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Empresários

Solitário, introvertido e 'movido a conquista': Nelson Tanure, por Nelson Tanure

Rara entrevista de uma hora a Julio Vasconcellos, da gestora de venture capital Atlantico, abre uma janela para mente de um dos empresários mais ativos e polêmicos do país. (Spoiler: Um ídolo? Abilio Diniz)

Nelson Tanure: Mais de 200 negócios desde os anos 1970 (Germano Luders/Exame)
Nelson Tanure: Mais de 200 negócios desde os anos 1970 (Germano Luders/Exame)
Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Publicado em 17 de dezembro de 2024 às 12:15.

Última atualização em 17 de dezembro de 2024 às 15:15.

Poucos personagens no mundo empresarial brasileiro provocam tanto fascínio e dividem tantas opiniões quanto Nelson Tanure. De construtoras a negócios com estaleiros desde a década em 1980, passando por setores tão diversos quanto telecom e saúde o empresário é conhecido por suas tacadas agressivas em direção a negócios em dificuldades financeiras – e por não fugir de um litígio.

Na sua trajetória, há sucessos retumbantes como a petroleira PetroRio, fracassos históricos, como sua incursão na mídia com a compra do Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil, e grandes pontos de interrogação, como sua investida em Light, e as tentativas (que não foram à frente) de entrar na privatização da Sabesp e de comprar a operadora de planos de saúde Amil.

Em comum, todas suas estratégias são marcadas por uma aura de mistério.

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Na maior parte das vezes, os investimentos são feitos via fundos de participações nas quais não é possível, ao menos num primeiro momento rastrear o dono – o que frequentemente o coloca como suspeito principal em ataques especulativos feitos a companhias com balanços estressados.

Discreto, praticamente tudo que se sabe sobre Tanure vem de segunda mão ou de breves conversas sobre pontos em específico. Mas um podcast gravado recentemente por Julio Vasconcellos, do fundo de venture capital Atlantico, deu uma rara chance de conhecer Nelson Tanure por Nelson Tanure.

A rara entrevista de pouco mais de uma hora não toca diretamente em pontos sensíveis.

(Qual a relação dele com o banco Master? É Tanure mesmo que está por trás da Ambipar? O que explica a alta estratosférica das ações da companhia neste ano? São algumas questões que a editora e convicta repórter que vos fala fica na ânsia de ver respondidas.)

Mas, dentro do escopo do seu podcast, Vasconcellos vai a fundo para tentar entender a mente e a história do empresário. Fã de música e literatura clássica, especialmente as tragédias shakespearianas – o que não causa surpresa –, define-se como um ‘solitário’ e valoriza sua história de self-made man e a postura de ser um pensador fora da caixa. “Detesto a apologia do óbvio”, já dispara na abertura.

Direto, explica que seu interesse por negócios estressados não veio de paixão e, sim, da necessidade.

“Foi a completa ausência de dinheiro. Se eu tivesse dinheiro, teria comprado ações da Google, da Microsoft, da Brahma. Não tinha um tostão. Tinha que procurar negócios em que minha capacidade de trabalho, de produzir, seja trabalho físico ou mental, fizesse diferença”, diz.

“E onde tem oportunidade? Em distressed. Eu tomei riscos, eu acho que essa capacidade de tomar risco é importante e deveria ser desenvolvida com mais intensidade. É o risco que gera riqueza.”

Ao longo da conversa, ele estima que tenha investido em mais de 200 empresas ao longo da carreira, com alguns bons sucessos e diversos fracassos – e valoriza sua capacidade de voltar atrás.

“A capacidade de recuar e mudar de rumo são grandes virtudes. Eu recuei muitas vezes na minha vida”, afirma. “É como se fosse numa batalha. Quanto mais você tiver espaço, vai crescendo vai avançando, vai consolidando suas posições, vai tendo vitórias. Quando sentir que vai perder, não é nada demais. Recue, se fortaleça – e volte.”

Um ídolo? Abílio

Num momento em que Tanure novamente volta ao noticiário com um possível interesse em fundir o Grupo Pão de Açúcar (GPA) com a rede Dia de supermercados (mais uma daquelas compradas por um fundo que ninguém sabe ao certo quem é, ainda que fontes de mercado garantam que se trata do empresário), ele diz que um de seus exemplos no mundo empresarial é justamente... Abilio Diniz.

“Eu não sou muito fãzoca de mercado, não. As pessoas que eu admiro é porque trabalham muito. O cara que levanta às 6h da manhã e diferente do cara que levanta às 9h da manhã. O cara que sai do escritório às 9h da noite é diferente do cara que sai do escritório às 6h da tarde”, responde quando questionado sobre suas referências profissionais.

“O Brasil tem grandes nomes que passaram grande dificuldades. O Abilio Diniz, por exemplo, ele herdou um negócio, mas uma companhia quebrada com problemas e levou para um outro patamar. Era um homem digno de admiração. Não quero dar outros nomes, mas gosto dessas pessoas que pensam fora da caixa e tiveram vidas duras. Esse é meu perfil de ídolo.”

(A bem da clareza: o podcast foi gravado antes das especulações sobre o GPA virem à tona e não há nenhuma pergunta direta sobre um eventual interesse no varejo.)

No que toca a negócios mais específicos, Tanure afirma que um de seus maiores orgulhos foi ter trazido, ainda nos anos 1980, o navio que perfurou o primeiro poço de água profunda no Brasil. E finca o pé no mundo físico e não na especulação financeira.

“Ele achou petróleo a 1000 metros. Hoje, o pré-sal está a 6000 metros de lâmina d’água, mas tenho um pouco de orgulho disso. A PetroRio é outro grande orgulho. Tenho investimentos na área de saúde [a Alliança, de diagnósticos], que eu gosto muito. Gosto de energia, de indústria. Nesses ambientes físicos é que eu cresci.”

Entre os fracassos, ele fala sobre sua incursão na mídia, com a compra do Jornal do Brasil e a Gazeta Mercantil. “Naquele projeto fracassamos em tudo. Não teve um mês em que a companhia não saísse do vermelho. Nos herdamos muitas coisas que não imaginava, como problemas trabalhistas de 20, 30 anos atrás. A mídia é um grande case de experiência. Que eu me lembre, era impossível sair do vermelho”, diz.

A decisão foi fechar os dois veículos. “Pensei: eu não vou continuar, é melhor um fim horroroso do que um horror sem fim. Foram quatro ou cinco anos de muita dificuldade. A gente tinha um plano, um projeto, um sonho. Mas nada deu certo.”

'Você precisa sorrir'

Apesar das diversas dificuldades empresariais enfrentadas ao longo da carreira, o empresário diz que seu maior desafio foi ter saído do nada.

“Desafio mesmo é você nascer de classe média média mesmo, estudar em escola pública, casar, ter quatro filhos, criar quatro filhos, mudar de cidade. Chegar numa cidade com uma mão na frente e outra atrás e crescer”, diz.

Sua infância foi marcada pelo dinheiro curto – o que parece explicar, em parte, seu perfil austero e duro no trato. “Meu pais me deram muito exemplo. Meu pai foi um homem que trabalhou a vida inteira, eu só via meu pai trabalhando. Almoçar ou jantar fora, só me lembro uma vez. Viajar nunca”, conta.

“Depois disso, eu levei muito a sério. Eu não brinquei. Minha ex-mulher dizia: ‘Nelson, você precisa sorrir’. Durante uma época da minha vida eu não sorria.”

Amante de música clássica, ele se diz mais ‘compositor’ que ‘maestro’, e com uma habilidade mais como pensador solitário do que como agregador – o que se traduz mais na capacidade de desenhar e planejar o que quer fazer nas empresas do que necessariamente executar, o que fica a cargo da equipe que contrata.

“Se você pegar história da música clássica, vai ver que todos grandes compositores foram péssimos maestros. Os dois é muito difícil. Eu me identifico mais do que alguém capaz de escrever uma partitura do que conduzir uma orquestra. Gente, gestão é algo para mim muito difícil. No convívio cotidiano, tem que ter harmonia entre muita gente. Eu sou um ser muito solitário.”

Questionado sobre as incompreensões dele na opinião pública, ele dá de ombros.

“Sou uma pessoa introvertida, sempre levei minha vida muito fechada. Eu tenho o perfil de uma pessoa que é fácil bater: o cara que veio do nada e venceu. ‘Como ele venceu? Isso não é possível?’ Esse meu modelo, minha franqueza de falar e pensar fora da caixa gera incompreensões e todo tipo de maledicência”, afirma.

Para então arrematar: “Eu dou zero importância sobre o que falam de mim.  Não diz respeito a mim. Como eu sei que não é verdade, opinião dos outros é algo que não me toca.  O que importa é opinião sobre mim mesmo e de um pequeno grupo que eu respeito.”

De acordo com Vasconcellos, Tanure certa vez se definiu como alguém definido pela "conquista e não pela posse". "Eu gosto de enfrentar problemas e encontrar soluções, certas ou erradas. Esse é um caminho muito interessante na vida. Porque senão você fica com uma vida muito boring, com todo respeito a pessoas que não de dedicam ao trabalho. O trabalho enobrece o homem, mas não trabalhar não me engrandece em nada."

Ao que tudo indica, Tanure deve seguir com novos negócios – e sem dar muitas entrevistas.

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Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Jornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.

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