Exame.com
Continua após a publicidade

O colapso da Venezuela e o fracasso do Brasil

Avizinha-se na Venezuela um desfecho trágico do ciclo político chavista. Imobilizado politicamente, Maduro tem apostado em manobras como autogolpe e isolamento do Congresso. Incapaz de sobreviver em qualquer cenário minimamente democrático, prefere a aventura da ruptura institucional, mesmo sabendo que as chances de motivar um golpe militar contra seu débil governo são enormes. A convocação […]

NICOLÁS MADURO: o colapso de um país com o tamanho e a importância da Venezuela é uma ameaça à segurança e aos interesses estratégicos do Brasil / Marco Bello/ Reuters
NICOLÁS MADURO: o colapso de um país com o tamanho e a importância da Venezuela é uma ameaça à segurança e aos interesses estratégicos do Brasil / Marco Bello/ Reuters
R
Ricardo Sennes

Publicado em 5 de maio de 2017 às, 12h58.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h23.

Avizinha-se na Venezuela um desfecho trágico do ciclo político chavista. Imobilizado politicamente, Maduro tem apostado em manobras como autogolpe e isolamento do Congresso. Incapaz de sobreviver em qualquer cenário minimamente democrático, prefere a aventura da ruptura institucional, mesmo sabendo que as chances de motivar um golpe militar contra seu débil governo são enormes. A convocação de uma Assembleia Constituinte sem eleições e representatividade é a mais recente demonstração de seu desespero.

A oposição parece que, depois de muitos erros políticos, como o boicote às eleições parlamentares, a tentativa de golpe contra Chaves e as divisões internas, passou a agir de maneira mais coordenada, buscando alternativas para a alternância de poder pela via negociada. Tem apostado em enfrentamentos moderados e tentado deixar rotas de saída política para o grupo do atual presidente. Até o momento as tentativas têm sido pouco efetivas, mas garantido mais apoio da população.

Ainda que divididas, parte significativa das lideranças militares seguem como apoiadoras e beneficiárias do governo Maduro, com quem partilha o poder. Além de acobertarem as medidas autoritárias e demagógicas do atual governo nos últimos anos, acumulam-se acusações de que passaram a controlar rotas de contrabando, milícias regionais e mesmo tráfico de drogas e armas. Mancomunados com Maduro, temem perder poder com uma transição política. Hoje são parte do problema e não, como alguns acreditam, da solução.

Infelizmente, uma saída organizada da crise política é cada vez menos provável. O crescente caos e anarquia social dão indicações claras do futuro do país. A paralisia e ruína das instituições estão levando a população a buscar alternativas de sobrevivência e defesa por conta própria, que envolvem saques, grupos armados e violência generalizada. As explosões sociais tornam ainda mais difícil a construção de alternativas políticas.

As consequências do desmonte político e social da Venezuela já são sentidas na região. O comércio com os países vizinhos está paralisado, as fronteiras mergulharam no caos, a migração legal e ilegal é crescente. Cresce também de forma acelerada a prostituição de jovens venezuelanas nas cidades fronteiriças com Brasil e Colômbia.

Em relação à segurança e defesa, não é improvável que grupos de militares e milícias tomem parcelas do território venezuelano e passem a ter atuação regional. Parte deles já aproveita as frágeis fronteiras com a Guiana e a saída para o Caribe como rotas de tráfico. Armas, drogas, lavagem de dinheiro, contrabando são alguns dos negócios promovidos com impacto nos países vizinhos. Suas conexões regionais são significativas, conforme apontam relatórios de inteligência de países preocupados com o desfecho político da crise. Um colapso final deve acelerar esse processo. Portanto, combater e reverter a situação atual não será tarefa trivial.

A atuação do Brasil na crise venezuelana tem sido lamentável. De uma postura absurdamente complacente com o avanço do autoritarismo de Chávez e, depois, de Maduro, passou-se para uma postura de denúncia e isolamento. Nenhuma agenda construtiva e efetiva de apoio para uma solução pacífica foi lograda. A última oportunidade perdida foi não ter estruturado um grupo internacional poderoso para forçar a realização de eleições antecipadas no final do ano passado. As duas posturas são opostas, porém igualmente irrelevantes para o que mais importa, que é salvar a Venezuela e a região dos constrangimentos, retrocessos e custos que uma ruptura constitucional significará para todos países do continente.

O colapso de um país com o tamanho e a importância da Venezuela é uma ameaça à segurança e aos interesses estratégicos do Brasil. A crise atual, que já sai cara ao país e vizinhos, é uma marca profunda do fracasso brasileiro em política externa regional.

sennesficha