Sabesp: Como vai funcionar a cláusula de ‘right to match’ – e por que ela muda o jogo
Um detalhe na privatização da Sabesp, anunciado ontem à noite pelo governo do Estado, animou os investidores
Natalia Viri
Editora do EXAME IN
Publicado em 21 de junho de 2024 às 12:25.
Última atualização em 21 de junho de 2024 às 13:18.
Um detalhe na privatização da Sabesp, anunciado ontem à noite pelo governo do Estado, animou os investidores.
A mecânica da operação agora prevê um “right to match” para o investidor estratégico que fez a segunda melhor oferta, caso ele tenha recebido um valor maior de book na segunda etapa.
Na prática, o segundo colocado pode cobrir a oferta do primeiro se tiver mais demanda do mercado, o que aumenta as chances de que vença o estratégico preferido pelos investidores de Bolsa e dá incentivo para os interessados apresentem a melhor oferta logo de cara para afastar os concorrentes, na avaliação de gestores ouvidos pelo INSIGHT.
O dispositivo ajudou a dissipar em parte o desânimo do mercado com o preço a ser oferecido no processo, após a privatização ter atraído menos interessados que o inicialmente esperado pelo mercado.
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Em meio à esses temores e ao azedume da Bolsa, a ação da Sabesp caiu 12% desde as máximas do ano, em abril. fechando o pregão de ontem em R$ 72,06. Hoje, as ações sobem 3,5%, para R$ 74,69.
Se num primeiro momento havia expectativas que diversos players – como Cosan, Veolia, Votorantim e Pátria – pudessem entrar na disputa, na prática, apenas Aegea e Equatorial apresentaram manifestação de interesse.
O empresário Nelson Tanure também se cadastrou para apresentar oferta, mas sua participação no certame é incerta, dadas as dificuldades para obter garantias e a complexidade do processo.
A estrutura da oferta de Sabesp é complexa: numa primeira etapa, o governo vai oferecer uma fatia de 15% do capital para investidores interessados em ser acionista de referência e que vão ficar amarrados num acordo de acionistas com o Estado, válido pelo menos até 2030. Esse investidor terá poderes importantes, como a escolha do CEO e do chairman.
As duas melhores ofertas devem ser apresentadas ao mercado no próximo dia 28.
Em seguida, começa um processo competitivo com o mercado em geral, que vai dizer qual é seu investidor de referência preferido.
Nessa segunda oferta, será oferecido 17% do capital ao mercado como um todo. Os investidores poderão colocar ofertas para dois books, dos dois maiores proponentes. Vence aquele que conseguir o melhor preço médio ponderado entre a primeira etapa da oferta e a segunda
O que é o ‘right to match’
Um ponto crucial definido ontem pelo governo em reunião do Conselho de Desestatização é uma cláusula conhecida em inglês por “right to match”.
Ele vai funcionar da seguinte forma: o investidor que apresentou a segunda melhor proposta na primeira etapa tem o direito de cobrir a oferta, se tiver o melhor preço na segunda etapa.
Num exemplo prático: o investidor número 1 apresentou uma oferta de R$ 100 por ação na primeira etapa e o número 2, de R$ 95.
Na segunda etapa, haverá uma trava de cobertura mínima do book. Os bancos coordenadores vão avaliar qual proposta resultou no maior preço nesse múltiplo de ações ofertadas. O número oficial não vai ser divulgado para não influenciar o processo – mas vamos supor que ele seja de 2 vezes.
Seguindo o mesmo exemplo: na segunda etapa, há demanda do mercado de 2 vezes as ações ofertadas por R$ 85/ação na proposta do primeiro investidor. No caso do segundo, esse preço é de R$ 87.
Nesse caso, o preço médio é de R$ 92,5 em cima da proposta do investidor 1, e R$ 91,5 para o investidor número 2. Como teve um valor maior na segunda etapa, o investidor número 2 pode aumentar sua oferta para superar à do concorrente na etapa 1. Como resultado, o preço médio da operação sai maior do que em qualquer um dos dois cenários iniciais.
As consequências
A cláusula foi incluída para garantir um preço mais alto para o Estado, ao mesmo tempo em que torna o mercado protagonista na escolha do investidor que mais lhe agrada. “O book é soberano na escolha”, resume uma fonte próxima à operação. Naturalmente, vai ter um preço maior na segunda etapa o investidor que conseguir maior demanda para puxá-lo para cima.
Entre os investidores, há duas leituras sobre as consequências: primeiro, dá uma vantagem à Equatorial, empresa já mais conhecida pelo mercado e que, ao menos em tese, tem mais capacidade de atrair um book robusto.
Representantes da companhia vinham advogando por essa cláusula junto aos bancos coordenadores há algum tempo, apurou o INSIGHT.
Com um perfil mais low profile, a companhia, conhecida pelo turnaround de distribuidoras de energia e com um pezinho mais recente em saneamento, vem tendo menos interação com o mercado que a concorrente Aegea – o que vinha trazendo a percepção de que ela estava mais fora do jogo.
De acordo com interlocutores que participam do processo, no entanto, a empresa segue firme nas interações com governo e reguladores, com funding garantido tanto por um pool de bancos via dívida e em consórcio com o fundo de pensão canadense CPP, além das gestoras Opportunity e Squadra.
“Eles têm menos interação com o mercado porque não faz sentido para eles se apresentarem agora e puxar o preço da ação para cima antes de fazer a oferta. Eles já são conhecidos, cabe à Aegea, que tem menos interlocução com os investidores de equities, se apresentar para conquistar os investidores”, diz um gestor otimista com a tese da privatização da Sabesp e que acompanha de perto o processo.
Uma segunda consequência é diminuir a chance de um investidor ‘indesejado’, como é o caso da Tanure, entre de fato na disputa. “Se ele entrar, é difícil que forme book. Mas ainda que formar, o segundo colocado tem direito de cobrir”, pondera um outro investidor.
O lançamento oficial da oferta da Sabesp deve ser feito hoje à noite. Na próxima semana, o governador Tarcísio de Freitas segue em roadshow para apresentar a tese nos Estados Unidos e, na semana seguinte para a Europa.
As propostas dos estratégicos serão conhecidas no dia 28 e a partir de então eles poderão ir a mercado para tentar ‘conquistar’ oficialmente os investidores a entrar na sua proposta.
Será o momento de apresentar suas credenciais para operar a companhia e multiplicar seu valor como empresa privada e em meio a um novo modelo regulatório que agora incentiva mais a eficiência.
Gestado há mais de um ano, o jogo está prestes a, de fato, começar.
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Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.