Para esse economista, os juros no Brasil não vão cair no ano que vem
Juliano Cecílio, da Adam Capital, não vê espaço para cortes na Selic diante de um mercado de trabalho aquecido e estímulos fiscais 'massivos'


Mitchel Diniz
Editor de Invest
Publicado em 21 de dezembro de 2025 às 18:00.
Juliano Cecílio é uma voz dissonante no mercado. Diferentemente das projeções de bancos e gestoras que dão como certo um corte de juros no Brasil no primeiro trimestre do ano que vem, o economista não vê espaço para baixar a Selic — em nenhum momento de 2026. "60% de probabilidade", explica.
Para ele, a combinação de mercado de trabalho aquecido e estímulo fiscal "massivo" demanda uma postura vigilante do Banco Central. "Cortes prematuros poderiam amplificar o choque prospectivo de demanda, elevando de forma desnecessária o risco de desancoragem das expectativas", afirma.
Nem mesmo a inflação abaixo do teto da meta ou a desaceleração da economia o convencem do contrário. Juliano é economista-chefe da Adam Capital, gestora independente com cerca de R$ 3 bilhões sob gestão. Em entrevista à EXAME, ele falou quando os juros devem de fato começar a cair — e sua previsão pode ser nada animadora para quem contava com uma Selic mais baixa no ano que vem.
Confira a entrevista na íntegra
EXAME: O IPCA termina o ano abaixo do "teto" da meta e com previsão de desaceleração em 2026, ao menos de acordo com o Focus. Esse comportamento dos preços não seria suficiente para justificar uma redução de juros no ano que vem?
JULIANO CECÍLIO: O consenso do mercado, refletido no Focus, subestima o impacto do impulso fiscal e parafiscal de cerca de 2% do PIB concentrado nos primeiros quatro meses de 2026. Ele vai diretamente para o consumo das famílias e pode mostrar taxas de crescimento muito fortes no início do próximo ano. Isso ocorrerá em um momento de mercado de trabalho no auge do aquecimento dos últimos anos, com desemprego em mínimas históricas, o que amplifica pressões inflacionárias. Além disso, a inflação excluindo impactos cambiais está acelerando, especialmente nos serviços ligados à mão de obra, como mostrado nos dados recentes.
EXAME: A economia também está dando sinais de desaceleração. Não seria esse um sinal de que os juros altos estão começando a surtir os efeitos esperados?
JULIANO CECÍLIO: Sim, há sinais evidentes de desaceleração na economia, como o PIB crescendo menos no terceiro trimestre de 2025 e os dados de atividade econômica de outubro reforçando uma tendência de perda gradual de momentum. Isso indica que a Selic em 15% está surtindo efeito, conforme o esperado, para conter a demanda agregada. No entanto, a taxa de crescimento do PIB segue acima do que estimamos como sendo o potencial e o mercado de trabalho permanece resiliente e aquecido atesta isso, com o consumo ainda robusto e sinais ainda incipientes de aceleração em novembro, o que sugere que os efeitos dos juros elevados não são uniformes ou conclusivos.
Além disso, o cenário indica que o impulso fiscal de 2026 irá contrabalançar essa desaceleração, injetando liquidez diretamente no consumo e potencialmente revertendo parte desses ganhos no controle inflacionário. Portanto, é um sinal positivo, mas insuficiente para relaxar a política monetária prematuramente.
EXAME: De onde podem vir novas pressões inflacionarias em 2026?
JC: As principais pressões inflacionárias em 2026 podem vir de vários fronts. Primeiro, o próprio impulso fiscal e parafiscal típico de anos eleitorais e oriundo de todos os níveis da administração pública (federal, estados e municípios) e também por meio do crédito de bancos públicos. Estima-se algo em torno de de 2% do PIB nos primeiros meses, o que vai impulsionar o consumo e pode gerar um choque de demanda em uma economia já com capacidade ociosa reduzida devido ao mercado de trabalho apertado – isso deve elevar a inflação subjacente, especialmente em serviços sensíveis a salários. Segundo, a isenção de IR para rendas até R$ 5 mil (sancionada recentemente) é um fato novo e é parte desse pacote, podendo adicionar uma camada de pressão: ela libera até R$ 34 bilhões para consumo e pagamento de dívidas, com impacto estimado relevante na inflação de 2026.
Terceiro, o câmbio: se o dólar ganhar força em relação ao real (devido a fatores globais ou incertezas domésticas), isso pode impactar os preços importados, embora a inflação atual esteja acelerando mesmo excluindo efeitos cambiais. Por fim, as eleições presidenciais de 2026 introduzem incerteza fiscal e política – cenários eleitorais que preocupem o mercado podem desancorar expectativas, elevar prêmios de risco e pressionar a inflação.
EXAME: Sua previsão é de que a Selic não deve ser reduzida em 2026. O nível dos juros precisaria mesmo continuar mesmo no atual patamar, de 15%, para reancorar as expectativas de inflação?
JC: Sim, na minha visão base, com 60% de probabilidade), a Selic precisa permanecer no patamar atual de 15% ao longo de todo 2026. O estímulo fiscal massivo e o mercado de trabalho aquecido demandam uma postura vigilante do BC para evitar que a inflação subjacente acelere além do controle. Cortes prematuros poderiam amplificar o choque prospectivo de demanda, elevando de forma desnecessária o risco de desancoragem das expectativas. Nos cenários alternativos (40% restantes), há uma distribuição de probabilidades para cortes modestos a partir de janeiro (20%), março (10%) ou meses seguintes (10%), mas apenas se as pressões se dissiparem mais rápido do que o esperado – o que vejo como improvável dada a magnitude do impulso.
EXAME: Não sendo em 2026, quando os cortes na Selic começariam, na sua visão?
JC: Os primeiros movimentos de redução na Selic poderiam começar apenas em 2027, dependendo da resolução das eleições e do ajuste fiscal pós-eleitoral. Projeções indicam que um “choque fiscal” inevitável no próximo mandato, para conter dívidas, poderia criar espaço para relaxamento monetário, com a inflação enfim convergindo de forma estrutural - em componentes ligados sobretudo à demanda, o que seria um processo bem mais sustentável em relação ao observado atualmente (que tem sido muito dependente do câmbio e de outros choques de oferta benéficos). Mas isso é condicional: se as pressões persistirem ou o novo governo falhar em ancorar as contas públicas, os cortes poderiam ser adiados ainda mais. O foco deve ser na sustentabilidade fiscal para permitir uma normalização gradual.
Medidas fiscais que não sejam capazes de reduzir a dívida pública e a pressão sobre a demanda serão insuficientes para trazer o equilíbrio macroeconômico indispensável a um processo duradouro de convergência da inflação.
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Mitchel Diniz
Editor de InvestJornalista há 20 anos, com MBA em Informações Econômico-Financeiras e Mercado de Capitais pela FIA Business School. Passou pelas redações de Valor, Folha de S. Paulo, GloboNews e InfoMoney.
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