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Casas Bahia: “Nossa confiança e otimismo estão muito à frente do mercado”, diz CEO

Em entrevista exclusiva ao INSIGHT, Renato Franklin descarta possibilidade de recuperação judicial e diz que reestruturação vai melhor que o esperado – tanto no financeiro quanto no operacional

Franklin: Mercado mais racional em meio à demanda mais fraca contribui para ajustes (Arquivo Pessoal/Reprodução)
Franklin: Mercado mais racional em meio à demanda mais fraca contribui para ajustes (Arquivo Pessoal/Reprodução)
Raquel Brandão

Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Publicado em 19 de janeiro de 2024 às 07:31.

Última atualização em 19 de janeiro de 2024 às 10:44.

Enquanto a Americanas sucumbiu por conta de fraudes sistemáticas, a Casas Bahia talvez seja o exemplo mais emblemático da crise e dos desafios enfrentados pelas varejistas de móveis, eletroeletrônicos e eletrodomésticos nos últimos anos.  A empresa – que já foi Via Varejo e Via, antes de voltar às raízes – saiu de um valor de mercado de R$ 34 bilhões, no auge das vendas do e-commerce em 2020, para os atuais R$ 899 milhões.

A disparada dos juros travou o consumo de sus principais categorias, muito dependentes do crédito, e ao mesmo tempo deixou claro que a estratégia de abrir mão da rentabilidade para bancar o crescimento da operação online não era sustentável. O custo da dívida também disparou, alavancando o balanço.  Com as ações negociando na casa dos R$ 0,50 depois de uma queda de 80% apenas em 2023, a Casas Bahia se viu obrigada a fazer um grupamento na proporção de 25 para 1 para não sair do Ibovespa.

Egresso da Movida, de aluguel de carros, Renato Franklin, assumiu o comando em maio com a missão de fazer uma reestruturação e levar a companhia de volta ao básico para crescer a partir de 2025. O desafio era, antes de mais nada, financeiro. Um follow-on feito na bacia das almas em setembro conseguiu levantar cerca de R$ 600 milhões para dar algum respiro. Mas a dívida ainda é elevada e a empresa ainda não gera caixa, o que volta e meia traz especulações sobre uma possível recuperação judicial ou extrajudicial.  

“Tenho falado claramente que descartamos qualquer possibilidade dessas ferramentas, que não se aplicam nesse caso”, diz Franklin sobre o risco de uma RJ. A dívida, em especial de curto prazo, que soma R$ 1,8 bilhão, está concentrada em dois bancos. Ele não cita nomes – mas, segundo outras fontes, trata-se de BB e Bradesco, com quem a Casas Bahia mantém um longo relacionamento.

Do lado operacional, o executivo vende otimismo. Diz que está conseguindo entregar mais que o melhor cenário que previa em agosto – e que os avanços vão ficar mais claros nos resultados do quarto trimestre e ao longo da primeira metade de 2024. Além do fechamento de lojas e foco nas categorias core em vez da aposta em ser um player generalista – inclusive na modalidade de marketplace –, um dos principais avanços, diz ele, está na diminuição do prazo de giro de estoque, o que tem liberado bastante capital.

Veja abaixo os principais pontos da entrevista:

Em que pé vocês estão da reestruturação e o que está no horizonte da Casas Bahia em 2024?  

Já começamos a sentir os efeitos positivos do plano de reestruturação. Em quatro ou cinco meses, estamos em outra situação do ponto de vista de caixa. Claro que os ajustes têm um custo, mas arrumamos a casa para poder começar 2024 limpo. Estamos num patamar melhor que o cenário mais otimista que tínhamos em agosto [quando o plano teve início].

É um plano de dois anos e não se vira um transatlântico em um trimestre. Mas a meta é ter a companhia gerando caixa até o fim de 2024, para entrar num novo ciclo, com crescimento a partir de 2025. É um momento positivo, em que conseguimos descartar qualquer preocupação mais exagerada.   

Preocupações como uma recuperação judicial?  

De vez em quando ouvíamos isso de RJ e eu tenho falado claramente que descartamos qualquer possibilidade dessa ferramenta, que não se aplicam nesse caso. Não se aplica pela situação da companhia e muito menos por ser uma companhia de varejo com dívida concentrada em dois bancos. É um negócio muito mais organizado do que em situações em que normalmente essa ferramenta faz sentido.   

Vocês estruturaram um fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC) em novembro que deve trazer alívio financeiro, certo? Qual a perspectiva de vencimentos de curto prazo?  

Sim, entrou em torno de R$ 500 milhões na companhia em novembro também [de negociações bilaterais]. Obviamente as conversas [sobre passivo] continuam. Mas temos muito suporte dos bancos para a renovação das dívidas que vencem ao longo de 2024 e, a partir daí, passar a mostrar um balanço mais organizado do ponto de vista de liability, tirando qualquer risco da mesa.

Antes eu estava num tom mais preocupado, com muita coisa para fazer. O plano estava desenhado, mas faltava a execução.  A execução bem-feita e a saída do cenário de ‘tentar pegar tudo’ para a estratégia de voltar para o básico e focar no que se sabe fazer tem trazido eficiência de capital muito melhor até do que esperávamos.

Não tem, então, necessidade de acessar mercado para novo capital?  

Não, temos um grau de confiança grande com as alternativas. Terminamos o terceiro trimestre com R$ 2,8 bilhões em caixa e temos R$ 1,8 bilhão em dívida vencendo ano que vem. Temos caixa para pagar, mas, no nosso fluxo de caixa, não prevemos ter que pagar todas essas obrigações, porque desses R$ 1,8 bilhão, grande parte é com bancos que têm nos apoiado e temos feedback muito positivos, o que nos dá um grau de confiança de que vamos renovar essas dívidas e seguir sem imprevistos. Dessa dívida, R$ 1,1 bilhão estão na mão de dois bancos. Outros R$ 700 milhões estão no mercado e essa fatia, sim, consideramos que pagamos. 

Qual o ponto de maior ajuste: financeiro ou operacional?  

São os dois. O financeiro compra tempo e obviamente muda a percepção do mercado quando se olha um balanço mais fácil de ser lido. Mas, obviamente, se não tiver resultado operacional positivo, isso não resolve o problema. Todos os cortes de gastos que fizemos, ajuste de quadro de funcionários, fechamento de lojas, ajuste de estoque e mix são muito relevantes.

Também teve ajuste na rentabilidade do marketplace. Corrigimos bastante a comissão dos sellers, trazendo para um patamar que dê retorno. Ajustamos os gastos com marketing, reduzindo o gasto sobre receita em 30%, o que reduz muito o custo de aquisição de clientes. Era uma preocupação dos analistas e muitos ainda falam porque eles estão olhando para trás. O número já melhorou, mas só vai ser divulgado lá na frente e isso ajuda o mercado a compreender a evolução. A nossa confiança e otimismo estão muito na frente do mercado. Conforme fomos divulgando os próximos trimestres, essas expectativas vão se ajustando.

Quando vocês anunciaram a reestruturação, o plano era fechar de 50 a 100 lojas fechadas. Quantos fechamentos já aconteceram?  

Até o fim de 2023, foram fechadas 37 lojas. Deixamos algumas para fechar depois do Reveillon, Natal e da liquidação de janeiro, que é muito importante para as vendas. Ao longo do primeiro trimestre, devemos ficar mais próximos do piso do plano. E estamos recuperando muitas lojas ou conseguindo uma boa negociação de aluguel, o que nos permite ter um tempo maior para tentar reverter algumas lojas que consideramos importantes, ajustando nível de estoque e tornando-as ‘breakeven’ para que possam permanecer abertas.   

Como está sendo esse início de ano do ponto de vista operacional?

O cenário macro ainda é desafiador. Alguns indicadores passam otimismo, mas ainda não vemos isso tanto na demanda. Vemos, sim, uma evolução grande na operação da empresa. Quando olhamos para o quarto trimestre e esse início de ano, a parte de lojas físicas vem vindo de acordo com o plano e em alguns períodos até um pouquinho melhor. No online temos uma redução, que faz parte da nossa estratégia. Isso porque reduzimos categorias e alguns canais de venda que não eram rentáveis, cujo investimento era muito pesado. Então tem uma redução, mas está exatamente em linha com nosso plano.

Qual tem sido a maior dificuldade para colocar esse plano todo em prática?  

A grande questão é uma mudança cultural. Estamos com uma campanha muito forte de austeridade, foco na rentabilidade e não no crescimento. Essa é a principal transformação, como trazer isso para toda uma companhia com 1.100 lojas. Em vez de olhar para só para a venda, fazer com que o gerente de loja olhe também para o resultado que ela está deixando. E principalmente para o capital empregado, que é a grande oportunidade.  

A alavanca que mais nos surpreendeu foi a capacidade de melhorar o mix de estoque e com isso ganhar eficiência no giro do estoque. Se gira o estoque com 90 dias, tem um capital empregado na companhia em torno de R$ 5,5 bilhões a R$ 6 bilhões, se girar em 75 dias, você tem R$ 4,5 bilhões. Libera até R$ 1,5 bilhão para caixa. É muito relevante.

Quando divulgamos lá atrás o plano falamos em rodar abaixo de 90 dias e chegar perto de 85. Estamos rodando abaixo desse número há alguns meses sem ruptura de estoque. Já começamos a enxergar que tem possibilidade de construirmos novos benchmarks para os indicadores de eficiência operacional. Talvez o target de 85 dias seja até conservador e exista espaço, sim, para trabalharmos com 75 dias e aí termos uma companhia mais eficiente. Isso muda a modelagem de fluxo de caixa e de eficiência da companhia.   

A sua percepção é de que pode sair uma Casas Bahia ainda mais ajustada do que o previsto no plano?  

Sim, uma Casas Bahia mais eficiente do que prevíamos quando olhamos sobre capital investido. Do ponto de vista de margem operacional, de retorno e de negociação com fornecedores, acho que está dentro do nosso plano. Mas quando olhamos para eficiência operacional e giro de estoque, acho que temos mais oportunidade do que tínhamos visto em agosto.  

Em que lugar vai estar a Casas Bahia após a transformação do ponto de vista de concorrência?  

Nós já somos líderes nas categorias core no offline. Se soma as categorias no offline e no online, somos os líderes ou o segundo, seja celulares, refrigeradores, televisores, etc. Isso nós vamos manter. Somos os únicos voltados para as categorias core. Temos todos os outros buscando ser player generalista, com itens de tíquete médio menor. Vendemos um pouco no marketplace, mas muito pouco. Muitos dos concorrentes já vendem mais no marketplace do que no 1P deles. Nosso marketplace é cerca de 15% da companhia e mesmo nele 70% são categorias core. Não vendemos coisas muito fora do que temos no nosso portfólio, vendemos coisas complementares. Se eu vendo celular, no meu marketplace vendo acessórios de celular. 

Nesse processo todo, vocês estão perdendo muito market share?

Estamos conseguindo consolidar nosso market share nas categorias core, de linha branca, televisores e móveis. Estamos protegidos e até ganhando share em algumas delas. Agora, uma escolha nossa é não disputar market share no e-commerce como um todo. Em algumas categorias só vamos vender se fizer sentido e trouxer dinheiro. Mesmo assim, nosso marketplace já está crescendo um pouquinho. A gente queimava dinheiro com o marketplace e hoje já estamos no breakeven. Já enxergamos a possibilidade de ganhar algum dinheiro em 2024, quando a previsão era de ganhar só em 2025. Isso é muito bom.  

Do ponto de vista de competição – e na linha daquele ditado de que quem trabalha também tem que ter sorte –, fazer tudo isso num ano em que o mercado está mais comprimido do ponto de vista de demanda foi bom. Porque se o mercado estivesse crescendo e todo mundo acelerando, seria mais difícil esse time to market. Mas o mercado está todo racional. Isso está possibilitando fazer ajuste sem abrir mão no market share do core.   

Para quem decide. Por quem decide.

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Raquel Brandão

Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Jornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado

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