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B3

As quedas na bolsa, as 80 ofertas de ações e o tango argentino

Mau-humor político da eleição antecipado e risco internacional chegam à B3 no auge de mandatos dos bancos

Bolsa: juros de dois dígitos, política nacional e internacional deixam futuro de curto prazo incerto (Germano Lüders/Exame)
Bolsa: juros de dois dígitos, política nacional e internacional deixam futuro de curto prazo incerto (Germano Lüders/Exame)

Publicado em 18 de agosto de 2021 às 18:07.

Última atualização em 18 de agosto de 2021 às 18:07.

Depois que os gestores de recursos se conscientizaram que não há, pelo menos tão cedo, como fazer um pneumotórax para salvar o paciente bolsa, no Brasil, partiram para a estratégia do tango argentino. Ou seja: buscar alívio momentâneo em tempos bicudos. A solução e o problema citados acima são do poeta modernista Manuel Bandeira (para os curiosos, o curtíssimo poema está no fim da matéria), mas serve de paralelo para o quadro atual das carteiras dos fundos de ações.

As gestoras estão todas se preparando para o pior: foco apenas em ações muitas líquidas, com porta de saída larga, de empresas de qualidade, e parte em caixa. Todos os papéis penduricalhos, aquelas posições pequenas e de baixíssima liquidez, estão sendo abandonados. O objetivo é deixar a carteira preparada para situações de estresse maior, venha ele de onde vier. O Ibovespa, não custa lembrar, acumula queda de 10% em dois meses e recuou mais 1% nesta quarta-feira.

A situação se agravou dentro e fora. No Brasil, a tensão subiu com o presidente Jair Bolsonaro partindo para cima do Supremo Tribunal Federal (STF). Assim, a tensão eleitoral aguardada apenas para 2022, chegou bem antes. De fora, veio a tragédia em Kabul, no Afeganistão, e a pressão sobre Joe Biden, presidente dos Estados Unidos.

Os juros futuros de prazos mais longos, na B3, já estão instalados em dois dígitos. O contrato com vencimento futuro em 2031 alcançou os 10% no dia 10 de agosto e ontem, 17, foi a vez de os contratos que vencem em 2027 alcançarem 10% ao ano. O primeiro impulso para as taxas foi o discurso mais duro do Copom temperado por mais um aumento da Selic no início deste mês, para 5,25%, e aceno do comitê para 7%; um segundo impulso, maior preocupação com o cenário político e fiscal.

Perspectivas mais sombrias são apontadas pelo Bank of America na pesquisa “Latam Fund Manager Survey” com 31 profissionais responsáveis pela gestão de US$ 89 bilhões. Dos respondentes, 58% veem a Selic acima de 7,50% no fim deste ano. Mas as apostas chegam a 8,25% - nível que a metade dos gestores entrevistados considera ponto de corte para o ingresso de capital em ações na bolsa brasileira.

O caminho do dinheiro

Olhar os indicadores de fluxo diz bastante. No, ano o saldo de captação dos fundos de ações está cada dia menor e caminha para voltar a ficar negativo logo mais. O balanço acumulado mostrava arrecadação líquida de R$ 2,5 bilhões até o fim de julho. Até dia 13 de agosto, o volume caiu para cerca de R$ 500 milhões.

No mercado secundário da B3, os fundos de ações já tiraram de circulação quase R$ 6 bilhões em agosto até segunda-feira. As pessoas físicas eram mais uma vez vendedoras, colocando no bolso R$ 1,4 bilhão. Os estrangeiros que abusaram no conservadorismo para sairem tranquilos de férias, com a retirada superior a R$ 8 bilhões no mês passado, faziam alguns ajustes e compravam R$ 3,6 bilhões. Mas quem estava segurando mercado eram as compras de empresas — os programas de recompra válidos foram todos tirados da gaveta e estão sendo colocados em prática — e das instituições financeiras. A soma dessas compras já ultrapassava R$ 4 bilhões líquidos.

O terror e as 80 ofertas

Essa debandada da bolsa acontece justamente quando o mercado está no auge dos mandatos para ofertas de ações. Há cerca de 80 interessados rondando os bancos de investimento, conforme apurou o EXAME IN. Dessas, cerca da metade era de operações potenciais. A lista na Comissão Valores Mobiliários (CVM) segue crescendo. Hoje, foi a Lupo, uma promessa antiga.

As companhias interessadas em listar ações estavam correndo para se antecipar ao cenário de tensão que seria aguardado para 2022. Mas quem se antecipou foi mesmo o mau-humor e a incerteza. Do jeito que a poeira está levantada, está difícil saber o mês que vem — tanto menos o fim de 2021. “Em março do ano passado, ninguém diria que 90 dias depois teria empresa levantando R$ 4 bilhões ou R$ 8 bilhões como se viu”, comenta um participante do mercado.

De forma geral, o entendimento é que há muito mais maturidade de todos — empresários, banqueiros e investidores. Em tese, os empresários serão menos ansiosos e, exceto aqueles que precisarem encarar bravamente a maré ruim, saberão esperar o melhor momento, os banqueiros mais conscienciosos e os investidores mais racionais.

Racionalidade não é exatamente o forte do mercado -- espaço que costuma replicar o comportamento humano coletivo. Mas o desempenho durante a pandemia faz muitos acreditarem que os compradores voltarão se os preços estiverem baixos. O único consenso é que completamente fechado o mercado brasileiro nunca mais ficará.

*Pneumotórax

Manuela Bandeira - 1886-1968

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:

— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.

……………………………………………………………………….

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não.

A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

 

 

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