“Só tem sinergia de receita”: os três pontos que dificultam a fusão entre Gol e Azul
Casamento entre as duas companhias aéreas tem desafios econômicos, operacionais e concorrenciais
Raquel Brandão
Repórter Exame IN
Publicado em 22 de abril de 2024 às 14:59.
Última atualização em 22 de abril de 2024 às 16:07.
A possibilidade de uma fusão entre Gol e Azul voltou a ganhar força na última semana, conforme a Gol segue seu processo de recuperação judicial nos Estados Unidos e começa a estudar novas formas de capitalização do negócio -- hoje com dívidas na casa de R$ 20 bilhões.
De acordo com a agência de notícias Bloomberg, as conversas têm avançado com uma solução via troca de ações da Abra, holding que controla a Gol e a Avianca.
Pessoas próximas à Gol afirmam que há conversas com alguns "players", mas nenhuma mais adiantada até o momento. Elas não descartam, contudo, a entrada de um novo sócio, como uma forma de financiar a companhia em sua saída do Chapter 11.
Numa combinação com a Azul, a Abra contribuiria com suas ações da Gol em troca de uma participação na companhia aérea combinada. Esse desenho facilitaria a entrada da empresa de David Neeleman na transação porque não comprometeria menos sua alavancagem, hoje em 3,7 vezes.
Na primeira quinzena de abril, a Gol apresentou à Justiça americana os primeiros acordos preliminares com arrendadores de aeronaves (muitos deles também credores da Azul) e deu início ao desenho do plano para os próximos cinco anos de operação.
A expectativa é de que acordos definitivos esses lessores, como são chamados no jargão do setor, sejam firmados até meados de junho. A partir daí as formas de financiamento extra começariam a ser negociadas ativamente.
A união entre Azul e Gol não seria um casamento trivial. Ao menos três grandes pontos tornam a transação difícil ou, nas palavras de executivos do setor ouvidos pelo INSIGHT, “improvável”: econômico, operacional e concorrencial.
Do lado econômico, as principais dúvidas estão sobre a composição acionária. Atualmente, cerca de 56% do capital social da Gol é da Abra. A holding, por sua vez, tem em sua base acionária a família Constantino, fundadora da Gol, Roberto Kriete e os outros sócios da Avianca, entre eles os fundos Elliott e Kingsland e South Lake.
Na Abra, os Constantino e os sócios da Avianca governam o negócio por meio de um acordo de controle compartilhado.
“Quem vai controlar quem? Quais vão ser as condições de troca e como vai alocada a dívida da Azul?”, questiona uma das pessoas ouvidas pelo INSIGHT.
Atualmente, a dívida da Azul está em R$ 23,2 bilhões e a negociação com seus credores previu o alongamento dos prazos de vencimento diante da conversão de ações, numa diluição estimada em 17,5%.
A emissão de novas ações para uma troca com a Abra levaria a uma diluição ainda mais representativa da base acionária -- atualmente, Neelman e Trip são os maiores acionistas da companhia aérea, com 49,7% e 23% do total de ações, respectivamente. (A companhia tem ações preferenciais, das quais 88% compõem o free float.)
Do lado operacional, há uma dúvida clássica em processos deste tipo: quem tocaria a estratégia da nova empresa combinada: a direção executiva da Azul ou da Gol?
Mas o fator mais complexo para a operação seria a diferença de frota. Enquanto as aeronaves da Gol são todas Boeing, a Azul tem modelos de diferentes fabricantes, incluindo Embraer e Airbus – o que reduz as potenciais eficiências do lado dos custos.
Na Abra, hoje a frota de aproximadamente 300 aeronaves é metade Boeing e metade Airbus, o que até ajuda o grupo a ter um pouco mais de poder de barganha com fabricantes e arrendadores em meio a um ambiente de escassez de aviões, observam especialistas.
Mas a entrada de mais modelos de aeronaves nessa matriz aumentaria a complexidade da gestão.
O ponto mais desafiador para a fusão, no entanto, é mesmo do lado da competição de mercado. Dificilmente uma aprovação pelos órgãos regulatórios, como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), não viria sem muitos condicionantes.
“Só tem sinergia de receita. Vai cortar rota e subir preço, com o cliente saindo perdedor. Difícil aprovar um negócio desse”, afirma uma pessoa com conhecimento do setor.
Segundo ele, mesmo com remédios amargos exigindo venda de ativos e saída de rotas, um duopólio da empresa combinada de Azul e Gol e da Latam mataria uma terceira empresa menor que ficasse com ativos vendidos.
Embora a sobreposição de rotas não seja tão crítica quanto na relação entre Azul e Latam, por exemplo, analistas e executivos preveem remédios significativos pelo Cade.
“Apesar de 70% das rotas da Azul não sobreporem as da Gol, ambas partilham de fortíssimo pricing power", escreve a equipe da casa de análise Ativa.
“Num setor que atualmente conta com apenas três grandes empresas, convencer o Cade a aprovar uma operação, que, na prática, uniria duas destas empresas que passariam a dispor de mais da metade do mercado, não seria simples sem a adição de remédios que poderiam vir a se mostrar amargos.”
Segundo dados da Anac referentes a fevereiro, as duas empresas somaram 4.048.536 de passageiros domésticos, equivalentes a 59,9% das pessoas que viajaram entre aeroportos brasileiros. Nos voos internacionais, o market share foi de 11,9%, atrás da Latam, com uma participação de 18,3%.
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Raquel Brandão
Repórter Exame INJornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado