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Esses gestores lançarão um fundo para ir às compras em meio à crise

Apesar dos efeitos do coronavírus serem ‘imprecificáveis’, Daniel Lemos e Marcos Gonçalves preparam lançamento do primeiro fundo do Riza Asset Management

Lançamento de fundo ocorre enquanto um terço da população mundial está confinada (Viaframe/Getty Images)
Lançamento de fundo ocorre enquanto um terço da população mundial está confinada (Viaframe/Getty Images)

Publicado em 28 de março de 2020 às 13:18.

Última atualização em 1 de abril de 2020 às 15:38.

Com a maior crise econômica global do pós-guerra batendo à porta, como consequência da pandemia da covid-19, Daniel Lemos prepara o lançamento do primeiro fundo da Riza Asset Management na próxima terça-feira (31). Lemos se uniu a Marco Gonçalves, fundador da butique de fusões e aquisições Riza Capital, no ano passado para estruturar e liderar a gestora. A estreia das operações foi no início de fevereiro, com capital próprio. A filosofia para o momento é quase socrática: só sei que (quase) nada sei.

Enquanto a conversa com a EXAME acontecia, no início da noite de sexta-feira, 27, a Agência France Press noticiava a conta: um terço da população mundial está confinada. “Nunca se viu nada parecido na história, desde a Segunda Guerra Mundial”, disse Lemos. Apesar da falta de previsibilidade, a experiência de Lemos no mercado de crédito permite clareza de parâmetros em um momento no qual o futuro da economia – e até das estruturas sociais tal qual conhecemos hoje – é totalmente incerto.

A primeira carteira que será aberta para captação será do Riza Daikon, multimercado com dedicação maior ao crédito privado. A partir do dia 31, o fundo estará nas plataformas do BTG Pactual, antiga casa de Gonçalves, e da XP Investimentos, sociedade que Lemos deixou no início do ano passado. Há outros fundos prontos e novos lançamentos podem ocorrer em abril.

“Nossa visão para os fundos é de bastante cautela porque os efeitos secundários desse momento são ‘imprecificáveis’”, explica o gestor, deixando claro que nessa circunstância a carteira precisa manter entre 30% e 40% de caixa, ante um percentual de 15% a 20% para cenários de normalidade. “Com caixa quero dizer LFT, certo”

Com a calma de quem é comprador nesse cenário, a dupla conversou com a EXAME sobre o momento atual e as medidas que o governo vem adotando, após mais um pacote anunciado na sexta-feira. Enquanto as demais carteiras estão sofrendo saques em volumes sem precedentes, a Riza Asset não possui passivos, ou seja, obrigação de vender a qualquer preço para entregar dinheiro ao cotista que pediu para sair, e pode montar suas posições em momento de liquidação. Eles podem, portanto, ter o luxo da tranquilidade mesmo pessimistas.

Nesta sexta-feira, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, contou que a instituição, de forma inédita no Brasil, vai atuar como compradora de títulos de dívidas de companhias no mercado, a exemplo do que já o FED, o que demandará uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Além disso, vai também dar sustentação aos bancos comerciais como comprador de créditos que forem organizados na forma de fundos de investimento. São medidas com impacto direto no mercado de crédito, mas em proporção ainda desconhecida.

Na opinião da dupla, será necessário muito dinheiro para dar conta do cenário. “Estamos precisando de uma bazuca, e o governo até agora veio de estilingue”, disse Gonçalves, famoso pelas comparações que faz em situações difíceis. “A economia real não se tira e coloca da tomada como se fosse um computador. Na crise do apagão de energia, em 2001, as elétricas levaram anos para ver o mesmo nível de consumo retomar. A população aprende a economizar, muda os hábitos. As coisas não voltam ao normal imediatamente”, completou ele.

Abaixo, os principais trechos da conversa com Lemos e Gonçalves, por tópicos:

Companhias e ações

“Vemos muita gente tentando colocar preço em ações. Não temos a capacidade de saber se mercado está caro ou está barato. Não existe modelo para o atual cenário. A única convicção nossa é que ainda haverá muita, mas muita volatilidade, com notícias de aceleração de casos [da covi-19] e novas medidas econômicas e a percepção de que os efeitos do lockdown são maiores do que o estimado. Por isso, não dá para montar posições.

Estamos operando pequeno, no intraday, e nos excessos – dias com maior otimismo ou pessimismo. Ficamos vendidos esses pregões de bolsa em alta. Você passa o dia agoniado. Mas não tem jeito: no final do pregão, o pessoal aparece e vomita posição.

As companhias todas vão estourar seus limites de endividamento. Viveremos a combinação de alta do dólar com a redução da geração de caixa, fruto da redução da demanda pela queda na atividade econômica. A linha da dívida vai explodir com a marcação do dólar e o caixa operacional vai diminuir.

Estamos preparando a lista dos absurdos [companhias fora do preço, excessivamente descontadas], mas ainda não é hora de montar posição long.

A capacidade das companhias de tomar dinheiro no mercado vai ficar comprometida não só pelo custo, mas porque haverá um crowding nos bancos, que não estão preparados para todas as empresas irem tomar dinheiro ao mesmo tempo.

Os bancos não têm preparo e nem capacidade de avaliação. Vários já adotaram como medida aumentar a alçada para volumes. Se antes o sujeito que concedia o crédito não precisava consultar para liberar 30 milhões de reais, agora, precisa ter aprovação para dar 10 milhões de reais.

Na verdade, vamos ficar mais lentos. O FED já aprendeu em 2008. Na hora que ele faz injeção de liquidez nos bancos e eles estão mais conservadores do que estavam antes, na verdade, a velocidade diminui. O banco está com liquidez e começa a se proteger.

Empresário brasileiro vai precisar aprender. Nos Estados Unidos, conversando, vimos que as butiques de reestruturação já começaram a recusar casos, de tantos que estão aparecendo. No Brasil, as companhias estão acostumadas a pedir ajuda, pedir recuperação judicial, só quando gastaram todo caixa e não tem mais nada para salvar. Será necessário fazer isso antes.”

Medidas

“As iniciativas estão na direção correta, só que com volumes muito errados, até agora. Também em nada adianta um programa atrás do outro sem termos previsibilidade para o fim do lockdown. Nós aqui temos a impressão que as pessoas não entenderam ainda o tamanho do problema e do estrago na economia real.

É preciso saber como vai funcionar o que o Banco Central anunciou, de que vai se preparar para comprar títulos de dívida das empresas diretamente no mercado. É algo que ele nunca fez aqui no Brasil. Vamos ter que ver a que taxas e quais empresas serão escolhidas, como isso vai funcionar de fato.

O tamanho dos programas conhecidos até agora não resolve nem de longe o problema. Estamos vendo casos no mercado de fundos com 3 bilhões de reais de patrimônio e que estão sofrendo 90% de resgate. Só esse gestor precisa vender 2,7 bilhões de reais em títulos de empresas.

Os bancos não estão comprando isso dos gestores independentes. É uma indústria que cresceu demais nos últimos anos. A situação tende a ficar mais difícil já que parte importante das carteiras tem resgate em 30 ou 60 dias. Por que razão alguém vai comprar os papéis agora se a pressão de venda vai aumentar? Por que vai achar que isso é ótimo? Ainda tem uma enxurrada de dinheiro para ser feita.

Aqui, estamos comprando papéis que há dois meses estavam CDI mais 0,7% ao ano com retorno de CDI mais 4,5% ao ano. Mas estamos privilegiando setores defensivos, que têm receita recorrente, e os serviços que são de necessidade básicas. Ou companhias que têm caixa para 24 meses de vida. E também estamos escolhendo papéis com duration de um ano e meio, mais ou menos. Nada muito longo.”

Distorções

“No curto prazo, teremos as decepções. O mundo vai enfrentar uma série de questionamentos sobre como o dinheiro dos diversos pacotes, de cada país, vão conseguir de fato mover a economia, como ele chega na ponta. Nossa primeira preocupação, é o efeito e a coordenação desses estímulos fiscais ao redor do mundo. O efeito pode ser bem menor do que as pessoas estão imaginando.

No cenário de lockdown, você dá um cheque para alguém, mas aquilo não necessariamente vira consumo. Pode virar poupança imediatamente. No final, está aumentando o peso fiscal, para dar dinheiro para população e para algumas empresas, para sobreviverem durante um tempo, mas que pode virar poupança. E o que não virar será consumo básico.

No médio prazo, veremos o mundo inteiro pedindo dinheiro ao mesmo tempo. Não vai ter jeito, as taxas de juros vão subir. E vemos o mesmo para dólar. A corrida por moeda vai continuar. E ainda vai ter muita confusão até lá. Já vimos dias em que as bolsas caíam e os treasuries [títulos da dívida do governo americano] abriram [aumentaram o retorno]. No geral, as pessoas saem da bolsa para comprar título de governo. Mas agora não: o dinheiro está indo literalmente para o caixa. A capacidade de estímulo monetário dos governos via redução da taxa de juros está completamente esgotada. É um cenário totalmente diverso da crise de 2008. Na verdade, é uma crise dupla – da economia real e dos bancos, quando chegarem os defaults e as renegociações das empresas.

Os bancos brasileiros, porém, estão em uma situação muito privilegiada em relação ao restante do mundo. Aqui, a liquidez das instituições é incomparável a qualquer outro lugar.

Mas tudo isso vai fazer o mundo perder os parâmetros relativos dos últimos anos. Qual será a taxa de juros adequada para o Brasil daqui alguns anos? Não sabemos. Quem sabe?

Mesmo sem saber, todas as vezes que o ‘Janeiro 25’ [título de dívida do governo com vencimento em 2025] vai para cima de 7%, a gente toma. Há três semanas, estava em 6%. Agora, já bateu 9%.”

Nesse futuro próximo, a riqueza vai ser transferida do capital para a dívida. Isso significa que, nos negócios, o dinheiro vai para o credor e não para o acionista. Em situações extremas assim, o ponto que costuma marcar a retomada e a busca pelo equilíbrio é quando os títulos de dívida de companhias muito seguras começam a oferecer retorno esperado apenas para ações, como taxa de juros mais 9% ao ano. Na Selic de hoje, isso dá 13% a 14% ao ano.

Soluções

“É preciso estudar formas de retomar a atividade e proteger os riscos. Infelizmente, não haverá como cuidar de tudo perfeitamente: da saúde e da economia. Também é preciso locais dedicados somente ao tratamento da doença. Sabemos que é grave. Temos dois sócios minoritários internados. A situação é grave, mas não há solução perfeita.

Governo vai precisar acionar o seguro e usar parte das reservas internacionais, trazendo para dentro do país parte do total que, com os ganhos desse começo de ano, já deve estar perto de 370 bilhões de dólares. É verdade que o real vai ficar um pouco mais desprotegido, mas será que neste momento vai fazer tanta diferença assim se o dólar for a 6 reais? Será que vai aumentar inflação se ninguém está comprando? Por um período, vai inclusive, nos deixar mais competitivos.

Também vamos ter de aprender a ver economias e empresas quebrarem. Desde a Segunda Guerra Mundial, nada mais pode dar errado. É incrível o que se fez na Crise de 2008. Quase ninguém quebrou. Não sabemos se isso é mesmo o certo a fazer. Quebrar é parte do aprendizado. Você quebra, aprende, reequilibra as práticas e retoma. Esse é o ciclo.”

Para quem decide. Por quem decide.

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