Logo Exame.com
ExclusivoAmbev

Copa e feriados farão nosso 2026 ter 13 meses, diz CEO da Ambev

Carlos Lisboa fala do desafio de estrear como CEO no Brasil num ano com temperaturas excessivamente baixas, e projeta crescimento com a criação de novas ocasiões de consumo

Carlos Lisboa: temos que tratar com menos paixão a entrada e saída de produtos do portfólio (Germano Lüders/Exame)
Carlos Lisboa: temos que tratar com menos paixão a entrada e saída de produtos do portfólio (Germano Lüders/Exame)
Lucas Amorim

Lucas Amorim

Diretor de redação da Exame

Publicado em 8 de dezembro de 2025 às 16:18.

Última atualização em 8 de dezembro de 2025 às 16:59.

O pernambucano Carlos Lisboa entrou na Ambev em 1993 e, desde janeiro, comanda a operação brasileira da cervejaria. Desde então, comanda uma estratégia que chama de ambidestra. De um lado, manter a eficiência operacional que caracteriza a companhia. De outro, desenvolver novos mercados, uma nova prioridade para uma gigante que se habituou a correr atrás de tendências. Lisboa comandou por seis anos a companhia na América Central, região que virou a campeã de crescimento da maior cervejaria do planeta. Durante sua gestão, o EBITDA da AB InBev na região passou de 21% em 2018 para 34% em 2024, com ampliação da digitalização e busca por novas ocasiões de consumo. É uma combinação que Lisboa acredita ter grande potencial também para o Brasil.

Ele concedeu a seguinte entrevista à EXAME, numa manhã de novembro de frio e chuva em São Paulo.

Após três décadas de ABInBev, o que levou você a aceitar o desafio de liderar a operação brasileira?

Precisava ser algo que me tire da cama de manhã animado após 32 anos de companhia. Que me desafie, que me leve a buscar encontrar uma versão que ainda não encontrei. E que por outro lado seja algo suficientemente relevante para a organização. Como fazemos com que uma paixão nacional seja ainda mais apaixonante? Quando converso com todo mundo aqui o brasileiro sempre acha que cerveja já é uma paixão nacional. Mas quando você sai do Brasil e começa a rodar o mundo você vê que a cerveja é muito mais versátil.

Qual o plano para mostrar essa versatilidade?

Há um novo momento de companhia. De encontrar um bom equilíbrio entre liderar e entender nossa responsabilidade de desenvolver a categoria. O marketing me ensinou isso, precisamos olhar lá na frente, olhar o significado e a reputação que queremos para a marca. É passo a passo. Como jogar o jogo dos Es? Quero construir a categoria do futuro, e quero seguir transformando tecnologicamente a organização e o ecossistema. E quero continuar sendo uma companhia eficiente, porque sendo eficiente eu libero recurso para por combustível para o que está funcionando bem, e ao mesmo tempo retornar para o acionista. Acho que tem um legado bacana a ser construído.

Desses últimos anos seus como CEO, o que nos ajuda a entender esse conceito de desenvolver mercado?

A América Central se tornou o principal motor de crescimento da organização. Não foi coincidência que México e Colômbia foram mercados em que a empresa mais cresceu nos últimos seis anos. Conseguimos planejar que iniciativas tinham mais potencial para atrair mais consumidores para a base e expandir a presença em mais ocasiões de consumo. Fizemos isso junto com nossa filosofia de manter a companhia eficiente na operação. Essa capacidade de lidar com os três pilares não é simples (desenvolver categoria, transformar ecossistema em digital e eficiência). Os mercados que conseguiram fazer isso de forma mais consistente foram aqueles em que tivemos melhor performance.

Esse seu primeiro ano no Brasil já mostrou para onde a empresa está indo?

Temos o plano bem claro. Isso nos ajudou muito a enfrentar situações como a de hoje. É muito fácil se distrair quando a demanda está reprimida, o que estamos vivendo esse ano sobretudo no Brasil. Essa visão de futuro foi o norte que precisávamos para não se distrair. Foi muito bacana a forma como o time me recebeu, depois de 15 anos fora. Tem sido um teste ácido, mas estamos vendo os três pilares avançando simultaneamente. Umas das coisas que mais encantam as pessoas é a oportunidade de entregar o hoje e transformar o amanhã. Não existem pessoas só para o hoje, ou só para o amanhã. Todos têm condições de ser ambidestros.

A empresa ficou muito tempo focada em eficiência?

Foi uma empresa que conseguiu se destacar pela eficiência, o que foi muito importante para nos ajudar a chegar aonde conseguimos chegar. Mas foi também uma empresa focada em fortalecer o portfólio. Eu fui marketeiro naquela época. O case da Brahma na época também foi inspirador. Você vai dizer que a Skol não era inovadora? O músculo da eficiência foi importante, mas a organização tinha e tem outros músculos. Eu sou parte desse berço.

Acelerando a história para o Brasil de hoje. Diz-se que a geração Z bebe menos. Por outro lado, a empresa inova, mas há dez anos anda de lado na bolsa. O que faltou nos últimos anos?

Por um período longo ficamos focados e reconhecidos como uma empresa que fecha "gaps". A gente colocava um problema na mesa com uma abertura e uma transparência que chamava a atenção. Sempre vimos problemas, ou gaps, como oportunidades de resolução. Agora estamos passando por uma transição para uma empresa que não só fecha gaps, abre gaps.

O gap seria um problema autoimposto... O gap é a visão de como quero ser. Como me desafio a ter uma versão melhor dessa organização. Eu quero deixar de ser apenas um líder para desenvolver a categoria. Liderar apenas não é suficiente. Eu não quero ser uma empresa que acompanha o tempo, quero estar à frente do tempo. Quero transformar o ecossistema. Em cinco anos a empresa saiu de um modelo físico de visita aos pontos de venda para uma plataforma totalmente digital de conexão com o dono do boteco ou da padaria. Esse tipo de contato gera para nós 50 milhões de transações no ano. E tenho também outras 50 milhões de transações com o Zé Delivery, que conversa com o consumidor final. Como uso isso para entender o consumidor e atender melhor? Uma empresa ambidestra é uma empresa eficiente, mas que abre gaps. Existe um ceticismo se vamos conseguir ser essa companhia.

A Copa do Mundo, que terá a Seleção Brasileira comandada por Carlo Ancelotti, deve ser um período de crescimento para a Ambev (Divulgação)

O ceticismo tem relação com a visão de que a Ambev precisará navegar num mercado que está dado. Você está dizendo que o mercado não está dado?

Eu honestamente acho míope a visão que a gente não tem como crescer, que a categoria não tem como crescer. O premium em cinco ou seis anos chegou a 25% da indústria e 30% do nosso faturamento, cresce 15% ao ano. Cerveja sem álcool cresce 20% a 25% ao ano e hoje é 2% da indústria. No Zé já é 3,5%. Em mercados mais evoluídos já é 5%, como no Canadá. É nossa bola de cristal. As pessoas estão mais preocupadas com saúde, bem-estar e longevidade.

A Stella Pure Gold atende isso, foi desenvolvida aqui, pelo time. A Michelob Ultra tem menos calorias, menos carboidratos, menor graduação alcoólica. Uma cresce 150% ao ano, outra cresce 80%. E acabamos de lançar agora uma flavor beer. Lideramos a categoria de drinques prontos, mas não havia um drinque pronto com cerveja. E acabamos de lançar a Flying Fish no Brasil. Em mercados mais desenvolvidos já é até 5% da indústria, lá onde começou já é 8%. Minha história mostra que mesmo em lugares onde a indústria já alcançou patamares altos de desenvolvimento, há sempre crescimento. A chave é você liderar e participar do crescimento. É isso que queremos fazer.

Nesse cenário, você trouxe uma ótica de lançar, mas também tirar produtos do portfólio, certo? Há o risco de se perder no excesso?

Essa entrada e saída tem que ser natural. Temos que tratar com menos paixão. Muitas vezes a gente se incomoda quando tomamos a decisão de parar um projeto. Tenho uma visão diferente. Precisamos buscar aprender algo desse processo. Vejo como calibragens num processo de transformação, não como uma mudança de rumo. Essa entrada e saída é parte natural, e os consumidores esperam que isso aconteça.

Como é esse processo de testar um novo produto?

O Zé tem sido um laboratório bem bacana. Tem produto que nasce das interações. Um dos produtos mais encantadores do nosso portfólio é chope da Brahma. Não há um gringo que venha aqui e não se encante. O time conseguiu levar o chope para a lata, num sistema logístico todo refrigerado. Dentro da plataforma de drinques prontos estamos desenvolvendo no Zé novos drinques que depois vão para o carnaval. Outro exemplo, no lançamento de Flying Fish, estamos usando o Zé para ter um retorno mais frequente e rápido. Vejo várias empresas buscando aprender de como usar mais IA. Nós temos cada vez mais dados dos quais extrair insights.

Em 2026 tem Copa do Mundo, e você conhece os três países e o Brasil. O que podemos esperar? E qual a relevância desse tipo de evento na estratégia que você está construindo?

Temos a oportunidade de unir no Brasil e fora duas grandes paixões. Cerveja e futebol sempre estiveram juntos. A Copa é o ápice dessa relação. Olha o que fizemos das Olimpíadas. Usamos o evento para lançar um produto, a Corona Cero. Fizemos do evento um trampolim para mudar um segmento. Fazemos o mesmo com surfe, com tênis, olha o que fizemos com Stella. Faremos com Copa do Mundo.

A Copa vem num momento muito interessante, após um período muito duro esse ano. O Brasil viveu um inverno mega atípico. Quando falamos isso no segundo trimestre me olharam com ceticismo. Mas depois se materializou. Esse desvio tem um impacto grande para a indústria. Cerveja é sensível à temperatura. A Copa vai aterrissar nesse momento. O brasileiro adora acompanhar todos os jogos, são momentos interessantes de consumo, que vão ajudar a categoria a reconstruir frequência. Em 2025 é como se a indústria tivesse um ano de 11 meses, pelo impacto do clima. Ano que vem é a oportunidade de ter um ano de 13 meses. Você combina Copa com 11 feriados, é uma boa oportunidade de entrada em mais ocasiões de consumo.

Você vem para ficar dois anos como CEO? Esse tempo de gestão dos CEOs, como nos anteriores, é o novo normal da empresa?

Não é. No período em que tive mais tempo num país, no México, foi onde me realizei mais e agreguei mais para a organização. Acho que pode ser um bom proxy para o futuro no Brasil.

Para quem decide. Por quem decide.

Saiba antes. Receba o Insight no seu email

Li e concordo com os Termos de Uso e Política de Privacidade

Acompanhe:

Lucas Amorim

Lucas Amorim

Diretor de redação da Exame

Jornalista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina, começou a carreira no Diário Catarinense. Está na Exame desde 2008, onde começou como repórter de negócios. Já foi editor de negócios e coordenador do aplicativo da Exame.

Continua após a publicidade
Não está fácil para a Ambev. A XP acha que vai piorar

Não está fácil para a Ambev. A XP acha que vai piorar

Ambev: volume de cerveja ainda está longe do teto, diz CFO

Ambev: volume de cerveja ainda está longe do teto, diz CFO