1987 e 2008: As lições das crises históricas sobre o pânico nos mercados de hoje
Correção técnica ou profecia autorrealizável? Implosão da IA? O que o passado sinaliza sobre o futuro da economia e dos mercados em meio ao sell-off global
Natalia Viri
Editora do EXAME IN
Publicado em 5 de agosto de 2024 às 16:26.
Última atualização em 6 de agosto de 2024 às 08:04.
Conforme os ânimos se acalmam em algum grau, com o S&P 500 e a Nasdaq reduzindo as quedas do começo do dia e o VIX saindo das máximas que o levaram a níveis próximos de 2008, as causas da correção espetacular que teve início do Japão e se alastrou por todo o globo nessa segunda sangrenta começam a ficar mais claras.
A primeira e mais óbvia delas é a implosão do “maior carry trade da história”, como cunhou Kit Juckes, estrategista-chefe de câmbio do Société Généralé.
Com o Banco Central japonês dando cada vez mais força para o iene, a estratégia de se financiar com os juros baixos do país para fazer trades mais arriscados – como ações de inteligência artificial e as moedas emergentes – acabou fechando uma das posições mais populares nos últimos anos.
Soma-se a isso a maior aversão ao risco, com dados piores que o esperado de emprego na semana passada nos Estados Unidos sugerindo que uma recessão possa estar batendo à porta e que o Federal Reserve pode ter esperado demais para começar a soltar as amarras da política monetária.
Eleições presidenciais nos Estados Unidos, temores de uma guerra mais generalizada no Oriente Médio e uma China que insiste em não crescer como se esperava também adicionam uma boa dose de tensão.
E – talvez principalmente – a percepção de que a aposta no avanço das ações das empresas americanas de tecnologia e inteligência artificial tenha ido longe demais.
O resultado é um sell-off inédito, que vai ficar marcado nos anais do mercado: seja na forma de uma das correções técnicas mais impressionantes dos últimos anos, seja pelas repercussões que ele pode ter sobre a economia real daqui para frente.
Paralelos com 1987
Por ora, ao que tudo indica, a probabilidade é que o movimento de hoje fique circunscrito à primeira categoria.
“A economia americana ainda está crescendo e o setor de serviços vai bem [nos Estados Unidos]. No fim das contas, acredito que esse movimento vai se mostrar mais uma aberração técnica no mercado do que algo que se transforma em uma recessão”, resumiu o economista Ed Yardeni, que já passou por diversas assets, além de unidades regionais do Federal Reserve, à Bloomberg.
Segundo ele, a semelhança com a Black Monday de 1987 vai além do fato de ambos terem acontecido numa segunda-feira.
“[Naquela época] Tivemos um crash no mercado acionário – que basicamente ocorreu todo num dia – e a implicação é que já estávamos, ou estávamos prestes a entrar, em uma recessão. E isso não aconteceu. Tinha mais a ver com o funcionamento interno do mercado.”
Uma das grandes questões olhando para frente é o quanto a maior aversão ao risco pode contaminar a economia real.
Os investidores podem estar exagerando quanto aos riscos de um derretimento da economia americana – antes da correção das últimas semanas, o S&P 500 acumulava alta de 20% neste ano, em cima de um avanço de 24% em 2023.
E os dados do mercado de trabalho, divulgado na sexta-feira, não foram assim tão catastróficos. A taxa de desemprego subiu de 3,7% para 4,3%, mas para o Goldman Sachs, as razões por trás da alta foram menos preocupantes do que elevações anteriores, afetadas por lay-offs temporários. O risco de recessão, na visão do banco, aumentou, mas ainda é de 25%.
“Estávamos numa situação esquisita na qual o mercado tinha começado a pensar que a economia americana nunca ia aterrissar, seja num hard ou soft landing”, disse o economista-chefe da Axa Investment Managers, Gilles Möec, ao Financial Times.
A grande questão é que, mesmo exagerado, o pânico dos mercados corre o risco de se tornar uma profecia autorrealizável, afetando a confiança nos negócios e o apetite de crédito – com contaminação para outras economias desenvolvidas e emergentes.
Isso chegou a levar a recomendações de um corte emergencial de juros por parte do Fed – como o banco central fez em 1987. Mas, ao longo do dia, começaram a amainar.
“Se o Fed fizesse um corte emergencial, aí ele estaria comunicando pânico”, disse o professor de Yale Ernie Tedeschi, ao FT. “O que eles precisam comunicar agora é calma.”
Com sinais mais ‘dovish’ nas últimas semanas, o mercado já tinha colocado na conta cortes de juros em setembro.
A implosão da IA? Reminscências de 2008
Outra grande dúvida é o quanto o sell-off de inteligência artificial é também é uma correção técnica – e o quanto é o estouro de uma bolha.
O movimento de rotação de empresa de crescimento (leia-se tech) para empresas mais defensivas já vem acontecendo há algumas semanas, mas o fluxo de notícias do fim da semana passada trouxe lenha para a fogueira.
O Elliott, um dos hedge funds mais respeitados dos Estados Unidos, disse que a Nvidia é uma “bolha” e que a inteligência artificial é um “hype injustificado”.
Apesar de estar sentada numa pilha de caixa, a Berkshire Hathaway vendeu metade de sua posição em Apple – levantando dúvidas de quando deve se desfazer dos 2,6% restantes do capital que ainda está em mãos.
Além disso, a Intel anunciou um surpreendente layoff de 20% – o que, na visão de Louis-Vicent Gave, fundador da consultoria Gavekal, traz uma reminiscência importante da crise de 2008.
“Para mim, isso tem um eco grande de janeiro de 2008, quanto o Citigroup cortou seus dividendos”, escreveu na sua newsltetter de hoje.
“Em 2007 e 2008, os bancos americanos estavam no centro do bull market. Era uma nova era que prometia alavancagem elevada e altos retornos – até que isso não aconteceu mais. Na época do anúncio do Citigroup, isso já estava praticamente dado. Mas foi a decisão do Citigroup de cancelar seus dividendos que trouxe toda uma nova narrativa sobre a ‘nova era da engenharia financeira’. Se os bancos estavam indo tão bem, por que cortar o dividendo?”
O consultor traz o paralelo para a era da IA:
“Hoje, se o mundo está prestes a entrar num futuro de gastos massivos em inteligência artificial que justifiquem pagar nove vezes o valor patrimonial pelo índice global de semicondutores, por que a Intel tem que demitir um quinto de sua equipe?”
De acordo com Gave, há o argumento de que ele poderia estar tirando conclusões muito grandes a partir do caso de apenas uma empresa – mas que essa mesma narrativa aconteceu em 2008, com o Citigroup.
Nesse cenário, os investidores têm algumas decisões a tomar, diz. Uma delas é se as notícias de Apple, Intel e sobre a Alphabet – que colocaram em xeque a rentabilidade dos investimento em IA – são apenas um ruído.
Nesse caso, a queda atual é uma oportunidade de compra e tech em geral e IA em particular continuarão a trazer mais capital para os Estados Unidos, fortalecendo o dólar.
Caso contrário – e essa é a aposta de Gave –, a grande questão é o que a ruptura da bolha de IA vai significar para o fluxo de capital para os Estados Unidos.
“Se os Estados Unidos sofrerem para atrair capital, o que isso vai significar para o valor do dólar (nada bom) e para os treasuries americanos e para o valor nas large-cap americanas?”
Nesse admirável mundo novo, ninguém tem muitas respostas. Mas, ao menos, os investidores parecem começar a desenhar melhor as perguntas.
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Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.