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Vale: tudo que você sempre quis saber sobre as debêntures da privatização

Grande investidora dos títulos, gestora Quasar avalia oferta de R$ 13 bilhões que BNDES organiza para primeiro semestre

Montanha de minério: pagamentos não dependem de lucro da Vale, nem de indexadores de dívida, são apenas percentual de vendas (Rich Press/Bloomberg)
Montanha de minério: pagamentos não dependem de lucro da Vale, nem de indexadores de dívida, são apenas percentual de vendas (Rich Press/Bloomberg)

Publicado em 8 de março de 2021 às 12:01.

Última atualização em 8 de março de 2021 às 12:28.

O fundo Quasar Latam Bonds é um dos maiores investidores, proporcionalmente, das debêntures emitidas pela Vale na privatização, que pagam um percentual das vendas, uma espécie de royalty.  A carteira tem um patrimônio de R$ 73 milhões e uma fatia superior a dois dígitos está nesse ativo. Por conta disso, a opinião de um dos gestores de recursos do portfólio, Nathan Shor, sobre esse ativo vale muito a pena ser ouvida — sem trocadilhos.

O assunto está na crista da onda porque o BNDES (junto com a União Federal) deve leiloar sua participação nesses papéis, mais de 214 milhões de debêntures — de um total emitido pouco superior a 388 milhões. Um grupo de bancos, liderados pelo Bradesco BBI, já está contratado para organizar a oferta. A operação deve ser restrita, ou seja, não será aberta ao varejo.

O fundo investe em papéis de dívida de companhias latino-americanas emitidos no mercado internacional, com destaque para brasileiras, com proteção para a volatilidade cambial. Nesse sentido, a debêntures da Vale, chamada de participativa, vem a calhar. Como forte exportadora de minério de ferro, a receita da companhia é totalmente dolarizada, mas o pagamento é realizado em reais. Nesse começo de 2021, até 3 de março, o Quasar Latam Bonds acumula valorização de 4,10% e, em 12 meses, de 11,05%.

Obviamente, a Quasar é também uma das mais interessadas na valorização do ativo. Shor acredita que o leilão deve ocorrer ainda abril, assim que a Vale pagar o prêmio relativo ao segundo semestre de 2020, que deve alcançar aproximadamente R$ 1,05 bilhão — somado aos quase R$ 500 milhões pagos sobre os seis primeiros meses do ano, equivalerá a um total de R$ 1,5 sobre as vendas do ano passado. O maior pagamento referente a um ano já realizado até o momento.

Pelos cálculos do especialista, o rendimento será da ordem de R$ 2,7 por papel, agora cotado em R$ 60. No ano inteiro de 2021, os desembolsos devem somar R$ 5,80, conforme as contas da casa — o equivalente a um retorno da ordem de 10% em dólares. O motivo da espera para a oferta é legítimo: BNDES e União têm quase R$ 580 milhões a receber.

Caso inédito

Para Shor, a Vale deveria ser a compradora natural dos papéis, pelo custo implícito para a empresa. Mas, mesmo que não seja, acredita que haverá forte interesse do mercado pelos títulos. “É um excelente papel para fundos de pensão, para o longo prazo. Os títulos não têm vencimento. Pagam os prêmios enquanto as minas da Vale produzirem.”

Atualmente, a regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não permite que o emissor compre apenas de alguns vendedores. É preciso uma oferta pública de aquisição, para que todos possam ter igual oportunidade de vender. Para o gestor da Quasar, o custo dá sentido suficiente para que a Vale peça ao regulador uma exceção — dado o ineditismo da situação.

Trata-se de um caso totalmente particular em todas as circunstâncias. A começar que se trata de um título de dívida, mas com característica de ação — ou até melhor —, pois não paga sobre lucro, mas sobre vendas.

Esses papéis foram dados aos acionistas vendedores das ações da Vale na privatização, em 1997, para que eles pudessem participar de um futuro de brilhantismo da empresa em direitos minerários (entenda mais a seguir). Além disso, não se tem notícia de uma oferta pública secundária de debêntures no país. Muito menos de uma que pode movimentar cerca de R$ 13 bilhões, considerando o preço do papel no mercado. O total em circulação equivale a mais de R$ 23 bilhões.

A Vale, contudo, já afirmou em fato relevante que, além da questão regulatória, "não pretende" comprar os títulos por uma questão de alocação de caixa, ou seja, de uso do seu dinheiro guardado.

A Vale terminou dezembro com uma posição de caixa líquido, ou seja, com mais dinheiro em seus cofres do que dívidas: US$ 14,2 bilhões em aplicações para US$ 13,3 bilhões em vencimentos. Contudo, o valor expandido dos compromissos é muito maior, considerando as penalidades relacionadas à Brumadinho e Mariana (Samarco), alcançando um total líquido de US$ 13,3 bilhões — ou seja, o total devido pela companhia dobra.

Nada disso impede que o mercado — a Quasar e outros interessados — pensem diferente. Ou seja, continuam acreditando que a Vale será compradora. E a Vale deu motivos. A mineradora convocou, para 19 de março, uma assembleia de debenturistas para propor uma mudança na escritura dos papéis — entre diversos itens,  quer adicionar a própria permissão da recompra, de cancelamento das debêntures quando estiverem em seu poder e de cálculo dos pagamentos quando isso ocorrer.

Ora, mas por que alguém que não quer comprar quer garantir o direito de poder de comprar?

Quanto custa o direito à recompra?

Quem entende do mercado de debêntures aponta que a Vale pode querer mudar a escritura agora — mesmo sem ser compradora imediata — apenas porque seria mais simples alterar a escritura antes da oferta pública de venda do BNDES.

Se a mineradora tentar propor uma alteração desse tipo após o leilão, os títulos estarão dispersos, enquanto nesse momento seria muito mais simples — já que o banco de fomento e a União têm quase 56% do total emitido e em circulação. Sem esses títulos, nada acontece.

Para Shor, tudo isso é curioso. Ele explica que sempre que os emissores buscam mudar as escrituras — ou seja, a regra original do jogo — pagam uma compensação aos investidores por isso. Nesse caso, o BNDES e a Uniâo têm a faca e o queijo na mão para pedirem a compensação que julgarem justa, uma vez que sem eles nada acontece.

“A única coisa que eu nunca vi é o que a Vale está propondo agora. Uma alteração das regras sem nenhuma compensação.” Pelos cálculos do especialista, tamanha alteração, para um papel sem vencimento, que paga 1,8% das vendas de determinadas minas, independentemente de lucro e pelo tempo que durar a exploração, não poderia sair por menos de R$ 1 o papel. Nessa conta, seria o equivalente a um custo de mais de R$ 388 milhões pela Vale. “De graça, não pode. Não acontece em lugar nenhum do mundo.”

Prêmios e volatilidade

Como o próprio nome — feio: participativas — das debêntures informam, elas são uma participação nas vendas da companhia. Só que o direito a essa fatia têm gatilhos decididos na privatização e que só mais recentemente começaram a ficar interessantes de verdade.

Era uma aposta clara de que, no tempo, a iniciativa privada seria mais eficiente em gerir a empresa. Por isso, era uma forma de compensar o poder público pela riqueza existente, mas que sozinho jamais extrairia. Os papéis só ficaram interessantes há poucos anos porque os pagamentos dos prêmios — ou royalties — têm esses gatilhos ligados à produção absoluta das minas, que só começaram a ser alcançados há pouco tempo.

Shor admite que os títulos carregam dois riscos relevantes: o do preço do minério, que está em suas máximas históricas, e do câmbio. Contudo, ele explica que o sistema Sudeste, de exploração da Vale, deve alcançar o gatilho da debênture em 2024, e começar a render prêmios também.

Assim, ainda que haja volatilidade até lá, o entendimento é que compensa carregar os papéis. Eles não dependem nem do lucro da empresa, nem de nenhum indexador financeiro. Pagam uma fatia das vendas, descontado parte do custo de frete, e ponto.

Em 2019, a Vale desembolsou quase R$ 900 milhões, 40% mais do que os R$ 643 milhões do ano anterior. O total relativo a 2020, pelos cálculos da Quasar, devem alcançar R$ 1,5 bilhão, 67% mais que no ano anterior.

Os pagamentos passaram da centena de milhão pela primeira vez a partir de 2013. Antes disso, os desembolsos giravam em torno de R$ 22 milhões ao ano, devido à mecânica dos gatilhos já explicadas, o câmbio e o preço do minério.

Valorização

A Quasar começou a olhar para esses papéis a cerca de dois anos, conta Schor, e o interesse aumentou após a decisão do BNDES pelo leilão se tornar pública, em setembro do ano passado. A liquidez dos títulos deve aumentar, o que é sempre bom para quem tem por duas razões: vender é mais fácil e a precificação do mercado tende a ser mais eficiente.

No fim de 2020, uma operação grande desses títulos, e totalmente fora do preço, chamou atenção do mercado todo. Foram vendidos 1,728 milhão de debêntures a R$ 35,50, enquanto no mercado o valor era de R$ 48. Para quem fez a operação, o comprador saiu na largada com um lucro potencial de R$ 22 milhões, já que investiu R$ 61 milhões por algo que no mercado valia R$ 83 milhões.

É por essas e por outras — desse tipo — que os investidores desse mercado pedem um ambiente mais transparente para negociação e precificação. Ainda que as melhorias nos últimos anos sejam sensíveis, ainda há muito a ser feito por um mercado em que a pessoa física chega a absorver 80% das emissões.

Quando a Quasar começou a olhar para esse papel, em 2018, o valor dos papéis estava pouco acima de R$ 10. No ano passado, em agosto, quando já circulavam informações a respeito do desejo do BNDES de fazer uma oferta secundária desses títulos, o preço no mercado passou de R$ 30 pela primeira vez e agora estão em torno de R$ 60.

 

 

 

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