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As contas de Eike: empresário encontrou mesmo US$ 300 mi na MMX? 

Laudo usado em briga na Justiça é livre interpretação de estudo realizado uma década atrás

Vista de Corumbá: matemática de Eike Batista é colocada em dúvida na briga para cancelar arrendamento (Pedro Lobo/Bloomberg)
Vista de Corumbá: matemática de Eike Batista é colocada em dúvida na briga para cancelar arrendamento (Pedro Lobo/Bloomberg)
GV

Graziella Valenti

12 de novembro de 2020 às 12:00

A MMX, companhia de mineração do empresário Eike Batista, que está com planos otimistas de retorno ao mundo dos negócios, está usando um laudo feito dentro de casa para dizer que as minas de Corumbá , em Mato Grosso do Sul, valem 300 milhões de dólares, ou seja, mais de 1,5 bilhão de reais ao câmbio atual.

As contas foram feitas dentro da EBX, a holding pela qual Eike controlava o extinto império X, antes que ele ruísse em dívidas da ordem de 25 bilhões de reais.

Neste momento, o sistema de Corumbá não pode ser explorado pela mineradora. A companhia está com a falência decretada, mas com execução paralisada por uma liminar que deve ser avaliada em fevereiro de 2021. Desde 2014, o complexo está arrendado pela MMX a outra mineradora, a Vetorial, que explora a região e aquelas minas há muitos anos — até antes de a MMX comprar o sistema de Nelson Chamma Filho (o empresário casado com Silvia Pfeifer, a atriz) e de sua família, no início dos anos 2.000. O acordo de arrendamento foi renovado em 2018.

A mina hoje tem capacidade para extrair 2 milhões de toneladas ao ano, mas no seu melhor ano extraiu 1,8 milhão de toneladas. Embora o valor que Eike veja para os ativos seja surpreendente, ele é pequeno quando se fala em grandes empresas do setor. Apenas para efeito de comparação, a Vale, cujo valor na B3 é de 324 bilhões de reais, produziu quase 1 milhão de toneladas de minério ao dia ao longo do terceiro trimestre deste ano.

Antes de ceder a exploração da região à Vetorial, a MMX paralisou toda a sua produção em 2013, diante da derrocada de Eike. Não tinha dinheiro para mais nada. Vendeu o que podia e, com o preço do minério em baixa, não tinha mais condições de se manter ativa. A logística difícil das minas fez com que Corumbá sobrasse nas mãos da MMX.

Agora, com o preço do minério perto de suas máximas históricas — a tonelada saiu de 40 dólares para 120 dólares, de 2015 para cá —, Eike quer cancelar os contratos na Justiça. Para isso, argumenta que os acordos foram uma “renúncia gratuita” de bens e usa o valor de seu laudo para mostrar a riqueza de Corumbá. Tudo indica que Eike só se deu conta dessa riqueza agora, uma vez que aprovou os balanços da MMX de 2018 e 2019, quando as receitas do contrato já estavam contabilizadas.

A Vetorial paga 500 mil dólares por ano pelo arrendamento, basicamente a única receita da mineradora de Eike atualmente.

Quem fez o laudo usado pela MMX foi uma empresa de consultoria chamada LW Geologia, do geólogo Leandro Wulfing. Ele trabalha na 3 Scorpius Gold, uma companhia de Stephan Weber, velho conhecido de Eike. Weber faz parte dos quadros da EBX e sua 3 Scorpius fica no mesmo endereço que a holding do empresário carioca — tem até o mesmo número de telefone.

A avaliação da LW Geologia não foi um laudo de perícia de ativos de mineração, com pesquisa local. Na verdade, é baseada em um estudo realizado pela SRK Consulting Engineers and Scientists, entre 2008 e 2010, combinado com dados da própria MMX até 2013. Ou seja, é uma releitura de um laudo com mais de dez anos e mais alguns dados internos.

(EXAME Research/Exame)

O contrato de arrendamento fazia parte do plano de recuperação judicial da MMX, pois além de arrendar a área, a Vetorial planejava pagar entre 16 milhões de reais e 27 milhões de reais para comprar os ativos. Era o que haveria para dividir entre os credores das dívidas de 600 milhões de reais da empresa. Mas a aquisição não se concretizou porque a Justiça considerou que o plano foi rejeitado pelos credores e decretou a falência.

Fermento

Os 300 milhões de dólares divulgados agora pela MMX servem tanto de argumento para a briga pela tentativa de recuperação do complexo de Corumbá na Justiça, como de fermento para valorização da companhia na bolsa.  Na B3, a empresa saiu de uma avaliação quase insignificante, de milhares de reais, para 76 milhões de reais. No auge dessa recente euforia, o valor chegou a quase 230 milhões de reais. A alta foi toda puxada pela perspectiva de que subitamente a MMX tem um bem bilionário.

A campanha para reaver os ativos de Corumba é conduzida por Joaquim Martino, que reassumiu a presidência da MMX após mais de uma década. Eike o trouxe de volta à mineradora em setembro, depois de pedir a troca da administração em carta assinada de próprio punho.

O empresário carioca está motivado a retomar a vida de homem de negócios após ter sua colaboração premiada por envolvimento no esquema de corrupção de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A delação resultou em uma multa de 800 milhões de reais a Eike, mais pena de reclusão de quatro anos (um em regime fechado). Para ele, se trata de virar uma página, encerrar um capítulo.

Nada abala o ânimo do empresário, nem a perspectiva de prisão, nem mesmo o fato de estar impedido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de administrar diretamente empresas abertas, após ser condenado por manipulação de mercado. No julgamento da xerife do mercado, ele recebeu ainda uma multa de 540 milhões de reais. A condenação será avaliada no Conselho do Sistema Financeiro Nacional, o famoso Conselhinho, ao qual Eike recorreu do resultado.

Ao EXAME IN, Martino afirma que os recursos que podem ser obtidos de Corumbá são suficientes para pagar as dívidas e ainda gerar riqueza para os acionistas no longo prazo. Segundo o executivo, o complexo pode render receitas anuais da ordem de 350 milhões de reais e que, com elas, poderia pagar as dívidas da companhia. Esse total considera a exploração de duas minas do complexo, com produção da ordem de 1,6 milhão de toneladas ao ano.

Quando questionado a respeito da independência e do conteúdo do laudo, Martino diz que “ter ou não vínculo com a companhia não afeta a idoneidade ou integridade do trabalho realizado”. Segundo ele, seria muito custoso investir em um estudo técnico nesse momento. Mas que, se houver sucesso na retomada dos ativos, as pesquisas serão contratadas. Por isso, a avaliação da LW deste momento, que custou 20 mil reais, considerou o estudo antigo da SRK e mais dados da MMX de 2010 a 2013, de quando explorava a região. “Reservas minerais não mudam com o tempo.”

Nem tudo que reluz é ouro

A LW afirma que o sistema de Corumbá tem reservas de 316 milhões de toneladas de minério, com uma vida útil de 70 anos. Contudo, a documentação não é suficientemente simples e clara para evidenciar que esse total considera quatro minas — e seus respectivos potenciais estimados, porém não provados. Dessas, apenas duas são produtivas e apenas uma é da MMX.

Duas ainda não possuem nenhum direito de lavra concedido e sequer pertencem à mineradora. Estão com os processos paralisados no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) há diversos anos. Juntas, elas respondem por 220 milhões de toneladas das reservas apontadas por Martino, com o laudo da LW — 70% do total.  Para que elas possam ser exploradas, precisam cumprir dois ritos: sair da fase de pesquisa até a certificação e aprovação, e ainda terem a titularidade (ainda que seja do arrendamento) reconhecida em favor da MMX. O caminho até lá exige tempo e dinheiro. O reconhecimento dos direitos da MMX em diversas das áreas de exploração está paralisado no órgão do governo há muitos anos.

Sem fôlego para investir e contratar, Martino afirma que o dinheiro para tudo virá da própria exploração de Corumbá. Ele argumenta que foi a MMX quem fez as contratações da equipe hoje usada pela Vetorial e que acredita que os funcionários ficam com ele se houver sucesso na batalha Judicial. Seria um simples "virar de chave".

Matemática

Para alcançar a avaliação de 300 milhões de dólares para Corumbá, a LW projetou, de forma constante, por 70 anos — ou seja, de 2021 até 2091 — a mesma receita e o mesmo custo de exploração de Corumbá. Nesse longo período, portanto, serão vendidas a mesma quantidade de 1,6 milhão de toneladas de minério, ao mesmo preço de 35 dólares por tonelada embarcada (FOB) e com o mesmo custo — valor que considera as máximas atuais da commodity.

Esse desempenho deve gerar um Ebitda de 37,8 milhões de dólares, o que equivale a uma margem de 67% durante todo esse período de 70 anos. Não há sinal de como a vida cíclica das companhias de commodities está refletida no valor.

A projeção chega a um valor de presente líquido (VPL) de 728,5 milhões de dólares para Corumbá, com uma taxa de desconto de 5%. A partir dele, a LW aplica a mesma relação de múltiplos da Vale para a MMX e alcança que Corumbá teria esse valor de 300 milhões de dólares.

Gustavo Trinidad Corrêa, sócio da Vetorial, diz ao EXAME IN que as minas de Corumbá não têm essa vida útil, nem tudo isso de reserva. “É uma peça de ficção”, diz sobre o laudo da LW. Segundo ele, sem novos investimentos em pesquisa, a exploração deve durar no máximo até cinco anos mais. Esse prazo poderia ser esticado para mais dez anos — “no máximo” — com gastos em estudos exploratórios, mas que a Vetorial não sabe se fará uma vez que não conseguiu comprar os ativos. Para a Vetorial, os ativos fazem muito sentido pois ela possui uma pequena operação de siderurgia ao lado das minas, que utilizam metade do que é extraído.

Eike, otimista?

Martino afirma que diferentemente da percepção que se tem sobre Eike, de que é um sonhador ou excessivamente otimista, o empresário entrega suas promessas. “O que ferrou ele foi o petróleo”, afirma, e elenca ativos que continuam funcionando e dando certo após terem sido vendidos, como o Porto de Açu, as térmicas do Nordeste que foram a base da Eneva e até mesmo as demais minas que a MMX detinha e que foram vendidas. “Eu não vejo nunca ninguém falar disso.”

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