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Na Méliuz, redução de capital tem cheiro de reprise de GetNinjas

Proposta de devolução de R$ 220 milhões vem em meio ao avanço das gestoras ARC e WNT no capital e coloca possibilidade de tomada de controle no radar

Méliuz: Empresa chegou a valer quase R$ 10 bi em 2021, um ano após o IPO  (Méliuz/Divulgação)
Méliuz: Empresa chegou a valer quase R$ 10 bi em 2021, um ano após o IPO (Méliuz/Divulgação)
Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Publicado em 16 de maio de 2024 às 17:40.

Última atualização em 20 de maio de 2024 às 12:55.

A Méliuz, de programas de cashback, anunciou no começo da semana uma proposta de redução de capital de R$ 220 milhões – atendendo um pleito de longa data de boa parte dos acionistas, que pediam uma distribuição do caixa parado na companhia.

O presente, no entanto, veio embalado no que pode ser uma ofensiva de tomada de controle e adiciona uma boa camada de incerteza sobre o futuro da companhia.

O comunicado de redução de capital, feito na segunda-feira à noite, veio poucas horas depois de a Méliuz anunciar que a gestora WNT tinha chegado a 5% das ações. De manhã, a ARC Capital, de Sérgio Machado, já tinha anunciado que chegara ao mesmo patamar.

Imediatamente, os investidores se atentaram para as semelhanças entre esse enredo e outro que ficou bem conhecido no mercado, o de GetNinjas, no fim do ano passado.

Também valendo menos na Bolsa que o caixa que tinha parado, a startup de serviços domésticos se tornou alvo da gestora REAG e da ARC Capital, que começaram a avançar primeiro de forma gradual – e então de maneira mais agressiva.

No fim das contas, a REAG acabou tomando o controle da companhia.

O fundador da GetNinjas, Eduardo L’Hotellier, fez um movimento defensivo, propondo a distribuição dos R$ 270 milhões logo que a ofensiva ficou mais clara. Após uma longa batalha, no entanto, foi derrotado pela REAG e pela ARC, que que conseguiram barrar a redução de capital.

A expectativa de uma reprise não vem à toa. As histórias de GetNinjas e da Méliuz na bolsa guardam muitas similaridades. Ambas fizeram IPO na leva de 2020 e 2021, que acabou levando a mercado empresas ainda em estágios iniciais em meio à euforia de juros baixos e liquidez abundante.

Enquanto a GetNinjas nunca alçou voos muito altos na Bolsa, a empresa de cashback virou um dos maiores símbolos de uma prosperidade (hoje datada) das startups na Bolsa.

Chegou a valer R$ 10 bilhões e fez um follow-on que levantou mais R$ 450 milhões em meados de 2021, menos de um ano depois do IPO, com uma estratégia de usar sua plataforma e o engajamento de clientes para oferecer também serviços financeiros.

Naquele ano, a Méliuz comprou o Acesso Bank, uma empresa que oferece conta digital e cartão de crédito – num negócio que parecia muito sinérgico, mas acabou se mostrando muito intensivo em capital de giro.

A roda parou de girar quando o mercado se fechou para novas captações, impedindo a empresa de obter mais funding.

A ascensão foi marcada por um tombo igualmente espetacular. Até sexta-feira, a Méliuz valia R$ 450 milhões na bolsa, valor praticamente equivalente ao valor de que tem em caixa.

Cash is king?

Diferentemente de GetNinjas, no entanto, a Méliuz tem um negócio de cashback que para de pé, fez um bom trabalho em reduzir o tamanho da operação forando no core business e o negócio está gerando caixa.

Vendeu o Acesso Bank – rebatizada de Bankly – ao Banco Votorantim no passado, por R$ 210 milhões, reduziu seu pessoal em dois terços e ficou mais enxuta. Investidores esperam um EBITDA na casa dos R$ 30 milhões a R$ 50 milhões neste ano, com uma alta conversão em caixa.

“Se a gente atribuir um múltiplo de 6 vezes o EBITDA em cima de R$ 30 milhões, a empresa vale R$ 180 milhões. Some isso o caixa de R$ 470 milhões e fica claro que a companhia vale pelo menos R$ 650 milhões”, pondera um investidor da companhia. “É uma distorção absurda de valuation.”

Essa discrepância atraiu diversas gestoras para a base acionária, de olho numa possível distribuição de caixa. Em janeiro, a Méliuz anunciou que distribuiria R$ 210 milhões, dos então cerca de R$ 670 milhões que estavam parados. A distribuição, de R$ 2,41 por ação foi feita agora em abril.

Diversas gestoras vinham pressionando por uma redução de capital ainda maior. “Se a empresa está gerando caixa, qual o sentido de manter esse o montante todo parado?”, questiona um outro acionista.

Segundo fontes, o fundador e CEO Israel Salmen vinha dizendo que era preciso ter uma margem de segurança e que queria manter capital disponível para eventuais aquisições. Há ainda R$ 75 milhões a serem pagos em cláusulas de earn-out de aquisições passadas.

“Fato é que a empresa só vem fazendo aquisições pequenas, não tem razão para fazer algo mais transformacional – e o caixa deixou o flanco aberto para uma ofensiva para tomada de controle ou fechamento de capital”, pondera esse investidor.

Quem está por trás?

O timing da nova redução de capital sugere uma estratégia de defesa. Não está claro qual será o posicionamento da WNT – que já fez um movimento parecido também em WestWing – e da ARC.

A princípio, elas podem estar se posicionando para também conseguir parte do caixa. Ambas disseram em documentos que “o movimento não visa mudança de controle”. De toda forma, a História sempre traz suas lições: as primeiras investidas em GetNinjas traziam o mesmo tom.

É sabido que o empresário Nelson Tanure opera via WNT. Mas, na roleta da especulação, os boatos são de que quem está por trás da ofensiva é o banqueiro Daniel Vorcaro, dono do banco Master, e que tem se tornando uma máquina de aquisições nos últimos anos.

A Méliuz poderia dar ao Master um canal de distribuição para produtos financeiros e cartão de crédito.

Foi o mesmo apelo que atraiu o banco BV para a base acionária. Além de comprar o Bankly, o banco levou uma fatia de 3,85% da empresa que pertencia ao bloco de fundadores, que tem hoje tem cerca de 20% da Méliuz. O BV tem uma call para exercer a compra da fatia integral do grupo por R$ 15 por ação. Hoje, o papel negocia a R$ 5,70.

Procurado, o Master não quis comentar.

Próximos capítulos

Independentemente de quem está por trás das compras, fato é que a ação da Méliuz vem negociando em alta, com volume bastante forte desde sexta-feira. De lá para cá, os papéis já subiram quase 25%, saíram de R$ 4,70 na quinta passada para R$ 5,75 no pregão de hoje (16).

O valor de mercado está em R$ 495 milhões, já um pouco acima dos R$ 477 milhões que tem em caixa.

“Pode ser tanto WNT ou ARC comprando mais, quanto investidores que querem beliscar um pouco da alta que vem com essa força compradora, quanto os próprios fundadores”, especula um gestor.

Na GetNinjas, o fundador Eduardo L’Hotellier e aliados chegaram a comprar mais ações para tentar se posicionar na assembleia que deliberou no aumento de capital.

Aqui, uma nova semelhança: assim como do caso de GetNinjas, o fundador da Méliuz tem cerca de 17% do capital. Junto com outros executivos e o time da empresa, o percentual é de cerca de 25%.

A empresa de cashback tem uma poison pill, que limita a participação de qualquer acionista individual em 20%. Na GetNinjas, a pílula de veneno foi contornada até certo ponto via compras separadas de REAG e ARC.

Quando os questionamentos sobre se eles formavam um bloco conjunto apareceram, a REAG rompeu a barreira de participação da cláusula e anunciou uma OPA para todo o mercado.

As próximas semanas vão ser cruciais. A redução de capital anunciada na segunda-feira precisa passar pela aprovação da assembleia. O prazo regulamentar entre a convocação e a data da reunião é de pelo menos 30 dias.

Se quiserem barrar a redução de capital como a REAG fez em GetNinjas, WNT e ARC precisam tem esse prazo para ganhar mais massa crítica.

Até lá, as peças devem se mover. E parte dos investidores que entraram pela tese de distorção de caixa estão aproveitando para vender em meio à força compradora.

“É um papel em que muita gente se posicionou de forma oportunística. Pouca gente ali tem amor a uma tese mais de longo prazo”, pondera um gestor que praticamente zerou sua posição nesta semana.

Ironias do destino: a empresa de programas de cashback acabou virando uma tese de investimento em grande parte baseada em ter o... cash back.

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

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Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Jornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.

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