobre os objetivos de longo prazo, planos de negócios e principais decisões da empresa;

            (2) governança e revisão financeira – garantindo que a empresa opere dentro dos limites legais e éticos, supervisionando demonstrações financeiras, auditorias e estratégias de investimento; e

            (3) gestão de riscos – identificando e gerenciando ativamente os riscos da empresa e implementando as estratégias corretas para mitigá-los.

            A fim de executar todas estas funções de forma eficaz, conselhos com bom desempenho precisam ter membros com uma diversidade substantiva de formações, competências e experiências, para que decisões importantes possam ser debatidas de forma adequada, levando em consideração todos os pontos de vista possíveis. Um conselho homogêneo provavelmente não é um conselho com uma boa performance de governança.

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            Natalia Viri

            Natalia Viri

            Editora do EXAME IN

            Jornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.

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