Felipe Salto: Pacote de corte de gastos é insuficiente, mas vai na direção correta
Economista vê pacote desidratado e que chega até cerca de 60% da economia prometida; mas critica "viés de confirmação" na reação do mercado: "ignorar as medidas que têm efeito fiscal relevante é um erro"
Natalia Viri
Editora do EXAME IN
Publicado em 28 de novembro de 2024 às 12:19.
Última atualização em 28 de novembro de 2024 às 14:47.
O pacote fiscal anunciado ontem à noite pelo governo é insuficiente para conter a relação dívida/PIB no médio prazo e para assegurar o cumprimento das metas de superávit primário de 2025 e 2026, mas vai na direção correta ao mexer em pontos sensíveis do gasto obrigatório.
A avaliação é de Felipe Salto, economista-chefe da Warren e um dos maiores especialistas em contas públicas no país, com passagem pela Instituição Fiscal Independente do Senado e como Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo.
Crítico ao "viés de confirmação" do mercado, ele aponta que o principal problema foi a forma como a comunicação foi feita, ao misturar o anúncio do pacote com a isenção no Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil com a contenção de gastos.
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Isso confundiu as narrativas – importantes retomar a credibilidade em momento de expectativas desancoradas – e deve seguir pressionando os prêmios de risco, que já se traduzem no dólar próximo ao patamar de R$ 6 curvas de juros a termo perto de 14% para o próximo ano.
Na avaliação do economista, ainda que com pontos positivos, o pacote anunciado ontem não deve chegar aos R$ 70 bi de contenção de gastos. Nas suas estimativas, o corte deve chegar a apenas 63% do anunciado, ou R$ 45,1 bilhões – R$ 19,2 bilhões em 2025 e R$ 25,9 bilhões em 2026.
Alem disso, há um grande risco de isenção para o IR até R$ 5 mil não ser de fato compensada pela tributação para rendas acima de R$ 50 mil, como preconizado pelo governo.
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"Seria preciso uma tributação bastante alta, com alíquotas diferenciadas, a partir de R$ 50 mil. A segunda razão é o Congresso. Ele vai aprovar as duas partes ou só a parte boa, digamos assim? Esse é um risco bastante evidente.
A seguir, a entrevista com o economista, feita na manhã desta quinta-feira (28):
Qual sua avaliação mais geral anúncios do pacote?
O pacote contém ações corretas, que mexem em pontos sensíveis do gasto obrigatório, mas não na intensidade necessária para estabilizar a relação dívida/PIB em dois ou três anos. Também é insuficiente para permitir o cumprimento das metas de 2025 e 2026 para o primário. A questão da isenção do IR maculou tudo isso também. A compensação é incerta e o custo pode acabar prevalecendo. A Fazenda calcula em R$ 35 bi, nós, em R$ 45,8 bi.
O governo está contando com uma economia de R$ 70 bilhões até 2026. Você acha possível chegar a esse patamar?
Não acho. Por ora, temos visto algo próximo a 50% a 60% disso. Mesmo o valor de R$ 70 bi seria insuficiente, vale dizer. Esse é um problema. De todo modo, a reação do mercado, negativa como está, tem a ver com a questão da mistura do tema do IR com o tema da contenção de gastos. Falo isso porque as medidas, mesmo insuficientes, são positivas, vão na direção correta.
A isenção de IR até R$ 5 mil pode, de fato, ser compensada pela tributação maior acima de R$ 50 mil?
É bastante difícil por duas razões: seria preciso uma tributação bastante alta, com alíquotas diferenciadas, a partir de R$ 50 mil reais. A segunda razão é o Congresso. Ele vai aprovar as duas partes ou só a parte boa, digamos assim? Esse é um risco bastante evidente.
Ela adiciona um componente de demanda forte e pressiona a política monetária num momento de juros já bastante elevados. Qual o impacto que isso deve ter na Selic e na inflação?
Se houver neutralidade, é indiferente para a política monetária. Se houver. Além disso, o câmbio poderia ajudar, desde que o prêmio pelo risco diminuísse, o que vai ser mais difícil, dada a confusão no anúncio, ontem, com essa mistura dos temas de gastos com o tema do IR.
Muitos economistas estão falando que esse pacote tem vida curta, pois não resolve questões de maneira mais estrutural e ap1enas dá um alívio momentâneo. É também a sua leitura?
Não. Isso é um claro exagero e beira ao chamado viés de confirmação. Eu mesmo critico a forma como o pacote foi divulgado em razão dessa inserção do tema do IR na jogada. Mas daí a ignorar as medidas que têm efeito fiscal relevante, é um erro. É preciso separar o joio do trigo. O pacote é insuficiente, mas ele contém medidas corretas e que produzirão efeito fiscal relevante.
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Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.