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Grupo Soma prepara revolução para Hering a partir de 2022

Roberto Jatahy, presidente do Grupo Soma, conta com exclusividade ao EXAME IN os planos que prepara junto com a Hering para expandir o negócio

Roberto Jatahy, presidente do Grupo Soma, vê potencial para Hering se tornar marca nacional ainda mais forte (André Valenti/Exame)
Roberto Jatahy, presidente do Grupo Soma, vê potencial para Hering se tornar marca nacional ainda mais forte (André Valenti/Exame)
GV

Graziella Valenti

17 de agosto de 2021 às 07:00

Roberto Jatahy, presidente do Grupo Soma, vê potencial para Hering se tornar marca nacional ainda mais forte (André Valenti/Exame)

Hering vai passar por uma revolução a partir de 2022. Logo após a incorporação pelo Grupo Soma, dono das marcas Farm, Animale, Cris Barros, NV, em setembro, a consultoria McKinsey vai entrar em cena para um trabalho de aproximadamente três meses. O objetivo é que traga ideias e ajude e afinar e finalizar o projeto para o negócio. “Mas a tese já está toda pensada e montada”, enfatiza Roberto Jatahy, presidente do Grupo Soma, em entrevista exclusiva ao EXAME IN.

“É um trabalho muito sério e que precisa ser feito com muita responsabilidade, pois estamos falando de uma empresa com 140 anos de história e com uma resiliência incrível. Houvesse o que houvesse, a Hering estava ali gerando seus R$ 250 milhões milhões em caixa todo ano.”

Jatahy planeja mudanças que coloquem a Hering como marca de desejo. Isso é totalmente possível, na visão dele, mesmo mantendo o posicionamento do básico democrático que identifica o negócio. “Vamos buscar essa autoridade de marca e uma estética mais contemporânea. E vamos poder atender as classes A, B e C.”

O diagnóstico para a Hering já estava pronto quando o grupo fez a proposta vencedora pela empresa, de R$ 5,1 bilhões (parte em dinheiro e parte em ações), em abril. O movimento, para quem não conhecia os bastidores, pareceu uma reação quase impensada à proposta que a Arezzo&Co fez pela empresa centenária catarinense, de R$ 3,4 bilhões.

No início, o mercado chegou a inclusive a penalizar o Grupo Soma na bolsa, mas com o passar do tempo e conforme Jatahy foi explicando o plano aos investidores, as ações não apenas se recuperaram como se valorizaram. “Já vínhamos conversando com um grande acionista da Hering sobre a possibilidade de uma combinação e eu já estudava a empresa, dialogava com franqueados e ex-executivos.” Antes do anúncio da transação a ação do grupo estava em R$ 14,10. Hoje, após a captação de quase R$ 900 milhões, está próxima de R$ 19, e a companhia vale R$ 9,2 bilhões na B3.

As assembleias de acionistas de ambas as empresas que aprovarão a transação estão marcadas para 14 de setembro. “A beleza disso tudo é que há um alinhamento de visão muito grande com a administração atual da Hering”, comenta Jatahy, sobre o diálogo com os atuais executivos. Fabio Hering será presidente do conselho de administração do Grupo Soma e Tiago, seu filho e atual CEO da empresa, ficará à frente da marca.

O plano prevê uma mudança na relação com os franqueados para um sistema de compartilhamento de receitas, mesma dinâmica que o Grupo Soma já adota hoje com seu canal multimarcas. “Do jeito que é hoje, a omnicanalidade não vai funcionar de fato. O franqueado não vai ter incentivo para vender algo que esteja fora de seu estoque físico, pois não quer ficar com suas compras empatadas.” Ao compartilhar receita, o franqueado fica protegido e os estoques globais da companhia também, segundo o executivo.

Além disso, o Grupo Soma quer levar para a Hering toda sua experiência em gestão e inteligência de dados para tornar a produção mais eficiente. Esse esforço permite que a empresa produza e distribua de forma mais acurada, buscando sempre o máximo de venda com preço cheio e não promocional. “A Hering hoje tem uma excelente cadeia de suprimento, do ponto de vista de custo industrial. Mas é preciso azeitar e saber quando priorizar a fábrica e quando priorizar o sell out”, destaca Jatahy.

Outra experiência dos canais multimarcas que será levada para a companhia de origem catarinense é a de customização conforme a análise de dados de venda fornecer para diferentes regiões. “Já percebemos, por exemplo, que a marca tem um desafio de posicionamento nas regiões quentes do país. E isso precisa ser atacado.” Na visão de Jatahy, com o tempo, a Hering perdeu aderência com as multimarcas e o plano é retomar isso com autoridade de marca e uma customização que “fale com o interior do Brasil”. O executivo – que é principal idealizador de toda a cultura do Grupo Soma – vê um espaço para a marca conquistar uma grande força nacional, ainda maior que a atual.

A construção da autoridade de marca também passa por uma revisão do modelo de lojas físicas. Jatahy planeja trabalhar um conceito de mega store, mas que leve ao consumidor uma experiência de loja de moda e não de departamento. “Tem espaço no Brasil para lojas com um tamanho intermediário entre uma loja tradicional e uma de departamento.”

Além do espaço geográfico para expansão, Jatahy entende que também é preciso melhorar o posicionamento com o público feminino. Ele contou que 50% das vendas são de produtos femininos e 50% masculinos. “Mas 70% do público é feminino.”

Prazos

Jatahy acredita que os investidores conseguirão ver “os ponteiros da Hering mexer” já em 2022. “Talvez no primeiro semestre, mas eu prefiro pensar no ano cheio.” Entretanto, no entendimento dele, para que o público consumidor realmente compreenda esse reposicionamento, para que a autoridade de moda seja conquistada, serão necessários quase três anos. “Eu preciso de 30 a 35 meses para isso.”

Para o presidente do Grupo Soma, o resultado será possível quando houver cerca de 50 a 60 lojas no conceito mega store já reposicionadas. Então, a força da marca vai colher melhor todas as mudanças adotadas. “Serão lojas sem economia de capex, justamente para garantir a experiência de moda do usuário.”

Ainda neste ano, após as assembleias que aprovarão o negócio, o Grupo Soma planeja a realização de um Investor Day para comunicar de forma mais detalhada toda a visão estratégica. O assunto já foi o tema central dos encontros com investidores para a oferta de ações realizada no fim de julho, em busca de recursos para compor o pagamento da parcela em dinheiro da aquisição — um total de R$ 1,5 bilhão a ser desembolsado. Mas o executivo planeja agora uma comunicação mais aberta para todo o mercado.

Durante anos, Fabio Hering sofreu pressão para entregar crescimento para a empresa que, na mão contrária, encolheu nos últimos anos. Diversos fundos de investimentos já foram acionistas da companhia na expectativa de promover mudanças. O negócio era forte gerador de caixa, no entanto, a gestão sempre foi mais conservadora quanto a movimentos mais ousados.

Agora, essa pressão vai recair sobre Jatahy. Os investidores vão querer ver se o Grupo Soma conseguirá, ao mesmo tempo, modernizar o negócio, conquistar crescimento e manter sua forte capacidade de geração de recursos — de preferência, aumentar.

Futuras aquisições

Questionado sobre se há limite para o Grupo Soma no posicionamento como plataforma de moda, Jatahy respondeu de uma forma diferente. Destacou que a abertura de capital foi feita justamente para que a empresa tivesse fôlego de comprar negócios maiores, do que as transações realizadas no início da vida do grupo. Além das etiquetas já citadas, também pertencem ao grupo Maria Filó, A.Brand, Off Premium, Fábula (Farm infantil) e Foxton.

Roberto Jatahy é, ao lado da irmã Cláudia, fundador da marca Animale. O Grupo, com o atual desenho, começou a se formar em 2010 e ganhou corpo com a aquisição da Farm em 2012. “Vai ser muito mais fácil pensar em operações maiores para controlar a complexidade na gestão”. A própria Hering é fruto dessa visão. Além disso, também será possível ver a compra de negócios com um tamanho entre R$ 80 e R$ 120 milhões de receita, de marcas nativas digitais, em lance semelhante ao que foi a compra da NV. “Um negócio pequeno, mas com potencial enorme de crescimento.”

Canais digitais

Além do crescimento das vendas digitais em termos absolutos e percentuais, Jatahy vê espaço para melhorar muito mais a relação dos clientes com os canais e-commerce dentro da própria base. “A casa do cliente tem que virar um provador. Eu não quero que o cliente consuma errado.”

Hoje, por exemplo, a Farm tem no Brasil um índice entre 5% e 6% de devolução. “Enquanto esse for o percentual, tem muito dinheiro na mesa.” Segundo ele, nos Estados Unidos, onde a receita líquida foi de R$ 79 milhões apenas entre abril e junho, os índices são muito diferentes e a marca até se tornou referência nesse quesito, chegando a 30% a 38% em devolução. Lá é comum as pessoas solicitarem dois tamanhos da mesma peça, por exemplo, provarem a melhor e devolverem o que não caiu bem ou não serviu.

“A gente tem todo um esforço de devolução aqui, com retirada em casa, inclusive, mas ainda não pegou”. Há espaço, também, para melhora das ferramentas nesse sentido e a empresa vai buscar essa flexibilidade.

Jatahy vê um movimento pendular da retomada das vendas das lojas físicas. “Ainda não dá para saber qual vai ser o ponto de equilíbrio. O cliente estava com vontade de voltar para a loja, pegar a peça na mão, provar.”

Mas, de forma geral, acredita que o varejo como um todo esteja com uma quantidade de lojas superdimensionadas para o futuro digital. “A experiência de loja sempre vai ser essencial, é ela que cria a relação com o cliente.” No entanto, para ele, é bastante possível que haja um excesso de lojas e, inclusive, até mesmo de shoppings.

Autoridade

O Grupo Soma é conhecido pela capacidade de manter a identidade das marcas que acrescenta ao portfólio e agregar a elas uma gestão profissionalizada. “É um setor criativo e ponto”, sentencia ele, que conhece bem como identidade é essencial no negócio.

Entretanto, o caminho até uma gestão profissional não foi simples. “Eu tenho um palpite que o setor sofreu com o excesso de informalidade em que viveu até o início dos anos 2.000 e com a fragmentação. Eram empresas pequenas com dificuldade de atrair e reter talentos.” Com isso, segundo ele, o setor de moda ficou anos atrasado em eficiência de gestão e inteligência frente outros ramos de varejo, como mercados e lojas de departamento.

Além disso, existem as peculiaridades. Ele lembra que logo após a união com a Farm, houve uma tentativa de recrutamento de profissionais de mercado, de grandes empresas. Mas o entendimento entre esses executivos e os criativos das marcas não foi possível.

A saída encontrada então por Jatahy foi forjar a força de gestão dentro de casa, apostando em times de jovens recém-formados que se destacassem. Esse grupo de pessoas foi conhecendo e se apropriando da inteligência do setor ao longo dos anos. “Ficamos com a empresa sendo toca em nível gerencial e não de diretoria por alguns anos”, lembra.

Uma gestão estratégica com inteligência de dados permite que a administração ajude o lado criativo da moda a ser mais eficiente na venda e na distribuição. Algo essencial. Mas Jatahy rejeita análises do tipo “eu conheço o armário da minha cliente”. Para ele, ainda vai ser possível chegar lá no setor, só que “ainda tem muito mato alto para cortar.”

Esse esforço por eficiência se traduz em aumento de margem. Além do controle da cadeia de suprimentos, isso é possível de ser feito com melhor entendimento sobre canais e sobre o que vende melhor, com base em informações de coleções passadas.

Em 2012, 58% das vendas do Grupo Soma eram feitas com preço cheio, 25% em liquidações e a diferença nos canais off. Hoje, o percentual das vendas cheias está em quase 70%, com 20% em promoções e 10% nos canais off price. A busca por evolução é constante.

Primeiro semestre

O Grupo Soma alcançou quase R$ 1 bilhão em vendas nos seis primeiros meses deste ano, uma expansão próxima de 40% em relação ao mesmo período de 2019 e de 68% ante 2020. O Ebitda do período aumentou mais de 53% frente a 2019, para R$ 124 milhões – revertendo o desempenho negativo em mais de R$ 66 milhões no ano passado. O lucro líquido ajustado teve alta de 119%, para R$ 81 milhões.

Na Hering, houve recuperação das vendas, que sofreram significativamente durante a pandemia. A receita líquida do semestre teve alta de 63% ante 2020 e superou R$ 638 milhões. Contudo, o Ebitda recuou 57%, para pouco mais de R$ 36 milhões, e o lucro líquido teve queda de quase 80%, para R$ 26,8 milhões.

 

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