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PIB: crescimento sustentado ou voo de galinha?

Há quem atribua essa sequência de resultados melhores que os encomendados a um possível aumento do potencial de crescimento de longo prazo

 (thiagonori/Getty Images)
(thiagonori/Getty Images)

A atividade econômica surpreendeu favoravelmente no primeiro trimestre de 2024, empurrando para cima as expectativas de crescimento para o ano. A projeção consensual entre os economistas passou de 1,6% para 1,8% desde a virada do ano. O Banco Central também ficou mais otimista, elevando sua previsão de 1,7% para 1,9%.

Faz um tempinho que tem sido assim. Em dezembro de 2022, projetava-se crescimento de apenas 0,8% para 2023. Deu 2,9%. Ou seja, o Brasil produziu cerca de R$ 230 bilhões a mais do que se esperava, um errinho básico que equivale a mais da metade de tudo que a indústria extrativa gera em um ano.

Há quem atribua essa sequência de resultados melhores que os encomendados a um possível aumento do potencial de crescimento de longo prazo da economia brasileira. Faz sentido?

É muito cedo para saber, mas prefiro ser conservador e imputar os desvios aos ciclos recorrentes que empurram a atividade econômica para cima ou para baixo.

O verdadeiro potencial de crescimento de uma economia existe apenas no mundo das ideias. É algo que não se observa diretamente. O valor pode ser estimado com alguma precisão para o passado mais distante, quando é possível computar e extrair a influência dos vaivéns imprevisíveis de curto e de médio prazo que todos os dias destroem a reputação dos economistas – os ciclos.

Estimativas do crescimento potencial em “tempo real” não são muito mais do que chutes.

O método mais rudimentar para se chegar a um número é calcular a expansão média observada em um período suficientemente longo. Por exemplo, nos últimos 10 anos o crescimento trimestral médio da economia brasileira foi de 0,5% em uma base anual. Isso mesmo, meio por cento ao ano.

O leitor dirá que o último decênio foi particularmente traumático, pois inclui o desastre de 2014-16 e o ciclo pronunciado da Pandemia de Covid-19, castigos que oxalá não se repetirão, tornando a estimativa pessimista demais. Ampliando o horizonte para 15 anos, a média pula para 1,6% ao ano. Nos últimos 20 anos, um pouco mais: 2,2% ao ano.

No frigir dos ovos, essas contas revelam duas coisas. Primeiro, o potencial para o futuro, seja qual for, não parece ser um número vistoso, haja vista o comedimento das últimas expectativas, mesmo após serem revistas para cima. De fato, aplicando-se os melhores métodos, estima-se que o nosso limite gire em torno de 2% ao ano – e olha lá. Em segundo lugar, o potencial parece cair com o passar dos anos.

Os motivos do baixo e cadente dinamismo da economia brasileira são amplamente conhecidos. Os impulsos da demografia e dos ventos externos já não são tão favoráveis e a expansão da produtividade é comprometida por diversos fatores, a começar pela péssima qualidade do ensino e da infraestrutura, passando por aspectos institucionais como o estado dilatado, ineficaz e voltado a si, insegurança jurídica, corrupção e por aí vai. Sem falar do incrível e persistente apelo de ideias ruins.

Nem tudo é negativo, é claro. Temos um mercado consumidor enorme e, apesar do “Custo Brasil”, somos muito eficientes na produção e exportação de mercadorias básicas. Superamos há décadas a inflação crônica e temos as contas externas em uma situação muito confortável, o que mantém nosso acesso ao mercado internacional de capitais – vantagens que faltam a alguns de nossos vizinhos.

Os 2% resultam da combinação desses prós e contras. Esse é o ritmo que coletivamente escolhemos ao votar como temos votado nas últimas décadas. Não me parece que essa preferência por baixo crescimento revelada democraticamente tenha mudado para mais, muito pelo contrário.

“Reformas estruturais” são medidas para ampliar o potencial de crescimento futuro, promovendo maior produtividade. Houve passos à frente nos últimos anos: leis trabalhistas melhores, o marco regulatório do saneamento e aperfeiçoamento da governança das estatais. Além disso, a bomba relógio previdenciária foi atrasada e, recentemente, veio uma parte da tão aguardada reforma tributária.

Porém, a resistência ao progresso é também muito forte, a começar pelo fato de que os presidentes da república não se interessam muito pelas reformas. A maioria dos avanços acima sofre ataques regulares, alguns bens sucedidos. O eleitor mediano compreensivelmente não valoriza a austeridade, apesar de ser desproporcionalmente prejudicado pelas consequências da irresponsabilidade. O diálogo para buscar consensos está cada vez mais difícil, sem perspectiva de melhora, favorecendo o populismo.

O crescimento maior do que o esperado é um fenômeno que tem sido observado em muitos lugares, sugerindo a existência de um componente cíclico – que pode se arrastar por mais tempo. Dito isso, a comparação do desempenho de médio prazo da indústria de transformação brasileira com a de economias emergentes asiáticas e do leste europeu é um exercício constrangedor. Excluindo a China para não ficar muito chato, enquanto as fábricas de nossos pares produzem 6,5% a mais do que em 2019, as nossas geram 1,2% a menos. Diante desse quadro deprimente, tomara que o potencial esteja mesmo aumentando.

É possível que daqui uns anos os dados revelem que o Brasil passou a crescer mais após 2020 e caberá aos economistas explicarem – nisso, somos imbatíveis. Fico na torcida, mas, enquanto o futuro não chega, é melhor trabalhar com os velhos 2%, entendendo que, na melhor das hipóteses, os passos à frente servem para neutralizar o peso da âncora pesadíssima que arrastamos pelas más escolhas do passado e sua ameaça insistente no presente.