Logo Exame.com
Empresas

“Só tem sinergia de receita”: os três pontos que dificultam a fusão entre Gol e Azul 

Casamento entre as duas companhias aéreas tem desafios econômicos, operacionais e concorrenciais

Gol: conversas com a Azul estariam avançando com uma solução via troca de ações da Abra, diz agência

Foto: Germano Lüders
24/04/2020 (Germano Lüders/Exame)
Gol: conversas com a Azul estariam avançando com uma solução via troca de ações da Abra, diz agência Foto: Germano Lüders 24/04/2020 (Germano Lüders/Exame)
Raquel Brandão

Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Publicado em 22 de abril de 2024 às 14:59.

Última atualização em 22 de abril de 2024 às 16:07.

A possibilidade de uma fusão entre Gol e Azul voltou a ganhar força na última semana, conforme a Gol segue seu processo de recuperação judicial nos Estados Unidos e começa a estudar novas formas de capitalização do negócio -- hoje com dívidas na casa de R$ 20 bilhões.  

De acordo com a agência de notícias Bloomberg, as conversas têm avançado com uma solução via troca de ações da Abra, holding que controla a Gol e a Avianca.

Pessoas próximas à Gol afirmam que há conversas com alguns "players", mas nenhuma mais adiantada até o momento. Elas não descartam, contudo, a entrada de um novo sócio, como uma forma de financiar a companhia em sua saída do Chapter 11. 

Numa combinação com a Azul, a Abra contribuiria com suas ações da Gol em troca de uma participação na companhia aérea combinada. Esse desenho facilitaria a entrada da empresa de David Neeleman na transação porque não comprometeria menos sua alavancagem, hoje em 3,7 vezes.  

Na primeira quinzena de abril, a Gol apresentou à Justiça americana os primeiros acordos preliminares com arrendadores de aeronaves (muitos deles também credores da Azul) e deu início ao desenho do plano para os próximos cinco anos de operação.  

A expectativa é de que acordos definitivos esses lessores, como são chamados no jargão do setor, sejam firmados até meados de junho. A partir daí as formas de financiamento extra começariam a ser negociadas ativamente.  

A união entre Azul e Gol não seria um casamento trivial. Ao menos três grandes pontos tornam a transação difícil ou, nas palavras de executivos do setor ouvidos pelo INSIGHT, “improvável”:  econômico, operacional e concorrencial.   

Do lado econômico, as principais dúvidas estão sobre a composição acionária. Atualmente, cerca de 56% do capital social da Gol é da Abra. A holding, por sua vez, tem em sua base acionária a família Constantino, fundadora da Gol, Roberto Kriete e os outros sócios da Avianca, entre eles os fundos Elliott e Kingsland e South Lake.  

Na Abra, os Constantino e os sócios da Avianca governam o negócio por meio de um acordo de controle compartilhado.  

“Quem vai controlar quem? Quais vão ser as condições de troca e como vai alocada a dívida da Azul?”, questiona uma das pessoas ouvidas pelo INSIGHT.  

Atualmente, a dívida da Azul está em R$ 23,2 bilhões e a negociação com seus credores previu o alongamento dos prazos de vencimento diante da conversão de ações, numa diluição estimada em 17,5%.  

A emissão de novas ações para uma troca com a Abra levaria a uma diluição ainda mais representativa da base acionária -- atualmente, Neelman e Trip são os maiores acionistas da companhia aérea, com 49,7% e 23% do total de ações, respectivamente. (A companhia tem ações preferenciais, das quais 88% compõem o free float.)  

Do lado operacional, há uma dúvida clássica em processos deste tipo: quem tocaria a estratégia da nova empresa combinada: a direção executiva da Azul ou da Gol?  

Mas o fator mais complexo para a operação seria a diferença de frota. Enquanto as aeronaves da Gol são todas Boeing, a Azul tem modelos de diferentes fabricantes, incluindo Embraer e Airbus – o que reduz as potenciais eficiências do lado dos custos. 

Na Abra, hoje a frota de aproximadamente 300 aeronaves é metade Boeing e metade Airbus, o que até ajuda o grupo a ter um pouco mais de poder de barganha com fabricantes e arrendadores em meio a um ambiente de escassez de aviões, observam especialistas.  

Mas a entrada de mais modelos de aeronaves nessa matriz aumentaria a complexidade da gestão.   

O ponto mais desafiador para a fusão, no entanto, é mesmo do lado da competição de mercado. Dificilmente uma aprovação pelos órgãos regulatórios, como a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), não viria sem muitos condicionantes.  

“Só tem sinergia de receita. Vai cortar rota e subir preço, com o cliente saindo perdedor. Difícil aprovar um negócio desse”, afirma uma pessoa com conhecimento do setor.  

Segundo ele, mesmo com remédios amargos exigindo venda de ativos e saída de rotas, um duopólio da empresa combinada de Azul e Gol e da Latam mataria uma terceira empresa menor que ficasse com ativos vendidos. 

Embora a sobreposição de rotas não seja tão crítica quanto na relação entre Azul e Latam, por exemplo, analistas e executivos preveem remédios significativos pelo Cade. 

 “Apesar de 70% das rotas da Azul não sobreporem as da Gol, ambas partilham de fortíssimo pricing power", escreve a equipe da casa de análise Ativa.  

“Num setor que atualmente conta com apenas três grandes empresas, convencer o Cade a aprovar uma operação, que, na prática, uniria duas destas empresas que passariam a dispor de mais da metade do mercado, não seria simples sem a adição de remédios que poderiam vir a se mostrar amargos.” 

Segundo dados da Anac referentes a fevereiro, as duas empresas somaram 4.048.536 de passageiros domésticos, equivalentes a 59,9% das pessoas que viajaram entre aeroportos brasileiros. Nos voos internacionais, o market share foi de 11,9%, atrás da Latam, com uma participação de 18,3%.

Para quem decide. Por quem decide.

Saiba antes. Receba o Insight no seu email

Li e concordo com os Termos de Uso e Política de Privacidade

Raquel Brandão

Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Jornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado

Continua após a publicidade
CeA: Leilão para venda da Cofra movimenta R$ 460 milhões; ação sai com desconto de 12%

CeA: Leilão para venda da Cofra movimenta R$ 460 milhões; ação sai com desconto de 12%

Allos foca em disciplina de capital e reverte prejuízo no 3º tri; lucro é de R$ 113 milhões

Allos foca em disciplina de capital e reverte prejuízo no 3º tri; lucro é de R$ 113 milhões