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Varejo

Americanas mostra que covid sacolejou grandes marcas

Gigantes como Grendene, Alpargatas, Via e até mesmo Arezzo aproveitaram a crise para se posicionarem como companhias do futuro

Americanas S.A. compra Skoob (Lia Lubambo/Reuters)
Americanas S.A. compra Skoob (Lia Lubambo/Reuters)

Publicado em 17 de agosto de 2021 às 17:53.

Que a pandemia acelerou a digitalização já se tornou clichê. Mas o que poucos repararam é que ela fez mais do que isso. Ela chacoalhou diversas grandes marcas brasileiras que tinham potencial evidente de crescimento — mas definitivamente não estavam com o pé no acelerador. Agora, em poucos trimestres, elas se posicionaram como grandes companhias do futuro. E investem como nunca. Resta saber se ainda dá tempo de ser líder em meio às big techs.

O expoente do momento é a Americanas. A companhia — ou o grupo, que era separado em Lojas Americanas (físicas) e B2W (e-commerce) — foi o primeiro de varejo a apostar no comércio eletrônico no país, lá em seus primórdios. Mas o vanguardismo parou aí. Estava há mais de uma década praticamente estacionada. A operação física ia bem, gerava caixa, mas era o mesmo de sempre. Já a B2W vivia brigando para ter resultado e recorrentemente demanda aportes da controladora.

É como se o grupo tivesse mantido a faca e o queijo em cozinhas separadas até bem pouco tempo. Tinha tudo para ter saído na frente na omnicanalidade e também na diversidade da cesta ofertada. Mas não o fez. O movimento veio só após a pandemia e depois de a companhia levantar quase R$ 8 bilhões em uma oferta de ações — dos quais R$ 1,8 bilhão vindos do trio 3G, Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles.

Além de combinar o mundo físico ao digital — com a recente reorganização societária na bolsa — em uma única empresa, os investidores souberam em poucos dias o quanto a varejista está correndo atrás do prejuízo. E como está! Comprou a rede Hortifruti Natural da Terra por R$ 2,1 bilhões em dinheiro (mais R$ 300 milhões em dívida líquida) e ainda admitiu que está de olho na rede de roupas Marisa.

Procura o que todos querem no universo digital do comércio: uma cesta que traga recorrência dos clientes. O mix para isso é um pouco de tudo, bem no estilo da própria Lojas Americanas. Vale de tudo para fazer o usuário voltar. Chocolate, polvilho, panela, shampoo, lingerie — e agora carne, alface e frutas, além de outras frentes em alimentos. Não há nada mais recorrente do que comida e, ainda mais, as frescas. Mas, também, não há nada com logística mais complexa e cara do que essa.

Mesmo assim, de forma generalizada, o movimento foi bem recebido. O Bank of America (Bofa), por exemplo, entende que a aquisição pode acelerar o avanço da Americanas no segmento de alimentação e consumo. O Natural da Terra teve receita líquida de R$ 2 bilhões e Ebitda de R$ 220 milhões em 12 meses, finalizados em junho — 16% das vendas são digitais. Antes das sinergias, o negócio traz 8% a mais de receita e cerca de 7% em Ebitda à companhia. E é considerada pelo Bofa uma marca forte com potencial para expansão além dos mercados tradicionais como São Paulo e Rio de Janeiro.

Muitos acharam a aquisição cara — uma relação entre preço e lucro de 27 vezes, enquanto a maioria das cadeias alimentares negociadas na bolsa estão em torno de 20 a 22 vezes — mas preferiram não se ater a esse detalhe e a estratégia não recebeu questionamentos. Entre os mais críticos, aparece o Bradesco. Os analistas da casa apontam que a Americanas pagou um prêmio da ordem de 80% sobre a média da avaliação do setor por um movimento que, na opinião deles, poderia trazer os mesmos efeitos se fosse via parceria. Em comentário, o BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da Exame) aponta que essa é a direção da maioria dos varejistas mundo afora.

Pagar caro costuma ser o fardo de quem quer garantir a liderança e desbrava o mercado e também de quem chega mais tarde na festa. Ainda não está claro para ninguém de qual das situações se trata. E se as sinergias vão compensar o investimento.

Muito bem acompanhada

Mesmo com Amazon e Alibaba se agigantando aos olhos de todos, não foram poucas as empresas brasileiras que esperaram para ver. Está longe de ser uma prerrogativa da Lojas Americanas. A maioria das empresas vivia do conforto de estar em um mercado com 220 milhões de habitantes e indo bem — pelo menos, o suficientemente bem.

Grendene, Alpargatas, Via (que também passou por grande troca na gestão), T4F e  — por que não?  — Arezzo &Co e até a Hering, todas essas se sintonizaram ao novo momento e anunciaram novos planos.

A Hering, por exemplo, que por anos fugiu de qualquer movimento de fusão ou aquisição sabia que dessa vez não haveria mais argumentos suficientes e que a atualização é vital. Todas elas poderiam ter tido planos de digitalização e de expansão antes da pandemia. Mas fato é que eles só ganharam contornos e dedicação com o coronavírus. Controladores e administradores foram mais exigidos do que nunca e a criatividade nas decisões teve de encontrar espaço num mundo em que o conceito de "normalidade" foi totalmente suspenso.

Dona de diversas marcas, entre as quais Melissa e Ipanema, a Grendene estava sem projeto de expansão há muitos anos, e seu e-commerce era uma operação terceirizada repleta de ineficiências que impediam o crescimento. A empresa carrega uma enorme capacidade ociosa, mas também uma posição de caixa tão grande que a fazia se sentir confortável em ficar onde estava. Mas, no meio da crise da covid, a empresa fechou uma parceria com a 3G Radar, responsável pelos investimentos locais da 3G Capital, para desenvolver canais de distribuição internacional e ainda assumiu o controle do projeto digital.

A Alpargatas também azeitou um plano de crescimento calcado em três mercados externos principais — EUA, Europa e Ásia, com grande foco na China. As exportações foram metade da receita no segundo trimestre deste ano. Para completar, a empresa também deu tração ao lançamento de novos produtos e trouxe para dentro de casa a operação do e-commerce que também estava terceirizada. Atualmente, 40% das vendas internacionais já ocorrem pela plataforma digital.

A Via correu atrás do prejuízo de anos abaixo da asa do grupo Casino, dono do Grupo Pão de Açúcar. A dona da bandeira Casas Bahia (e ainda Ponto Frio e Extra.com) assistiu pacífica, durante anos, à ascensão do Magazine Luiza sem nada fazer. Foi só após sair da influência do Casino que a nova gestão assumiu toda a plataforma e mudou tudo. O movimento começou antes da pandemia, mas velocidade que conquistou teve inegável influência de estratégias pensadas para lidar com a nova realidade.

Ainda que a Arezzo &Co seja uma marca muito mais moderna e fresca, não há como ignorar o salto de modernização no posicionamento do negócio, após a aquisição da Reserva e de diversas iniciativas que sempre levam em conta o mundo digital. Quão rápido tudo isso teria acontecido sem a covid? Impossível dizer.

É como dizer que a pandemia refrescou nada menos do que companhias que valem juntas — todas essas mencionadas — quase R$ 80 bilhões na B3. Qual será o modelo vencedor e qual é o preço justo disso é algo que ninguém consegue responder com exatidão. A Hering, após anos pressionada a fazer mudanças, não teve para onde correr depois de ver o negócio encolher quase uma década, enquanto corria atrás do tempo perdido.

A T4F, de eventos, se revisitou e diz estar pronta para a era digital dos eventos, onde a tecnologia será aliada para um sem número de novas possibilidades. Há quem diga que foi a necessidade, há quem diga que foi o tempo disponível para pensar e aqueles, claro, que apontam para a mistura de tudo.

Mas é fato que houve um “chamado” à modernidade generalizado. Disso, ninguém duvida. Falta saber se a pressão do mercado vai levar essas companhias para um lugar melhor ou vai tirá-las de um confortável mundo de lucro, mas sem grande crescimento. À frente, um universo de expansão potencial, mas que tem como única garantia a volatilidade.

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