As duas narrativas na novela da federalização da Cemig
Ao sentar na mesa para discutir a proposta, Zema pode estar dando o braço a torcer – ou comprando tempo
Natalia Viri
Editora do EXAME IN
Publicado em 23 de novembro de 2023 às 18:07.
Última atualização em 11 de dezembro de 2023 às 17:16.
Num país em que até o passado é incerto, prever o que vai acontecer com a Cemig, de energia, e Copasa, de saneamento, num cenário que passou da possibilidade de privatização para a federalização da noite para o dia, é praticamente um exercício de futurologia.
Desde ontem, contudo, assistindo da arquibancada as tratativas entre Brasília e Belo Horizonte, investidores estão tendo que sacar sua bola de cristal.
A principal pergunta é o quão factível é o cenário de transferência do controle das empresas para o governo federal.
Nesse sentido, há duas narrativas no mercado. A primeira, mais corrente, é a de que o govenador Romeu Zema, um dos críticos mais vocais do PT e conhecido pela agenda liberalizante, teve que dar o braço a torcer diante da proximidade do fim de uma liminar que vai interromper a suspensão do pagamento do serviço da dívida. O prazo vence dia 20 de dezembro.
A segunda – mais otimista – é de que Zema estaria comprando tempo para conseguir pedir ao Superior Tribunal Federal (STF) a extensão do prazo, já que a federalização demandaria bastante tempo para ir em frente. “Ele precisa de um fato novo para conseguir estender esse prazo”, aponta um gestor.
Nesse cenário, o governador estaria disposto a abrir mão da Codemig, que explora reservas de nióbio em Araxá, em parceria com a CBMM. Mas não teria aberto mão da ideia de privatizar Cemig e Copasa, apesar das dificuldades enfrentadas junto à assembleia legislativa do Estado.
“Independentemente do que acontecer, o valor das ações vai ser marcado pelo sabor dos ruídos políticos”, aponta um analista. “O investidor foi dormir com uma empresa bem tocada e previsível, apesar dos problemas de uma estatal, e com a opcionalidade de uma privatização, e acordou com a possibilidade de ela passar para o governo federal”.
Ontem, após Zema sinalizar que estava "de acordo" com a proposta do presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD), os papéis preferenciais da Cemig caíram quase 10% e os da Copasa recuaram 2,8%. Hoje, estendem a queda em menor magnitude – mas num dia de pouco fluxo, com os mercados fechados nos Estados Unidos por conta do feriado de Ação de Graças.
Contra Zema está sua baixa capacidade de articulação política. Do outro lado, estão alinhados o presidente Lula, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira e o Pacheco – este último do partido de Gilberto Kassab, que está pessoalmente envolvido nas articulações, apontam fontes ouvidas pelo IN.
Para que os ativos de fato sejam federalizados, é necessária a aprovação da assembleia legislativa estadual, que vem travando as tentativas de vender o ativo para a iniciativa privada, possivelmente via uma PEC, que exige três quintos dos votos.
Angariar o apoio dos deputados estaduais não deve ser tarefa simples, não só porque a Cemig é considerada um patrimônio intocável do Estado, mas porque representa para a classe política local o mesmo ativo que interessa ao governo federal: a possibilidade de direcionar investimentos e fazer nomeações. “Mas acho que ninguém discorda que o Centrão tem mais habilidade de negociação que Novo”, aponta um investidor.
Entre privatização e federalização, a racionalidade econômica não parece estar a favor da última. Se por um lado, a primeira opção poderia (ao menos em teoria) destravar valor da companhia ao injetar eficiência, a mera possibilidade do comando federal já destruiu valor de largada nos dois últimos pregões.
Além disso, hoje as fatias de Minas na Cemig e na Copasa têm um valor irrisório perto do endividamento do Estado. Juntas, elas somam hoje cerca de R$ 10 bilhões – e, ainda que haja um prêmio de controle substancial, representam uma fração ínfima dos R$ 158 bilhões da dívida total de MG.
Porém, com a velha agenda de fomentar a economia via empresas investidas – que já se traduz nas negociações do plano estratégico da Petrobras e na pressão feita via fundos de pensão em companhias listadas –, o interesse vai além da mera solução da situação fiscal do Estado.
“A questão é que o governo federal não quer saber se racionalidade econômica, mas sim voltar a controlar um ativo grande de energia, num momento em que percebeu que não vai conseguir reverter a privatização da Eletrobras”, resume um gestor.
Dúvidas
Investidores de estatais e do setor elétrico, acostumados a canetadas e mudanças regulatórias, não costumam se surpreender com pouco. Mas no caso da federalização proposta pelo governo em Minas, os gestores ouvidos pelo Exame IN se dividiram entre confusos e estupefatos.
“Não dá para ter clareza de nada”, aponta um gestor experiente do setor, acostumado a transitar entre planilhas e os meandros de Estados e de Brasília.
Ninguém discorda da complexidade e da morosidade do processo, que envolve diversos obstáculos técnicos e jurídicos. Mas, para os minoritários, no caso de a federalização andar, uma das principais dúvidas é como ocorrerá a avaliação dos ativos.
“Num processo de privatização, o preço é formado no mercado, via competição entre interessados. Como seria na federalização: teria avaliadores do lado do vendedor e do comprador? E uma fairness opinion? O que o Tesouro e os tribunais de contas vão exigir para aprovar?”, diz um outro investidor da Faria Lima.
Tanto no caso da Cemig quanto da Copasa, haveria a necessidade de negociar com os detentores de dívidas – que podem exigir o pagamento antecipado em caso de mudança de controle.
No caso da estatal de saneamento, há ainda outro complicador: o poder concedente são os municípios e uma transferência de controle implicaria a renegociação com todas as cidades atendidas pela empresa. Processo semelhante tem tomado bastante tempo e se mostrado complexo para a Sabesp, que vem preparando terreno para o processo de privatização.
Na Copasa, os diretos de tag along garantidos pelo Novo Mercado dão, em teoria, alguma proteção – o que explica a reação mais comedida das ações. Pelo regulamento do segmento de listagem, em caso de troca de controle, os minoritários recebem 100% do valor pago ao controlador.
Na Cemig, que está no Nível 1 da Bolsa, apenas os ordinaristas recebem tag-along, nesse caso de 80% do valor pago ao controlador. A maior parte da liquidez da companhia está nas preferenciais, que não teriam direito à extensão da oferta. Mas até isso vem sendo questionado.
“Sem saber como vai ser a operação, não consigo nem ter segurança disso. Pode ser que esses queriam dar parte do pagamento como desconto da dívida ou criando alguma estrutura para contornar o tag along”, pondera um gestor.
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Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.