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Inflação de 3,5% nos próximos anos?

Não parece ser do feitio desse governo aceitar um baixo crescimento econômico. Sinal de que conviveremos com inflação acima da meta nos próximos anos?

Não parece ser do feitio desse governo aceitar um crescimento econômico. Sinal de que conviveremos com inflação acima da meta nos próximos anos? (Getty Images/Getty Images)
Não parece ser do feitio desse governo aceitar um crescimento econômico. Sinal de que conviveremos com inflação acima da meta nos próximos anos? (Getty Images/Getty Images)

O crescimento potencial da economia brasileira não é muito alto. O tímido impulso reformista dos últimos anos é compensado pelo peso de nossas escolhas do passado, de modo que, no frigir dos ovos, o limite de expansão no longo prazo seja de algo próximo de 2% ao ano.

O crescimento efetivo, aquele que sentimos diretamente, é diferente do potencial na maior parte do tempo. Nosso dia a dia é dominado pelos ciclos econômicos. Às vezes a economia progride mais rapidamente, às vezes mais lentamente e às vezes anda para trás.

A referência do crescimento potencial é importante não como parâmetro para prever a atividade no curto prazo, mas para evitar excessos de otimismo ou de pessimismo. Se o limite é 2%, não convém extrapolar os 2,9% de 2023, por exemplo.

O desempenho econômico no curto prazo depende basicamente de três fatores. O mais importante é o ponto de partida. Se o PIB está correndo acima do potencial, a taxa de crescimento tende a se desacelerar e vice-versa quando se parte de uma situação deprimida.

O segundo fator é o viés da política econômica, que pode ser expansionista ou contracionista, independentemente da posição cíclica.

O terceiro fator que determina os ciclos de crescimento são perturbações erráticas e normalmente imprevisíveis que afetam a produtividade dos diversos setores da economia.

O ponto de partida da economia brasileira, ou “hiato do produto” no jargão econômico, é positivo pelas minhas contas. Isso significa que ela se encontra mais aquecida do que deveria. Por exemplo, a taxa de desemprego oscila abaixo de 8% desde meados do ano passado. Na última vez que isso ocorreu, entre 2012 e meados de 2015, a inflação apresentou tendência de elevação.

A reforma trabalhista de 2017 contribuiu para reduzir a taxa de desemprego mínima, abaixo da qual a inflação começa a subir. Estima-se que a taxa “estrutural” tenha caído de algo próximo de 10% para cerca de 8,5%. Mesmo que essa estimativa esteja correta, a taxa efetiva atual parece baixa demais, sem falar das pressões por retrocessos na reforma.

Os salários crescem a um ritmo de 10%. Por enquanto, não há pressões inflacionárias evidentes, mas as principais medidas que costumam indicar a tendência de aumento dos preços no médio prazo giram acima de 4,5%, com viés de alta. Os investimentos estão no mesmo patamar do final de 2020, sugerindo baixo dinamismo da produtividade.

Se for verdade que a economia se encontra mais aquecida do que deveria e que a taxa de crescimento potencial não esteja aumentando significativamente, como desconfio, de duas uma. Ou o crescimento terá que se desacelerar, ou a inflação cedo ou tarde voltará a incomodar.

Acho que haverá um pouco das duas coisas nos próximos trimestres.

O crescimento econômico tem surpreendido para cima. Isso é em parte explicado pelo desempenho particularmente favorável da agricultura e seus efeitos indiretos. Se houver retorno à tendência de crescimento observada nos últimos anos, como imagino, a agricultura tenderá a contribuir negativamente para o crescimento no curto prazo.

No tocante à política econômica, há o dilema usual entre um governo que deseja estimular o crescimento sem prestar muita atenção às possibilidades e um banco central independente que escolhe a taxa de juro para conter eventuais excessos. No mundo ideal, o governo deveria fazer uma gestão contracíclica, pisando no freio quando a economia estivesse aquecida e no acelerador quando operasse com ociosidade – esforçando-se para ampliar o potencial por meio de reformas.

Na prática, os políticos preferem pisar no acelerador em qualquer circunstância, manifestando menos interesse em reformas, que consomem capital político e demoram a trazer benefícios. Com o passar do tempo, isso produz crescimento baixo e inflação alta. Bancos centrais independentes servem para conter o problema da inflação, pois contribuem pouco para o crescimento a longo prazo.

A política monetária teve que ser fortemente apertada para conter a propagação das pressões inflacionárias originadas no período da pandemia. Atualmente está sendo conservadoramente flexibilizada porque os juros altos atuam com defasagem e as expectativas estão bem ancoradas.

Esse é, porém, o único vestígio de conservadorismo da política econômica. Nenhum governo gosta de austeridade, mas o atual não acredita que às vezes ela possa ser necessária. O ministro da fazenda faz o possível dadas as restrições que enfrenta, mas, como não há emergência, a tendência é acomodar.

Não parece ser do feitio desse governo aceitar um crescimento econômico baixo, mesmo que determinado por restrições de produtividade cujo alívio depende de reformas estruturais que têm efeito de longo prazo. Se, de fato, o potencial não estiver aumentando – e só saberemos de fato daqui alguns anos – a única escolha para o curto prazo é entre inflação mais alta ou mais baixa.

Meus colegas esperam 3,5% daqui para frente. A meu ver parece pouco.