Caso Americanas: Beto Sicupira pede fim da guerra aos credores, em primeiro contato do trio
De dinheiro mesmo, até agora, apenas garantia para empréstimo emergencial de até R$ 1 bilhão
Publicado em 7 de fevereiro de 2023 às 09:48.
Última atualização em 7 de fevereiro de 2023 às 13:54.
Beto Sicupira levantou a bandeira de paz. O empresário conversou com alguns credores relevantes da Americanas (AMER3) nos últimos dias. A companhia pediu recuperação judicial após anunciar ter encontrado R$ 20 bilhões em inconsistências contábeis que reduziram artificialmente o valor de seus compromissos. O contato, porém, não foi para negociar absolutamente nada. Foi para pedir. Ele, que faz parte do trio controlador que contém ainda Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, e era o responsável pela varejista no combinado entre os sócios, tentou estabelecer uma primeira conversa pacífica, conforme apurou o EXAME IN. Pediu um cessar fogo do clima bélico que se estabeleceu entre eles e os bancos que são detentores da dívida contra a Americanas para que seja possível a negociação efetiva de um plano para resgatar a empresa.
Sicupira não pediu nada específico. Mas também não ofereceu. Nada de concreto foi apresentado, o que causou frustração em um público naturalmente ansioso. Nenhum sinal a respeito de quanto os sócios podem dispor para o caso. O objetivo do contato foi para atender parte das críticas dos credores — investidores e toda sorte de envolvidos com o caso — de que os sócios controladores ainda não deram as caras na crise. O empresário passou uma mensagem de que o trio, criador da maior cervejaria do mundo por meio de diversas aquisições, a AB inbev, de nada sabia a respeito do que estava ocorrendo e que também teriam sido enganados. Nem mesmo ele, Sicupira, que tem cadeira cativa no conselho de administração da empresa.
A Americanas informou à Justiça do Rio de Janeiro, onde corre o processo de recuperação, ter R$ 43 bilhões em compromissos com bancos, fornecedores e trabalhistas. Só as dívidas financeiras somam mais de R$ 22 bilhões. Não está sequer claro se isso inclui as operações de risco sacado — de financiamento à compra de mercadorias. O último balanço público da empresa é do fim de setembro e já continha mais de R$ 20 bilhões em vencimentos com bancos e títulos emitidos no mercado.
Há fortes suspeitas de fraudes e a ausência dos sócios, que controlam a empresa há nada menos do que 40 anos, enfureceu os credores. A leitura do mercado é que o trio optou por seguir recomendações de advogados, no lugar de assumir de frente e rápido o caso. As “conclusões” e julgamentos a respeito disso não param de chegar. Nesta segunda-feira, dia 6, por exemplo, foi a vez do Fundo Verde, do renomado oráculo brasileiro, Luis Stuhberger, dizer que o caso é a maior fraude brasileira já ocorrida, em sua carta mensal. A gestora tinha exposição a debêntures da varejista. Pequena, mas tinha. E também foi dura a respeito da ausência dos sócios.
O contato de Sicupira não significa que ele, ou os demais sócios, tenham pretensão de conduzir as negociações. Ao contrário, sequer entre eles há conforto sobre se devem salvar a empresa ou quanto cada um desembolsaria, pois Lemann e Telles entendem que a empresa estava aos cuidados de Beto. Conforme o EXAME IN já apontou, há uma dificuldade no cálculo de quanto é a parte de cada um.
As conversas com credores, portanto, continuarão sendo conduzidas por Luiz Muniz, presidente do Rothschild no Brasil, e que há anos conhece os empresários. Está sendo considerada a possibilidade que o banqueiro passe a ser acompanhado por um representante próximo dos sócios. O escolhido seria Roberto Moses Thompson, co-fundador e sócio da GP Investimentos, de 1993 a 2004, e depois co-fundador e membro do conselho da 3G Capital desde então. O executivo é do comitê financeiro da Americanas (AMER3), o que faz com que muitos torçam o nariz para seu envolvimento. A percepção é de que todos que estão na empresa como administradores ou membros de comitês estatutários ou foram coniventes, ou omissos. Além disso, Thompson foi do conselho de administração da Americanas de 2004 a 2020. Sicupira também é membro do conselho de administração.
De concreto, em dinheiro, tudo que existe até o momento é a disposição do trio de colocar R$ 1 bilhão em um empréstimo específico para empresas em recuperação judicial, conhecido pela sigla DIP. Quem fornece o capital nessas situações passa a ter prioridade no recebimento e os créditos não entram nas condições estabelecidas pela recuperação. No caso de Americanas, dado o incômodo com qualquer situação em que os sócios ainda fiquem em vantagem frente aos credores, é possível que esse crédito possa ser transformado em um instrumento conversível em ações.
O objetivo da companhia, quando comunicou a aprovação da realização de um DIP pelo conselho de administração, era obter em torno de R$ 2 bilhões, sendo que metade disso viria de agentes de mercado. Mas, até o momento, ninguém de fora se dispôs a entrar na operação e ela deve ficar restrita, ao menos nesse primeiro momento, ao R$ 1 bilhão dos controladores. A ideia é acompanhar como será a rotina da empresa e, eventualmente, fazer novas operações se a empresa demandar, conforme a duração das negociações.
O desinteresse do mercado tem uma razão principal. Até agora, não está claro para ninguém qual o tamanho da real disposição dos 3G de salvar a Americanas. Junto com isso, não há, por enquanto, nenhuma conclusão formal sobre os acontecimentos que levaram a isso. A diretoria da varejista, que estava na empresa há décadas, levou 23 dias para ser afastada. Ainda que se compreenda o tamanho do caos interno diante do caso, os sócios, até o momento, nada fizeram para responsabilizar Miguel Gutierrez, que presidiu a companhia por 20 anos e ficou até o fim de 2022, deixando o posto para Sergio Rial, responsável por tornar público o caso, após encontrar as evidências do escândalo.
A Americanas, ainda que há anos seja o menor dos investimentos do trio, pessoalmente, ou da 3G Capital, é emblemática. Foi a compra da varejista que deu a largada em tudo, em 1982. O trio terminou por deixar de lado a atuação como banqueiros para se converter em gestores de recursos, criando um modelo cujo discurso era calcado em eficiência e meritocracia. Agora, o legado, o modelo e a cultura correm risco de serem apagados por esse episódio, que colocou em risco a sobrevivência da varejista mais antiga do Brasil, entre as líderes do setor, com quase um século de existência.
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