Na Natura &Co, uma tentativa de solução traz atenção para o problema da Avon
Mais uma reviravolta numa longa reestruturação, pedido de recuperação judicial de subsidiária busca isolar passivos – mas sublinha o desafio da Avon International
Publicado em 13 de agosto de 2024 às 15:24.
Última atualização em 13 de agosto de 2024 às 15:37.
“Lá vem surpresa outra vez”: a frase resume a reação de boa parte dos investidores Natura ao ler o balanço do segundo trimestre deste ano – que veio acompanhado de um pedido de recuperação judicial da Avon Products, a subsidiária responsável pela operação internacional da Avon.
Num momento em que a empresa estava voltada ao “back to basics”, com a consolidação das operações de Natura e Avon na América Latina, após anos de uma tentativa frustrada de internacionalização, o movimento fora do script chamou atenção.
SAIBA ANTES: Receba as notícias do INSIGHT pelo Whatsapp
O negócio da Avon Internacional – que inclui os países fora da América Latina e dos Estados Unidos – é o mais desafiado dentro da estrutura da Natura &Co, e basicamente o único resquício da tentativa de conquistar mercados fora do Brasil e dos países vizinhos.
A sinalização, até então, era de um plano para fazer o spin-off deste segmento – um negócio que precisa de uma revitalização e é muito voltado a países do leste europeu, cuja demanda enfrentou novo golpe no pós-pandemia com as guerras da Rússia e Ucrânia. A Natura já até chegou a ensaiar uma venda, mas é difícil achar comprador.
Com o Chapter 11, o plano foi colocado em suspenso. As ações da Natura responderam com uma queda violenta, de 12%, com os investidores ignorando o desempenho mais forte que o esperado no core business latino-americano da companhia.
“É um daqueles episódios ‘estraga-tese’”, diz um gestor ouvido pelo INSIGHT. Um dos papéis preferidos pelos fundos estrangeiros, em especial pela atuação em temas ESG, a ação deve continuar sofrendo nos próximos dias.
“Muitos desses fundos têm restrição em investir em empresas em recuperação, mesmo que seja uma subsidiária. E, com posições muito grandes, fica difícil eles fazerem a saída com uma queda de 12%”, avalia o gestor.
Mais que o efeito técnico, o movimento da Natura & colocou a cisão em xeque, ao menos no médio prazo. “Tinha muita gente comprada nessa tese do spin-off, de olho em ficar com um ativo mais limpo”, pondera um outro investidor.
No balanço no segundo trimestre, a Natura &Co precisou fazer write-offs da ordem de R$ 765 milhões na linha de imposto de renda, uma vez que os ganhos futuros que imaginava já não são mais possíveis.
Esses ajustes não têm efeito caixa. Outros ajustes contábeis ainda devem acontecer nos números do terceiro trimestre, de acordo com o CFO.
A origem do problema
O Chapter 11 é uma tentativa de solução, isolando os passivos da Avon International na subsidiária e trazendo os ativos operacionais da companhia para dentro da estrutura de Natura &Co.
Mas acabou colocando luz sobre o problema do tamanho dos passivos da subsidiária – que, de certa forma, se somam à sucessão de erros ao longo do processo internacionalização.
Quando comprou a Avon, os passivos da API eram muito baixos, afirmou Guilherme Castellan, CFO da Natura, essencialmente custos com advogados. Criada 1886, a Avon Products International tinha dívidas e passivos jurídicos, ligados a acusações de problemas de saúde pelo uso de seu talco, anteriores à aquisição pela Natura.
Desde então, no entanto, os casos na Justiça americana contra as empresas de higiene e beleza por problemas de saúde que poderiam estar relacionados ao uso de talco não pararam de crescer. Além da Avon, a Johnson & Johnson enfrentou acusações do tipo. Em maio, a J&J se dispôs a pagar US$ 6,5 bilhões para encerrar disputas judiciais.
No caso da Avon, o problema é menor do que o da concorrente. Mas ainda assim, o efeito da judicialização foi o de uma bola de neve para a API, o que aumentou consideravelmente os custos com advogados e levou a Natura a colocar cada vez mais recursos na empresa apenas para essas despesas. Em 2022, a companhia chegou a ser multada em US$ 46,3 milhões, depois de uma mulher afirmar que produtos da companhia à base de talco teriam contribuído para desenvolvimento de câncer.
Hoje, a Avon detém US$ 1,29 bilhão em dívidas com a Natura &Co, fazendo da holding sua maior credora.
A tentativa de solução
A partir do momento em que a Avon Products entra com o processo de Chapter 11, a Natura &Co perde o controle sobre a companhia, que também é obrigada a colocar à venda seus ativos.
Segundo fato relevante divulgado na noite de ontem, a Natura &Co vai apoiar a subsidiária com um financiamento de US$ 43 milhões na modalidade DIP (debtor-in-possession) e fará uma oferta de US$ 125 milhões pelos ativos da Avon International, por meio de um processo de leilão supervisionado pela corte judicial. (Na prática, é pouco provável que haja outros interessados pelo ativo. A Natura &Co já sondou mercado diversas vezes nos últimos anos, sem sucesso.)
Para essa oferta, a Natura &Co pretende usar alguns de seus créditos existentes contra a API como contraprestação.
“Temos destacado que nosso potencial de crescimento vem da América Latina, mas temos feito investimentos e trabalhado em rentabilizar operações que acreditamos ter maior potencial, como Turquia e Romênia, por exemplo”, defende Barbosa.
Apesar da reação amarga, vários gestores apontam a operação como uma boa solução, deixando os passivos numa casca e os ativos operacionais dentro da empresa. A grande questão é que ela depende da aprovação da Justiça americana para dar certo.
No ano passado, a Justiça americana negou o pedido da J&J que também alegou problemas de saúde financeira por causa das ações judiciais que enfrentava. O caso tinha uma particularidade: a companhia criou uma subsidiária para ficar com os passivos, enquanto na Avon, a estrutura já existia.
A Natura afirma não ser possível prever o deferimento do pedido, mas acredita não ser um caso “complexo” e tem sinalizado confiança de que ele seja aprovado.
“Se a Justiça não aprovar, ficou claro que existe um problema do qual não sabemos exatamente o tamanho, em cima de um turnaround muito difícil para a operação internacional”, resume um gestor.
Além disso, diversos gestores ouvidos pelo INSIGHT apontam a falta de clareza nas movimentações da companhia. “São muitas idas e vindas numa reestruturação que já se arrasta há anos. Fica aquela sensação: quando isso acaba? E qual vai ser a próxima surpresa?”
Saiba antes. Receba o Insight no seu email
Li e concordo com os Termos de Uso e Política de Privacidade
Raquel Brandão
Repórter Exame INJornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado
Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.