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Kanye West versus Adidas: qual o limite para celebridades dentro de empresas?

Cantor alega ser vítima de plágio e já fez mais de 100 posts no próprio Instagram; marcas ainda não se pronunciaram

Yeezy: West acusa Adidas de plagiar modelo em nova coleção (Jeremy Moeller/Getty Images)
Yeezy: West acusa Adidas de plagiar modelo em nova coleção (Jeremy Moeller/Getty Images)
KS

Karina Souza

7 de setembro de 2022 às 12:55

Ye (Kanye) West é uma daquelas personalidades no centro das atenções. Seja por sua notável trajetória musical – o rapper é o único a ter 22 Grammys até hoje –, pelo sucesso de suas criações no mundo da moda ou pelas polêmicas envolvendo a vida pessoal (como não lembrar dele tirando o prêmio das mãos de Taylor Swift em 2009? Ou do casamento com Kim Kardashian?). Pois bem. Nesta terça-feira, o cantor, produtor e designer novamente atraiu os holofotes. O motivo? A briga pública travada desde o fim de agosto contra as marcas Adidas e Gap. Antes do veredicto de quem está certo ou errado nessa história toda, uma questão surge, à margem: afinal, o quanto o episódio pode mudar o relacionamento entre empresas e influenciadores? qual o limite para a função de celebridades dentro de companhias?

A aproximação entre esses dois públicos fica cada vez mais evidente. Não é uma vilã, por si só. No mundo em que personalidades no ambiente digital têm milhões de seguidores apaixonados — sejam elas egressas do mundo offline ou não — a relação entre empresas e celebridades se torna cada vez mais estreita do ponto de vista óbvio: marketing. É uma relação que já sofreu transformações relevantes, olhando para o público que se fortaleceu no ambiente digital, mas que ainda está em fase de maturação (Quem nunca viu um criador de conteúdo se queixando da falta de liberdade que marcas dão a eles que atire a primeira pedra).

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Enquanto essa troca já está relativamente sedimentada, um ponto que cresce nos últimos anos é um passo além da ‘simples’ divulgação de produtos, mas de convidar personalidades influentes para exercerem funções administrativas dentro das empresas. No cenário nacional, a relação entre Anitta e Nubank talvez seja o melhor exemplo. A cantora já chegou a ser conselheira do banco, o que, na época do anúncio, levantou polêmica nas redes sociais e por parte do mercado, fazendo com que a empresa cancelasse a entrevista coletiva que faria com a imprensa. Ainda assim, foi um efeito passageiro. Hoje, Anitta continua próxima da marca, mas como embaixadora, um efeito atribuído à conturbada agenda de shows da cantora. 

É um caso totalmente diferente da polêmica entre Ye versus Adidas e Gap. Não se trata de reação de mercado, mas de queixas do próprio cantor a respeito das empresas. E é uma briga séria: West acusa as marcas de plagiarem as criações feitas por ele dentro da coleção Yeezy em pelo menos uma centena de posts no Instagram. Além das empresas de moda, o banco J.P. Morgan também foi alvo de críticas por uma suposta falta de atenção ao cantor, que alega ter US$ 140 milhões investidos por lá. 

De prints do bloco de notas a fotos dos membros do alto escalão da Adidas, além de dúvidas sobre a própria segurança, é possível encontrar de (quase) tudo na conta do cantor dentro da rede social de Mark Zuckerberg. Até mesmo menção a uma possível oferta feita pela marca de tênis, de US$ 1 bilhão, para que ele saísse da parceria. “Meus royalties no ano que vem serão US$ 500 milhões. Daniel Cherry [vice-presidente sênior] ganha US$ 2 milhões por ano. A Yeezy responde por 68% das vendas online da Adidas”, diz o cantor. Nos posts, ainda é possível encontrar mensagens do rapper dizendo que "a Gap será o próximo alvo". 

Em relação à Adidas, parece ser o fim conturbado de uma parceria de nove anos — que tinha previsão de durar até 2026. Voltando no tempo, West e Adidas anunciaram a parceria em 2013, poucos anos depois de o cantor começar a desenvolver produtos com a Nike — em 2009. Ye afirmou, na época, ter saído da marca estadunidense pelo fato de que a empresa não lhe pagava royalties, algo assegurado dentro do novo contrato. No caso da Gap, tratava-se de uma parceria mais recente: um contrato firmado há dois anos entre ambos previa uma década de trabalho conjunto, levando a Yeezy para o mundo das roupas.

O impacto financeiro

Focando na marca de tênis, principal alvo de escrutínio do cantor, o papel exercido pela linha criada por ele é tão significativo dentro da empresa que não basta apenas romper um contrato. A Adidas não divulga o quanto a linha fatura em si, mas projeções do UBS publicadas na Bloomberg no ano passado apontavam para algo em torno de US$ 1,7 bilhão em 2020. Para referência, no mesmo ano, a Adidas inteira faturou US$ 18 bilhões. Uma projeção do UBS aponta que, considerando a operação combinada com a Gap, o valor de mercado da Yeezy seria algo em torno de US$ 3,2 bilhões a US$ 4,7 bilhões.

Diante de um impacto tão significativo — ainda que não determinante, como os números mostram — não basta às empresas virar as costas e desfazer acordos. É necessário pensar em como suprir o impacto de uma linha criada por um terceiro dentro do próprio balanço. Tendo a repercussão midiática, ao menos a de fãs da celebridade em questão, como um adversário adicional.

Ainda não está claro o que vai acontecer entre West e Adidas. Por enquanto, dentro do que é mensurável, o conflito não teve impacto no preço das ações, por exemplo. Os papéis caíram 0,58% nesta terça-feira e fecharam o dia cotados a 144,36 euros. A queda é similar à da Nike (0,56%) no dia, com as ações cotadas a US$ 105,15. No acumulado do ano, a baixa também é parecida: de 44% nos papéis da varejista de origem alemã e de 36% na empresa estadunidense.

Nem mesmo nas pesquisas do Google há efeito da briga, ao menos até agora. Uma consulta rápida à ferramenta Trends mostra que os principais termos atrelados aos termos “Ye” e “Kanye West” ainda são principalmente relacionados ao namoro do cantor com a atriz e modelo Julia Fox. Procurar por “Adidas” também não traz resultados sobre o assunto: buscas sobre a colaboração com a Gucci ainda ocupam o topo. 

Mesmo sem o efeito imediato mensurável da briga, é quase impossível ignorar o fato de que o cantor tem 17 milhões de seguidores no Instagram, principal rede social utilizada para as denúncias. É raro chegar a posts com menos de 100 mil curtidas — sendo o auge um de 1,1 milhão de likes. 

Necessário lembrar que danos à reputação de marcas por influenciadores, atores e outras personalidades da mídia acontecem com certa frequência. Algo que, é claro, atinge direto o bolso das companhias. Um exemplo recente é a relação de Dave Chapelle com a ViacomCBS. Depois de a empresa licenciar o stand-up do ator para a Netflix e HBO Max sem nenhum pagamento adicional, o comediante pediu um boicote — e, como resultado, um acordo surgiu no fim das contas, com o pagamento de milhões de dólares.

Governança

Indo além do efeito financeiro para pensar em governança, uma mudança em relação ao cenário atual – de celebridades exercendo cargos tão importantes  deve se tornar um ponto de maior atenção dentro das companhias, olhando para o Brasil, segundo Eliana Chimenti, sócia do Machado Meyer. “Em vez de convidar celebridades para participarem do alto escalão de empresas, podem ser criados, por exemplo, comitês individuais nos quais se conte com a presença dessas pessoas. O que permanece, no fim, é a clareza sobre qual é o objetivo que as companhias querem ao convidar celebridades para participarem de decisões”, diz a especialista. Apesar da popularização do conceito, especialmente nos Estados Unidos, a melhor receita, defendida pela executiva, ainda é a de procurar por um conselho que consiga trazer pluralidade de visões, no fim das contas.

Ainda considerando o lado do país, há que se lembrar que a Lei das Sociedades Anônimas (Lei das S.As) não exige uma especialização definida para o cargo de conselheiro de administração, mas estabelece que compete ao órgão fixar a orientação geral dos negócios e fiscalizar a gestão dos diretores, por exemplo.

Olhando para os Estados Unidos com maior afinco, o WSJ publicou uma matéria no ano passado que mostrava como empresas que têm celebridades no alto escalão fazem a coisa funcionar. Serena Williams, Oprah Winfrey e Shaquille O’Neal são apenas alguns dos exemplos de personalidades que ocupam cargos de conselheiros em empresas. A principal adição que fazem às companhias, segundo CEOs ouvidos pela publicação, é a de trazer insights a respeito de tendências e de comportamento de consumo, ao mesmo tempo que geram atenção para as empresas a que têm cargos. Apesar de o movimento ter ganhado força de forma mais notória recentemente, os riscos atrelados a ele são velhos conhecidos. O WSJ lembra que, no começo dos anos 1990, O.J. Simpson pertencia a diferentes conselhos de administração.

Diante de marcas em profunda transformação e da maior necessidade de formar conselhos mais diversos — do ponto de vista de crescimento e de ESG — essa parece uma tendência que não deve arrefecer tão cedo. O que o caso de Ye, Adidas e Gap levanta a bandeira é de até que ponto essa relação pode ser vantajosa para ambos os lados e se os limites para a atuação de celebridades dentro de empresas continuarão atingindo o core business em cheio ou se devem, de fato, migrarem muito mais para o marketing do que para o desenvolvimento de produtos. As discussões sobre os limites para esse relacionamento, portanto, estão apenas começando.

 

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