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Política tira o foco da luta contra a pandemia, e moeda enfraquece

Se um país emergente está em situação econômica preocupante, a maior parte dos investidores deve escolher um que julgar seguro para colocar seu dinheiro

BOLSONARO: em meio à pandemia, o presidente segue apoiando a aglomeração de centenas de pessoas em protestos ao seu favor.  (Ueslei Marcelino/Reuters)
BOLSONARO: em meio à pandemia, o presidente segue apoiando a aglomeração de centenas de pessoas em protestos ao seu favor. (Ueslei Marcelino/Reuters)
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Fernanda Consorte

Publicado em 11 de maio de 2020 às, 13h40.

Última atualização em 11 de maio de 2020 às, 13h41.

Uma máxima: o preço dos ativos age negativamente frente a incertezas. Quanto maior a incerteza do período, pior o reflexo em preços. Na taxa de câmbio essa regra é intensificada por sua característica de variável de risco. Pensa comigo, se um país emergente está em situação econômica preocupante, possivelmente, a maior parte dos investidores vai escolher um país que julgar seguro para colocar seu dinheiro, então a taxa de câmbio daquele país emergente sobe. Em outras palavras, quanto maior o risco do país mais desvalorizada estará sua taxa de câmbio.

O coronavírus apareceu e a pandemia se instalou, mostrando que nenhum país do mundo está imune. Contudo, dada a condição acima, os dados do IIF (Institute of International Finance) já mostram que a saída de recursos de países emergentes bate recorde. Na crise financeira de 2008/2009 a saída de recursos foi da ordem de US$ 20 bilhões, nos primeiros 75 dias de crise. Desta vez, esse número já alcançou os US$ 100 bilhões, no mesmo período. A consequência, claro, foi uma desvalorização das taxas de câmbio dos emergentes (em média, 10% neste ano).

E faz sentido, não acham? Ora, nos países mais pobres, a condição sanitária tende a ser pior do que nos desenvolvidos e a desigualdade social também grita; deixando os países emergentes numa condição mais desfavorável para lidar com o vírus. Vejam, segundo o Banco Mundial, no Brasil 88,3% das pessoas têm acesso ao serviço sanitário básico. Valor bem abaixo de países que estiveram recentemente no epicentro da doença (EUA é de 99,9%, Itália 98,8%, por exemplo). Esse indicador pode servir como exemplo de que a luta contra a covid-19 pode ser mais dura para emergentes, dado que a principal arma hoje é água e sabão, e isolamento social; e esse segundo, embora amplamente aplicado, sabemos que a depender das condições de moradia, fica quase inviável.

Nosso Brasil brasileiro tem sido o patinho feio entre seus amigos emergentes. Bom, a taxa de câmbio brasileira subiu humilhantes 45% neste ano, chegando à marca histórica de R$ 5,80. Isso é pandemia? Sim, boa parte disso é explicado pela pandemia, mas, ainda assim, é muita diferença de nossos pares. Qual a razão disso?

Como emergente, o Brasil tem uma condição social bastante complexa. A desigualdade social no país é gigante; alinhada ao tamanho territorial do país. Contudo, olhando o mesmo indicador citado acima, o Brasil tem mais acesso a serviços sanitários que alguns pares emergentes (na América Latina 86% tem acesso, e na África do Sul, meros 75%).  Assim, há peculiaridades adicionais na conjuntura brasileira, que não a Covid, que explicam esse desempenho fraco do real.

Aqui, pessoal, reinam as confusões no ambiente político. Vejam: enquanto o mundo luta de forma coordenada contra a pandemia, o Brasil vai na contramão. Desde 2019, vimos o novo governo patinando em relações institucionais. Vimos brigas com o Congresso, agressões verbais a governos estrangeiros... e, nesse episódio pandêmico, temos observado uma clara queda de braço entre os poderes; entre esfera federal e estadual. Isso sem contar os processos infindáveis para os recursos públicos, já anunciados, chegarem à população e desentendimentos dentro do próprio governo (demissões de ministros-chaves). E, ainda, a cereja do bolo – os comentários jocosos em relação à doença proferidos pelo próprio presidente da República do Brasil.

A meu ver, o grande problema é que no Brasil a trágica pandemia virou uma briga política, ressaltando ainda mais uma polaridade (“Sou de esquerda, fico em casa e não posso ouvir sobre efeitos na economia, isso não existe!”; ou, “Sou de direita, a Covid é uma gripezinha e empregos em primeiro lugar!”). Em ambos os argumentos, o bom senso se perdeu completamente. As oportunidades de cooperação e de organização requeridas para lidar com essa crise, que é sanitária, mas é econômica também, ficam em segundo plano, dando espaço apenas a uma crise política. Lamentável!

O fato é que esse cenário, aumentou severamente a aversão ao risco do Brasil, fazendo com que a taxa de câmbio alcançasse impensáveis US$/R$ 5,80 e se destoasse do resto dos pares emergentes. Parabéns a todos envolvidos.

Olhando à frente, dentro da possibilidade do cenário mais nebuloso já enfrentado pela sociedade moderna, a volatidade da taxa de câmbio brasileira deve seguir alta. Em primeiro lugar, porque as condições sociais do Brasil aumentam a dificuldade do enfrentamento do vírus. Isso talvez faça com que tenhamos um ciclo mais longo de isolamento social do que outros países, ocasionando, sim, uma recessão econômica abissal – o que por si só afasta investidores, aumenta incerteza e mantém pressão na taxa de câmbio.

Em segundo lugar, a crise política não tem sinais de arrefecimento. Nossos políticos não parecem empenhados em se unirem para a causa, e uma vez finda a luta contra a Covid, podem voltar aos seus passos partidaristas. E, finalmente, a necessidade de levar a taxa de juros ao menor patamar histórico também não ajuda o câmbio, afinal a atratividade do país fica ainda menor.

Dito isso, com a possível necessidade de isolamento social acima da média mundial, ocasionando estancamento da economia com solavancos políticos, não me assustaria ver a taxa de câmbio seguir alcançando recordes históricos (US$/R$ 6,5/ US$/R$ 7,0???).

Por outro lado, se um remédio for descoberto e vermos uma calmaria mundial, nossa moeda se beneficiando de sua característica mais líquida, poderia voltar rapidamente abaixo de US$/R$ 5,00... mas, aqui, dependeríamos mais da ciência do que da política e da economia... Realmente, Tom Jobim estava certo, o Brasil não é para principiantes.

Fernanda Consorte
Economista-Chefe Banco Ourinvest