Meli: a estratégia do Mercado Pago para ser reconhecido como banco digital
Financeira do Meli vai lançar maior campanha de marketing no Brasil em setembro
Publicado em 30 de agosto de 2022 às 08:14.
Última atualização em 30 de agosto de 2022 às 08:44.
O Mercado Pago, a fintech do Mercado Livre, quer deixar a imagem de meio de pagamento para trás e se consolidar como banco digital. É essa a síntese da mensagem de Pethra Ferraz, vice-presidente de marketing para América Latina, em sua primeira entrevista no novo cargo — assumido em janeiro deste ano. A receita para coordenar essa virada aos olhos do consumidor envolve um caminhão de investimentos em publicidade: no Brasil, a fintech vai veicular uma nova campanha em setembro. Marketing é o maior orçamento da área para o ano, mas os números exatos são segredoda empresa.
Ainda sem data exata prevista, o que dá para adiantar é que serão vídeos com foco em reforçar que o Mercado Pago oferece soluções completas para atender a todos que precisam de um banco. Para tirar a ideia do papel, narrativas fáceis de entender devem tomar voz na hora de explicar conceitos como CDB, rendimento de conta e principalmente crédito. Neste último, por exemplo, será relacionado o uso da ferramenta de empréstimo para comprar uma blusinha e fazer um look nas redes sociais.
"A fintech do Mercado Livre é um termo que muita gente não entende, não conhece. Agora, essa foi a forma que encontramos de trazer transparência ao que fazemos e de contar essa história para o maior número possível de pessoas. É algo que certamente atende ao nosso objetivo de crescer de forma acelerada nos próximos anos”, diz Ferraz, ao EXAME IN. A executiva não traz nenhum número para parâmetro, mas se limita a afirmar que os planos não incluem desacelerar o ritmo visto até aqui.
O ‘pé no acelerador’ fica mais claro levando em consideração os resultados do Mercado Pago até aqui. A vertical nasceu há quase 20 anos dentro da empresa para solucionar um problema de transação comercial: antes dela, era necessário que comprador e vendedor do Mercado Livre se comunicassem e decidissem entre si qual meio de pagamento seria utilizado. Solucionado o problema, a unidade de negócio permaneceu com essa função única e exclusiva até 2011. Foi o ano em que a empresa viu a oportunidade de se remodelar para oferecer o serviço de processamento de pagamentos para outros varejistas digitais. Tudo permaneceu assim até 2015, período em que o Mercado Pago entrou no segmento de maquininhas e lançou o próprio aplicativo — que viria a se tornar, hoje, uma conta corrente completa.
Para não perder o fio da meada em meio a tanta novidade, Túlio Oliveira, vice-presidente do Mercado Livre e líder do Mercado Pago no Brasil, afirmou ao Exame IN em março deste ano que o DNA de empresa de tecnologia dá suporte para testar e errar hipóteses de forma acelerada. "Temos uma plataforma de milhões de clientes e muita informação. Conseguimos tratar essas informações e identificar perfis de risco e de comportamento de compra, que muitos dos nossos concorrentes não têm. Além disso, o Open Finance nos dá segurança para aperfeiçoarmos cada vez mais esses modelos”, disse o executivo. Esse potencial combinado, inclusive, entre Mercado Livre e Mercado Pago, é o que o faz ser enfático ao ressaltar que não há planos de a vertical financeira seguir um caminho separado ao da empresa-mãe. “Somos mais fortes juntos”.
O que não significa, entretanto, que Mercado Pago não possa ficar maior do que o próprio Meli ao longo do tempo. Hoje, estimativas de analistas apontam que um terço do valor da empresa de e-commerce, que fechou ontem avaliada em US$ 44 bilhõesna Nasdaq, já vem da empresa de pagamentos. No Brasil, quase metade (48%) da receita vem da vertical financeira, de acordo com Ferraz.
No segundo trimestre, a receita líquida total do Meli foi de US$ 2,6 bilhões e, desse total, US$ 1,45 bilhão veio do Brasil, ou seja, 56%.
A robustez do crescimento ao longo do tempo permite à companhia avançar. Mais do que isso. No momento em que fintechs de bancos digitais se esforçam para convencer o mercado da própria gestão de risco e tentam ganhar escala para melhorar margens — Nubank e Inter que o digam — o timming para a nova campanha parece uma oportunidade de ouro.
Entrando nos detalhes das peças, dá para diferenciar um objetivo diferente para cada país em que a publicidade estiver presente, em substituição ao padrão da vertical, de ter uma campanha única para toda a América Latina. Enquanto no Brasil o foco será em mostrar produtos e de garantir que o Mercado Pago tem tudo que um banco digital precisa, na Argentina o esforço será mais de manutenção da liderança da marca com um viés local e de reforçar o pioneirismo da companhia. Por fim, no México, dá para dizer que está um desafio e tanto: convencer a maior parte da população que o dinheiro digital é tão seguro quanto o físico, ainda utilizado por mais de 70% da população para fazer pagamentos.
O objetivo é o de conquistar clientes com muito foco e parcimônia, segundo Ferraz. Questionada a respeito do possível aumento de inadimplência, a executiva ressalta o mesmo argumento trazido pelo chefe da divisão brasileira em março: modelos conservadores de crédito para não perder a mão da rentabilidade em meio ao crescimento acelerado. Não custa lembrar que, em julho deste ano, o Goldman Sachs concedeu US$ 233 milhões em uma linha de financuamento justamente essa frente dentro da empresa, um capital que se seguiu aos US$ 375 milhões do Citibank em 2021 e a outros R$ 400 milhões em 2020 também vindos do Goldman.
Nos resultados do segundo trimestre, o Mercado Livre deu alguma dimensão da segurança dessa avenida de crescimento aos acionistas. A carteira de crédito, de US$ 2,7 bilhões, está 230% maior na comparação anual, impulsionada principalmente pelo crédito à pessoa física (era de US$ 427 milhões no segundo trimestre de 2021 e passou para US$ 1,4 bilhão em 22). Hoje, são 38 milhões de usuários únicos na plataforma, aumento de 26,3% ante o ano anterior.
Diante de tamanho crescimento, a companhia destaca no relatório que o modelo de crédito é altamente automatizado e que a empresa oferece crédito a 10 milhões de usuários com uma exposição média de US$ 150 por pessoa. Além disso, os empréstimos são de curta duração, o que permite ajustes igualmente rápidos. Indo direto aos números, o total de pagamentos vencidos no segundo trimestre foi de US$ 666 milhões, cifra 62% maior do que a registrada no mesmo período do ano passado. Ou seja, até agora, a companhia está conseguindo crescer de forma sustentável.
Além dos serviços de crédito para pessoa física e jurídica (clientes do Meli), a empresa desenvolveu uma série de produtos especialmente nos últimos dois anos: empréstimo digital, seguros, benefícios corporativos e, recentemente, criptoativos. “Desde 2019, quando obtivemos a licença de instituição de pagamentos, estamos em uma velocidade de desenvolvimento de produtos super acelerada. Nos últimos 24 meses, foram mais de 40 disponibilizados ao mercado e só neste ano foram nove. Temos um portfólio completo, robusto, e que consegue atender a todas as necessidades de qualquer cliente que precise e uma relação com uma instituição financeira”, diz Ferraz.
As inovações mais recentes liberadas ao mercado, antenadas com o conceito da Web 3.0, incluem a Mercado Coin, cripto própria da empresa desenvolvida em parceria com a Ripio, além de um seguro para acidentes pessoais que custa entre R$ 12,19 e R$ 46,35, e CDBs que rendem 150% do CDI. Em uma comparação mais direta da conta do Mercado Pago com a de outras fintechs, a vertical do Meli não aumentou o percentual de rentabilidade da conta, mas também não deixou a liquidez diária de lado — uma estratégia adotada por outras fintechs especialmente neste ano.
Diante de tanto foco e lançamentos, o dia em que o Mercado Pago será maior que o Mercado Livre está cada dia mais perto.
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