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O novo xerife de R$ 7,5 tri quer modernidade para CVM e suas regras

Advogado e professor de direito, novo presidente tem planos para agenda verde, startups e quer delimitar conflito de interesse com parecer de orientação

João Pedro Barroso do Nascimento: plano de conseguir orçamento fixo garantido para CVM com maior proximidade do governo (CVM/Divulgação)
João Pedro Barroso do Nascimento: plano de conseguir orçamento fixo garantido para CVM com maior proximidade do governo (CVM/Divulgação)

Publicado em 8 de agosto de 2022 às 11:23.

Última atualização em 8 de agosto de 2022 às 12:26.

O advogado societário João Pedro Barroso do Nascimento, de 41 anos, assumiu a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) com a missão de modernizar sua estrutura, tanto com orçamento para tecnologia como em pessoal. O caminho para isso, no seu entendimento, é um maior diálogo da casa junto ao governo, para ajudar na implementação de políticas públicas. Acredita com força que o regulador não deve se isolar institucionalmente. “Quando as pessoas se relacionam mais de perto com a CVM, a percepção passa a ser maior de que essa necessidade é uma questão cada vez mais em pauta”, diz o sucessor de Marcelo Barbosa, escolhido pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.

Embora o pleito seja legítimo e agrade o mercado, de forma geral, o discurso de maior interação com o governo causou arrepios em alguns participantes. O temor é que, de tão próxima, o Planalto decida mexer na autarquia. Para além da discussão de “autonomia e independência”, que Nascimento diz serem premissas, o receio é estrutural. O governo, qualquer que seja ele, poderia, no lugar de partir para a divisão do mercado inspirada no modelo Twin Peaks — concentrando em órgãos separados os regimes prudenciais e de fiscalização — tornar o regulador “mais um departamento” do Banco Central. De qualquer forma, a percepção é que ele conseguir avançar na agenda orçamentária, será uma conquista relevante de seu mandato, que termina em 2027.

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“Estamos trabalhando numa agenda de 100 dias, para conquistas rápidas, que pretendemos fazer com base nessa agenda de interlocução que já se iniciou por ocasião da definição de quem seria o presidente. E na sequência, vamos trabalhar com uma agenda de 50 anos — que, na verdade, já se iniciou muito antes da minha chegada, pelos meus antecessores. Mas para chegar lá na frente, a CVM precisa estar forte e preparada.”

Quando o tema é uma pauta mais ampla, com outros agentes de governo, Nascimento destaca logo de cara a agenda verde, de sustentabilidade, e como a autarquia pode participar do desenvolvimento do mercado para créditos de carbono, metano e concluir uma regulação específica para o Fiagro, “com um carinho especial pelo de baixo carbono”. Ainda nessa agenda, o novo presidente quer incluir esses novos ativos na reforma da Instrução 555 (confira aqui mais sobre o tema). Por isso, vê espaço para aperfeiçoar o material que foi deixado, muito próximo do estágio de publicação, pelo antecessor Marcelo Barbosa.

Advogado societário, formado pela PUC-Rio e professor de Direito na FGV-Rio, Nascimento destaca que dar aula é o que mais gosta de fazer. E que a agenda verde não é a única coisa que têm em mente, logo de cara, para a frente de regulação. Autor de livros e diversos artigos sobre mercado de capitais, já em suas obras sinalizava que o assunto “conflito de interesses” merece um parecer de orientação. O tema está em análise.

Assim como gosta de direito societário, o novo presidente da CVM também adora novidades. Entre os temas que já sabe estar em sua agenda regulatória, estão o marco legal das startups e também algo não invasivo, talvez por meio de um parecer de orientação, para ativos cripto.

“Quando surgem novos mercados, a gente tem de dar espaço e então entender o que precisam para que funcionem de maneira eficiente. Lembrando que em todos, haverá maus agentes e bons agentes. É assim em tudo. Quanto mais organizado, previsível, mas numa agenda liberal, maior é chance de que os melhores players prosperem. Caso contrário, darei ferramentas para que os menos aderentes às regras prosperem.”

Aliás, na esfera da tecnologia ligada ao universo cripto, Nascimento tem várias frentes de entusiasmo, em especial, pela versatilidade do blockchain. “Tem uma questão que não tem nada a ver com as empresas abertas, mas é um tema sistêmico macro, que me interessa. Até hoje, controlamos a propriedade das empresas não listadas, com base nos livros societários por escrito, temos a presunção de que a titularidade das ações é a que está escrita neles. Isso é do tempo da caverna e abre espaço para muita insegurança. Não apenas por fraude, mas por erros comuns também. A solução para isso, na minha visão é o blockchain.  Ele resolve vários problemas: escrituração, custódia, entidades depositárias.”

Confira a seguir a entrevista do EXAME IN com o novo xerife do mercado:

Você chegou com uma postura diferente de seus antecessores todos, de querer mais proximidade com o governo. Por quê?

João Pedro Barroso do Nascimento: A abertura ao diálogo é extremamente importante. Tenho de ser capaz de dar as mãos para a iniciativa privada, mas tem de estar preparado para estender um outro braço para uma relação um pouco maior com instituições governamentais. A CVM precisa estar inserida nesse ecossistema. Respeitada a nossa independência e autonomia, não podemos nos isolar. A autarquia pode ser utilizada, de várias maneiras, como um instrumento para ajudar a implementação de políticas públicas relacionadas ao desenvolvimento do mercado de capitais e ao fomento de novos mercados. Há várias agendas, muito importantes e aderentes ao que fazemos, que não somos os únicos a defender no Brasil. Tem muitas questões conciliáveis com a nossa necessidade de preservar autonomia e independência, mas que são importantes numa visão macro mais integrada.

Sei que está chegando, mas teria um exemplo?

O exemplo mais recente que eu posso dizer é a própria agenda verde, que é uma prioridade regulatória da nossa gestão, mas também do Ministério do Meio Ambiente. Estamos tentando entender de que maneira conseguimos trabalhar em conjunto para fortalecer os ativos ambientais, de vegetação nativa, do crédito de carbono, do crédito de metano e outras potenciais formas de utilização de valores mobiliários que têm a pauta verde subjacentes.

No geral, seus antecessores buscaram manter o que eles julgavam ser uma distância saudável, para evitar qualquer abertura à interferência.

Nossa independência e autonomia estão à frente de qualquer outra discussão. Mas, ao mesmo tempo, hoje a CVM tem carências estruturais muito grandes. A primeira delas é a questão do financiamento, pessoal e também por tecnologia e inovação. O atendimento dessas carências pode ser dar, dentre outros aspectos, nessa melhor comunicação institucional.

Então você vê relação entre essa interação e uma evolução de orçamento?

Quando as pessoas se relacionam mais de perto com a CVM, a percepção passa a ser maior de que essa necessidade é uma questão cada vez mais em pauta. A CVM precisa de conquistas institucionais. Não tenho estrutura de tecnologia compatível com o mercado que temos, que emprega cada vez mais tecnologia — algoritmos, robôs. De forma abrangente, em 2021, as captações no mercado primário de emissões públicas somaram aproximadamente R$ 725 bilhões, entre ações e outros títulos. No mercado secundário, esse número é mais astronômico: se for olhar o volume de negociação de ações, debêntures e cotas de fundos no mercado, chega a cerca de R$ 7,5 trilhões, no ano passado. Mercado regulado é gigante, muito rico, muito próspero e em um país com muita perspectiva de crescimento. E precisamos de um regulador igualmente preparado para atender esse crescimento. Equipado por recursos humanos e de tecnologia. Quem não pensa sobre o futuro, resolve o presente com as ferramentas do passado. Queremos projetar uma visão de CVM para o longo prazo.

Você chegou a calcular um volume que seja necessário para tirar esse atraso?

A maior necessidade da CVM hoje é previsibilidade. Quando falamos das nossas carências orçamentárias, eu não preciso sair de uma autarquia que tem um orçamento tão apertado, para uma com centenas de milhões nos seguintes. O que eu preciso é previsão. Como eu sou um órgão da administração pública, até mesmo meu regime de contratação exige essa organização. Para fazer os contratos de projetos para 2023 e 2024, eu precisaria saber hoje o que eu terei à disposição. É cedo para eu te passar o número que preciso. Quero fazer essa avaliação de forma responsável, escutando as áreas técnicas. Temos um superintendente de planejamento, o Daniel Valadão, que nesse momento está fazendo todos os cálculos atuariais, de qual seria o mínimo responsável que a CVM precisa, em termos de previsibilidade. Para nossa autarquia, estamos acostumados a extrair das ideias, o dinheiro que não se tem do bolso. Mas isso tem limite.

Essa questão orçamentária, então, é pilar para o plano de 50 anos, correto?

A ideia do plano de 50 anos é identificar as maiores carências da casa e como conseguimos implementá-las no tempo. No tema financiamento, a Lei nº 6.385, de 1976, desde 2001, tem uma série de previsões de como a CVM pode financiar suas aquisições. Uma delas é a taxa de fiscalização, que é um tributo vinculado, uma contrapartida a esse serviço desempenhado pela casa. Se eu pudesse de alguma maneira trabalhar um montante específico, vindo da taxa de fiscalização, seria muito bom.

Isso custa eficiência?

Eficiência, saúde, sono e muitas coisas que não há preço para definir. Eu nem me preocupo com percentual específico. Também não preciso de todo volume da taxa de fiscalização. Se eu tivesse tudo, que é um valor bilionário, a gente nem conseguiria usar. Na administração pública, a CVM é provavelmente uma das autarquias mais superavitárias. É preciso um número que fique garantido e que, de tempos em tempos, esse valor seja revisado, não um percentual.

Mas por que não um percentual?

Eu tenho necessidades: orçamento ordinário e extraordinário. Se eu tivesse previsibilidade para o extraordinário, eu tenho certeza que a minha casa vai saber usar isso da forma mais eficiente possível. Nós somos uma escola de educação financeira. Meu pleito é um número absoluto, responsável, calculado de forma matemática de quanto precisamos para implementar um plano de longo prazo. Todo valor extra que sobrasse desse montante iria para a União e, se por acaso eu não usasse tudo, também seria devolvido.

Se pudesse exemplificar algo que simbolize a deficiência de tecnologia, há exemplo concreto?

Tenho sim. Não temos Wi-Fi no prédio.

A questão do orçamento é a mais relevante que vê para sua gestão?

A minha gestão tem desafios em esferas diferentes. O principal deles é atender as carências nesses três pilares: financiamento, pessoas e tecnologia. Essa é a visão executiva. Para a frente regulatória, entendo que as necessidades mais prementes são o marco legal das startups, tornar o funcionamento da casa mais simples, moderno e eficiente para quem usa, a desburocratização, em continuidade ao trabalho do Marcelo Barbosa [antecessor], a agenda verde. E também a agenda cripto.

Mas aí qual seria o papel da CVM, já que não são ativos regulados?

A CVM não interferirá de forma invasiva no universo dos criptoativos. Mesmo porque vários pedaços disso não estão com a CVM. A parte que trata de moeda está com Banco Central e outras questões, propositalmente, não devem ser reguladas. Mas cabe a CVM, na parte que a toca, trazer estabilidade para o mercado. E esse é um plano que temos, para passar um direcionamento sobre o tema. A autarquia tem instrumentos.

Pode dar um exemplo do que está sendo pensado?

Regular cripto seria hoje, em qualquer contexto, colocar a carroça na frente dos bois. A regulação é um ato secundário, que pressupõe a existência da lei. Hoje, no Brasil, tem projetos de lei no Senado Federal discutindo a temática cripto. Mas tenho instrumentos outros para orientar o mercado, para começar a trazer estabilidade. Penso na conveniência de se expedir um parecer de orientação sobre criptoativos.

Agora, indo mais para o direito societário. Tivemos um mercado, durante muito tempo, formado por companhias com dono, um sócio ou um grupo majoritário. Mas desde a revitalização do mercado, em 2004, temos cada vez mais empresas pulverizadas no mercado. Nossa lei e nossa regulação estão preparadas para esse ambiente?

Eu tenho tremendo entusiasmo pelo surgimento de companhias organizadas com dispersão acionária. Algumas pessoas dizem que nossa legislação societária não está pronta para esse movimento. Mas eu queria dizer que nossa legislação societária é maravilhosa. Ao mesmo tempo, a concentração acionária, que é muito criticada, algumas vezes, também merece vários elogios. Há um estudo de Harvard em que o excesso de dispersão acionária do mercado americano é criticado. Todas as vezes que vemos um contexto de crise ou de pequena prosperidade, existe a ideia de as pessoas se socorrem na figura personalíssima do controlador. Inclusive para responsabilizá-lo por eventos corporativos que são até mesmo da sociedade, e não propriamente dele. Não cabe à regulação nem forçar o surgimento das empresas com dispersão, nem valorizar aquelas com concentração. Cabe à regulação estar preparada para atender às necessidades com o formato que elas escolherem na formação de sua estrutura de capital.

O Brasil é país paternalista, não é?

Quantas são as companhias abertas brasileiras que não tem nenhuma vinculação com o estado? Mas nenhuma, mesmo. O Estado não é acionista, não é credor, não é cliente, não tem as autarquias como reguladores setoriais. Muito poucas mesmo.

Na parte de jurisprudência, temos um grande vai-e-vem nas decisões de colegiado sobre conflito de interesses. Qual sua visão sobre essa situação e seu entendimento do tema?

Tenho um artigo pronto, mas que até hoje acabou não saindo do papel. Chama-se: ‘O movimento pendular das decisões do colegiado da CVM’. Eu também queria fazer um parecer de orientação sobre esse tema. Mas em um artigo que publiquei, chego a falar do assunto. Eu cito todas as decisões sobre esse tema, desde 2004. Então, termino assim: ‘conforme se pode notar das decisões elencadas acima, o tema sobre a utilização do critério formal ou material na decisão do alcance do tema conflito de interesses, ainda se encontra incerto e vacilante. A incerteza gera insegurança jurídica para os regulados integrantes do mercado de capitais, em geral, razão pela qual entendemos que um parecer de orientação da CVM é bem-vindo sobre esse assunto.’ Mas, vamos lá, o que faz o movimento pendular não é uma discussão de fundo, é a composição do colegiado, que é alterada de tempos em tempos.

Mas e a sua interpretação, qual é?

O conflito substancial tem vários problemas. Mas ainda não se concebeu uma forma melhor de resolver o problema do que esse critério. O artigo 115 [da Lei das Sociedades por Ações] é muito polêmico. Dentro do mesmo dispositivo, a gente tem: uma regra de abuso, duas de proibição, e duas de conflito lato sensu. É um saco de gato. Se a Lei nº 6.404/76 merece todos os elogios do mundo, em alguns pontos, ela precisa de algumas atualizações. A melhor maneira de endereçar essa instabilidade, seria uma revisão da lei. O assunto merece um carinho especial.

 

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