Guerras, Casa Branca, investimentos e IA: uma hora com Bill Ackman
Em palestra concorrida na Brazil Conference, mega investidor fala sobre sua trajetória – e explica porque saiu do ativismo acionário para ativismo social
Natalia Viri
Editora do EXAME IN
Publicado em 7 de abril de 2024 às 20:14.
Última atualização em 7 de abril de 2024 às 20:24.
Cambridge, Massachusetts* – Fundador da Pershing Square e um dos gestores mais aclamados do mundo, Bill Ackman sempre foi conhecido por sua postura ativista, com campanhas agressivas que movimentaram empresas como a Wendy's, de restaurantes (um sucesso), Herbalife (um grande fracasso).
Cada vez mais, no entanto, seu ativismo vem passando dos investimentos para as causas que apoia.
Não se engane: Herbalife segue sendo um "esquema de pirâmide", disse arrancando risos da plateia de brasileiros que se reuniu neste domingo no MIT, em Cambridge, para a Brazil Conference. Mas "shorts são uma perda de tempo", completou, compartilhando uma das lições que tirou de seus erros como investidor.
Liberal no sentido mais puro do termo, sua batalha mais recente e que vem lhe rendendo manchetes nos jornais foi contra o antissemitismo nos campi das principais universidades dos Estados Unidos, depois da eclosão da guerra com o Hamas.
Com posts fortes no X (antigo Twitter), no qual se tornou assíduo, Ackman foi um dos principais artífices do movimento que acabou resultando na demissão da reitora de Harvard, acusada de não conseguir conter os discursos de ódio na universidade.
"Sou um apoiador do movimento de D&I (diversidade e inclusão), mas ele foi aplicado de uma forma equivocada em que acaba incentivando o racismo, mais do que evitando", afirma, acrescentando que a sua posição o permite enfrentar a cultura do cancelamento.
"Estamos num mundo em que muitas pessoas concordam comigo em vários tópicos, mas estão com medo de ser cancelados por colegas de trabalho, perder o emprego ou sofrer alguma consequência por falar a verdade". E não há represálias? "Enfrento inúmeros protestos toda semana. Vocês querem se juntar a eles?", brinca.
Em vez de distração ou perda de tempo, Ackman vê a postura como parte de seu trabalho, inclusive como investidor. "Mais do que juros ou PIB, meu trabalho como investidor de longo prazo é entender o que está acontecendo com a sociedade mundo", afirma.
Além da guerra ideológica, são as guerras reais que vem tirando o sono de Ackman à noite. "Nos acostumamos aos períodos de paz e de estabilidade. Eu me preocupo como o conflito Israel-Hamas pode ser agravar. Estamos em um momento de: 'vamos ver como Irã responde a como Israel respondeu à sua resposta'".
Outro tema em que Ackman está amplamente envolvido é na disputa pela Casa Branca. Veio dele a ideia de lançar Jamie Dimon, o presidente do JP Morgan à presidência. "Dimon chegou a se animar, mas o custo pessoal é muito alto", afirma, lamentando a falta de renovação na política.
Para ele, Biden deveria ter abandonado a candidatura e deixado outros candidatos emergirem. Já Trump, "gera volatilidade", afirmou, tentando ser educado.
"Houve um período em que os empresários pensavam que não importava quem seria o presidente. O governo agora é muito significativo em escala, em impacto, no comércio, na alavancagem", completou.
É um cenário que aproxima os Estados Unidos do Brasil, afirma, adicionando ainda a inflação mais elevada, o déficit e os juros altos. "Talvez os Estados Unidos estejam indo um pouco no caminho onde o Brasil estava".
Investindo em tempos de IA
Na conversa, Ackman dividiu também sua trajetória de investidor: de uma pequena aplicação no Wells Fargo ainda como estudante da Harvard Business School (HBS), quando tinha um patrimônio de US$ 40 mil a um portfólio de mais de US$ 20 bilhões.
A aposta no Wells Fargo veio na rabeira de Warren Buffett, que já apostava no banco – e tinha pago mais caro do que quando o jovem Bill decidiu entrar.
Desde então, Ackman veio afinando sua estratégia, que ainda bebe mundo da fonte do Oráculo de Omaha, com pouco giro, e empresas nas quais investe esperando ficar por décadas, mas usa um portfólio mais concentrado, em que 60% da carteira está em apenas três posições.
Como identificar companhias para o longo prazo num mundo em constante disrupção? “Mais do que fazer contas de fluxo de caixa, o trabalho é ler o mundo e entender quais as empresas que não vão ser disruptadas”, afirma.
Nesse sentido, ele acredita que a inteligência artificial não é uma ameaça para suas principais posições. Na rede de restaurantes de comida mexicana Chipotle e na Restaurant Brands International, dona do Burger King, a IA tende a ser mais positiva.
“A IA vai trazer mais capacidade preditiva de entender o que o consumidor quer e fazer recomendações mais assertivas, aumentando o tíquete médio. A indústria de restaurantes só tende a se beneficiar.”
Outra grande aposta – essa mais recente – é a na gravadora Universal Music, onde o balanço é mais delicado. “Por um lado, muitas músicas serão compostas com IA, mas numa enxurrada de músicas que vão ser colocadas no Spotify, acho que as pessoas vão dar cada vez mais valor ao autoral, à curadoria, e as gravadoras tem uma vantagem nesse sentido.”
No universo de empresas de tecnologia, a percepção é que não haverá um ganhador apenas na corrida pela inteligência artificial. Nesse sentido, a aposta de Ackman é na Alphabet, dona do Google.
“Nossa avaliação é que o modelo deles de publicidade online é muito próximo de ser imune à disrupção. Sentimos que a IA poderia ser um risco a essa parte do negócio, mas chegamos à conclusão que os esforços deles, somados à posição de liderança que eles têm no ‘real estate’ dos aplicativos e nas telas das pessoas, os colocam no lugar certo.”
Uma pitada de macro – e um pitaco sobre Disney
Apesar da postura paz-e-amor nas teses de longo prazo, Ackman guarda parte do portfólio para ser ‘contrarian’ em teses macro. Foi o que lhe rendeu retornos assimétricos na época da crise de 2008, quando vislumbrou meses antes o estouro da bolha dos empréstimos subprime.
Outro acerto foi em março de 2020, quando apostou que haveria uma longa quarentena que esfriaria toda a economia. Mais recentemente, no ano passado, shorteou os títulos de 10 anos do Tesouro americano, apostando numa queda nos preços, fechando a posição pouco antes de começar o rally.
“Separo 1% a 2% do portfólio para esse tipo de posição, são apostas pequenas em fatores como spreads de crédito, preços de commodities, juros, tudo que impacta negócios e que já acompanhamos para nossa carteira”, afirma.
“Tem momentos em que o mundo todo está pensando em uma direção e você está pensando em outra. Geralmente, é barato apostar no caminho contrário. O único problema é que você pode estar muito errado.”
Longe do ativismo acionário, Ackman, no entanto, não se negou a dar seu pitaco sobre o embate entre o investidor Nelson Peltz e o CEO da Disney, Bob Iger – na semana passada, Peltz foi oficialmente vencido na sua batalha por um assento no conselho do conglomerado de entretenimento.
“A Disney lidou com isso de uma maneira muito ruim”, decretou. “Alguém faz um investimento milionário na empresa, é uma pessoa honrada e interessada no futuro da empresa, não há mal em colocá-la no board, pelo contrário”.
E fez uma crítica dura aos executivos encastelados: “Tudo que você não quer é um board que diz amém para tudo que o CEO faz. Não dá para ser um clima combativo o tempo todo, mas o Nelson não é esse tipo de pessoa. Eu tenho um board cuja função é exatamente dizer o que eu estou fazendo errado.”
*A repórter viajou a convite da Brazil Conference
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Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.