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Direito

Na assinatura do acordo entre mineradoras e governos, um recado para Londres

Repactuação esvazia ação na movida contra Vale e BHP na Inglaterra e Barroso passa recado: tragédias brasileiras serão punidas no Brasil

O estrago provocado pela lama em Mariana chegou a tribunais ingleses, num processo pioneiro – e controverso  (Fundação Renova/Divulgação)
O estrago provocado pela lama em Mariana chegou a tribunais ingleses, num processo pioneiro – e controverso (Fundação Renova/Divulgação)
Raquel Brandão

Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Publicado em 25 de outubro de 2024 às 18:06.

Última atualização em 26 de outubro de 2024 às 16:38.

O acordo de US$ 170 bilhões de repactuação entre o governo federal, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e as mineradoras Samarco, Vale e BHP finalmente foi assinado, colocando um ponto final nas idas e vindas de uma negociação que se arrastou por quase dez anos, desde o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), em 2015.

Mas a assinatura acontece com os olhares voltados para longe. Mais especificamente para Londres, onde tiveram início as audiências na Corte da Inglaterra nesta semana, para analisar a responsabilidade de Vale e BHP no rompimento.

O estrago provocado pela lama em Mariana chegou a tribunais ingleses, num processo pioneiro – e controverso – que está testando as fronteiras do direito internacional.

Em 2018, o escritório Pogust Goodhead (PG) pediu abertura de um processo em Londres, onde ficava uma das sedes da BHP. Atualmente a ação tem mais de 600 mil vítimas requerentes.

ESPECIAL: Nove anos após o desastre de Mariana, um acordo tão perto (e tão longe)

Nas contas do próprio escritório (contestatadas pelas empresas envolvidas), os pedidos de indenização poderiam chegar a 36 bilhões de libras (ou cerca de R$ 266 bilhões pela cotação atual), o que posicionaria a ação como uma das maiores ações civis públicas da História.

Na cerimônia em Brasília, com direito à presença do presidente Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, ecoava um recado institucional claro: tragédias brasileiras serão punidas no Brasil.

O ministro foi direto em seu discurso. “Tragédias não podem ser tratadas como investimento financeiro. Não faz bem à causa da humanidade a monetização da desgraça”, afirmou. “Disse ao presidente Lula que seria muito ruim se a solução viesse de fora do Brasil.”

Procurado pela primeira vez em dezembro do ano passado, quando a negociação vivia um impasse, Barroso destacou três pilares que motivaram sua participação. O primeiro, é óbvio, o fato de o acidente ter ocorrido no Brasil.

Em segundo lugar, dois valores essenciais: o direito fundamental dos afetados e a reparação ambiental. E, por fim, talvez o mais importante olhando sobre o prisma empresarial, evitar a insegurança jurídica, com o estabelecimento de parâmetros para as companhias que atuam no Brasil.

Mais do que o discurso, na noite de ontem Barroso enviou uma notificação à Corte da Inglaterra sobre o acordo assinado pelas empresas com as autoridades brasileiras.

Repactuação esvazia ação em Londres

A repactuação não extingue a ação na corte da Inglaterra, mas esvazia o julgamento, avaliam pessoas próximas ao caso.

Apesar de ser feito na corte de Londres, o julgamento se daria de acordo com as leis brasileiras – num precedente controverso no direito internacional e que, potencialmente, abre uma outra instância para as já várias diversas instâncias dos tribunais nacionais.

O juiz da corte britânica já declarou que vai levar em consideração indenizações já realizadas no Brasil, a fim de evitar duplicidade. Hoje, entre as mais de 600 mil vítimas requerentes, há um entendimento das empresas de que 427 mil delas já foram indenizadas pelas ações da Renova.

Além disso, os municípios afetados pelo rompimento da barragem, que são parte relevante do processo londrino, participaram da discussão e poderão aderir à repactuação, com um orçamento total de R$ 6,3 bilhões.

Um dos argumentos da constituição em Londres também era da morosidade da Justiça Brasileira, mas fato é que o PG ingressou com a ação na corte londrina em 2018 – e só agora as audiências começaram. Somente esta parte do processo pode se estender até março do próximo ano.

“A compensação já foi coberta pelo acordo brasileiro. O caso aqui no Brasil desconstrói o argumento dos advogados no Reino Unido de que esse tema não está sendo discutido de forma célere no Brasil. É um argumento que acabou de cair por terra”, disse Alex D'Ambrosio, vice-presidente executivo de assuntos corporativos da Vale, na teleconferência de resultados da companhia nesta sexta-feira.

A Vale passou a figurar como réu ao lado da BHP, em agosto de 2023, após pedido da anglo-australiana. Em julho deste ano, as duas sócias na Samarco assinaram um acordo no qual se comprometem a dividir igualmente eventuais responsabilidades financeiras que venham de decisões internacionais.

Nesta sexta-feira, as ações da Vale subiram 3,4%, para R$ 61,73.

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Raquel Brandão

Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Jornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado

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