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ESPECIAL: Em digestão difícil do BIG, Carrefour perde share e fecha lojas recém-convertidas

Companhia prevê converter 20 hipermercados em Atacadão e Sam’s Club em 2024

Carrefour Brasil: dívida alta pressiona o papel enquanto operacional tenta se ajustar (Germano Lüders/Exame)
Carrefour Brasil: dívida alta pressiona o papel enquanto operacional tenta se ajustar (Germano Lüders/Exame)

Publicado em 10 de janeiro de 2024 às 10:44.

Última atualização em 10 de janeiro de 2024 às 16:22.

Quase três anos depois da compra, a digestão do BIG está muito mais difícil para o Carrefour Brasil do que era esperado. No último mês, a companhia vem anunciando fechamentos e venda de lojas em diferentes Estados, como Bahia, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais — incluindo lojas que pertenciam ao BIG e tinham acabado de passar pelas reformas de conversão.

É o caso, por exemplo, de Lages, na serra catarinense, onde um recém-transformado Carrefour, antes BIG, fechará. O mesmo acontecerá em pelo menos quatro cidades do Rio Grande do Sul. Por ali, também, lojas da bandeira Nacional, que passaram por uma reforma quando o Carrefour as adquiriu do BIG, fecharão.

No Ceará, apurou o Exame IN, não houve fechamentos, mas lojas de hipermercado estão sendo convertidas na bandeira Atacadão. Operações de supermercado da rede TodoDia, que também vieram no pacote do BIG, estão fechando no Rio Grande do Sul e na Paraíba, onde foi vendido, ainda, um hipermercado da rede BomPreço para o Novo Atacado de Pernambuco. O grupo pernambucano também comprou lojas da rede em seu Estado natal.

A percepção de executivos do setor é de que a empresa teve dificuldade em entrar em mercados que costumam ter muita força regional, como é o caso do Rio Grande do Sul e nos Estados do Nordeste, onde o maranhense Grupo Mateus tem conseguido ganhar musculatura com uma expansão consistente.

Supermercadistas que conseguiram se capitalizar na pandemia decidiram investir em mais lojas, o que gerou uma bolha de operações em algumas praças. “No Rio Grande do Sul, entrou muita concorrência de outros Estados, como Santa Catarina, e marcas locais também abriram mais pontos. Para o consumidor é bom, mas para o varejista, fica mais difícil de competir, porque há uma guerra de preços”, diz uma fonte ligada ao setor de supermercados.

No caso cearense, o movimento segue uma tendência forte no Estado. “O atacarejo mexeu muito com a estrutura de hipermercados e produtos da linha branca, como eletrodomésticos, passaram a ser comprados pela internet”, observa Nidovando Pinheiro, presidente da Associação Cearense de Supermercados. “Com a força dos regionais, para uma empresa de fora, talvez haja mais oportunidades nos atacarejos”.

Nas palavras de pessoas do mercado e próximas ao negócio ouvidas pelo Exame IN, ao levar o BIG, o Carrefour Brasil “comprou gato por lebre”. “As lojas eram muito deficitárias”, diz um gestor que acompanha o papel. Havia, sim, um potencial de expansão geográfica, mas a percepção é de que a postura da então diretoria executiva foi mais otimista do que deveria, inclusive para conseguir apoio da matriz.

“O problema não está nos fechamentos, que são o caminho certo. O erro foi anterior, em ter convertido lojas que tinham que ter sido logo fechadas”, diz esse mesmo gestor, que acompanha de perto a companhia.

Três anos depois, além dos fechamentos, a empresa acumula demissões. Apenas em novembro foram cerca de 500 pessoas, de acordo com uma pessoa com conhecimento da operação. “Uma empresa que desliga milhares de pessoas é uma empresa com problemas de rentabilidade. E os cortes são em volume e não necessariamente em valor, parece ser uma ordem de fora.”

À época da aquisição, o Carrefour Brasil era comandado por Nöel Prioux e tinha David Murciano como CFO. Prioux voltou para a França e foi substituído, em setembro de 2021, por Stéphane Maquaire, vindo do Carrefour Argentina. Em fevereiro de 2023, Murciano renunciou ao cargo, ocupado por Eric Alencar a partir de abril daquele ano.

Foi também naquele mês que o Carrefour Brasil fechou um acordo com a Advent e o Walmart, vendedores do BIG, para um reembolso de até R$ 1 bilhão da aquisição, pela qual pagou R$ 7,5 bilhões. O acordo veio "em contrapartida à quitação de determinadas obrigações", disse o Carrefour à época sem dar mais detalhes.

Na apresentação a investidores em 28 de novembro do ano passado, a direção da companhia buscou passar a mensagem de que o impacto negativo do BIG já está diminuindo. Passou de uma perda de R$ 216 milhões no primeiro trimestre de 2023 para uma perda de R$ 76 milhões no terceiro.

Reforçou, também, que vai continuar fazendo uma “otimização de ativos”, vendendo ou fechando lojas estruturalmente não lucrativas, com impacto esperado no Ebitda anual de R$ 150 milhões a R$ 200 milhões. Além dos fechamentos, a otimização tem a ver com as conversões. Para 2024, são esperadas 20 conversões de hipermercados em lojas Atacadão e Sam’s Club. Outras 20 conversões devem acontecer entre 2025 e 2026.

Pelos números mais atuais divulgados pelo grupo, o parque de lojas hoje é de 939 unidades, 361 são do Atacadão e 143 são hipermercados. Ao fim de 2022, os números eram 344 e 170, respectivamente.

No terceiro trimestre, o Carrefour Brasil reportou uma queda de 4% na receita bruta, para R$ 28,2 bilhões, sendo que quase R$ 20 bilhões vieram da operação de cash & carry, como é chamado o modelo de atacarejo. O faturamento da divisão ficou estável, enquanto as bandeiras de varejo recuaram 15%. Apenas o Sam’s Club reportou aumento de receita, de 9,3%. Entre os concorrentes com capital aberto e números auditados e públicos, o Grupo Mateus reportou aumento de 21% na receita bruta do atacarejo e o Assaí, 23,7%.

Principal negócio do Carrefour Brasil, o Atacadão foi afetado por uma tempestade perfeita: tinha mais pressão de custos pelas conversões, justamente quando a concorrência já estava maior em todo o mercado e o ambiente era de deflação alimentar, o que afeta negativamente as vendas e rentabilidade do atacarejo. Esse ritmo mais lento do Atacadão deixou todo a operação de Carrefour mais exposta, evidenciando as dificuldades do negócio de varejo.

“Quando o Atacadão vai bem, se consegue fazer a história positiva. Com o Atacadão entregando abaixo do esperado, o cenário é muito menos otimista. A perspectiva de que os hipermercados iam bem se dava apenas pela comparação com o Extra do GPA, mas era uma visão muito do eixo Rio-São Paulo. Tem muito hipermercado regional que funciona muito bem e consegue ser mais ágil”, observa um consultor do setor de varejo alimentar.

O calcanhar de Aquiles do Carrefour Brasil, diz um gestor ouvido pelo Exame IN, é o endividamento alto. A dívida líquida chegou a R$ 18,1 bilhões (incluindo arrendamento e recebíveis descontados) no terceiro trimestre, para uma alavancagem de 2,27x. Mas, mais do que isso, o custo da dívida está elevado. A companhia tomou empréstimo bilionário com a matriz a um custo de 15%, observa o gestor. O trabalho agora está na renegociação do custo desse passivo.

Em entrevista ao Exame IN em agosto, Maquaire e Alencar afirmaram que a perspectiva para a dívida era “positiva” e afirmaram haver “apoio incondicional da matriz”. A perspectiva de queda da Selic para 10% em 2024 diminui em 4 pontos a dívida da companhia, calculam os executivos.
Mas o peso do passivo pressiona os papéis. Nos últimos 12 meses, a ação acumula desvalorização de 21,5%, negociada a R$ 11,53.

Falta visibilidade, segundo uma pessoa de mercado ouvida pelo Exame IN, para definir o futuro do papel. “Se após os ajustes, Carrefour estiver com margens parecidas ou um apenas um pouco piores do que estava há três anos, então o papel está barato. Se ficar muito pior, daí é outra história.” Nos últimos meses, o papel tem ficado mais no radar do investidor local, acrescenta.

A companhia prevê que até o fim de 2024 as vendas por metro das lojas convertidas do BIG para o Atacadão atinjam aproximadamente entre R$ 28.000/m² e R$ 31.000/m², na base anualizada. Já a margem Ebitda por loja deve ficar entre 5% e 6%. Até o fim de 2025, a companhia espera que as vendas alcancem aproximadamente R$ 35.000/m², enquanto a margem Ebitda por loja chegue a algo entre 7% e 8%.

Procurada pela reportagem, a empresa diz que os fechamentos e conversões fazem parte do processo de revisão de portfólio anunciado no Investor Day. “Essa revisão de portfólio, minuciosamente estudada e planejada, ocorre no sentido de contribuir para o fortalecimento da posição de liderança que o Grupo Carrefour Brasil ocupa como maior varejista do país”, diz em nota enviada por e-mail.

Leia a nota na íntegra abaixo:

O movimento anunciado pela companhia faz parte do processo de revisão de portfólio anunciado em 28 de novembro de 2023, com o objetivo de adaptar os nossos formatos para que melhor atendam os clientes de cada região e que estejam mais alinhados com a estratégia de negócios do Grupo Carrefour Brasil.

Neste sentido, algumas lojas serão convertidas para outros formatos e também estão previstos alguns fechamentos pontuais.
Reforçamos que essa revisão de portfólio, minuciosamente estudada e planejada, ocorre no sentido de contribuir para o fortalecimento da posição de liderança que o Grupo Carrefour Brasil ocupa como maior varejista do país.

Como um dos maiores empregadores do país, entendemos nossa responsabilidade e estamos lidando com a atenção e com o zelo que a situação dos colaboradores merece.

Para quem decide. Por quem decide.

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Daniel Giussani

Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Formado em jornalismo pela UFRGS, escreve sobre negócios e empresas desde 2019. Foi repórter em coluna de economia no jornal Zero Hora e na Rádio Gaúcha. Está na Exame desde 2023

Raquel Brandão

Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Jornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado

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