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Qual o legado da compra da Linx pela Stone para o mercado?

Dúvidas sobre assembleia terminaram, mas caso ainda pode ser alvo de investigação detalhada

Justiça: decisão do colegiado consolida entendimento de que acordos de não competição não são um benefício particular (EyeEm/Getty Images)
Justiça: decisão do colegiado consolida entendimento de que acordos de não competição não são um benefício particular (EyeEm/Getty Images)

Publicado em 30 de novembro de 2020 às 11:45.

Última atualização em 30 de novembro de 2020 às 20:45.

A decisão do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que garantiu aos três acionistas fundadores da Linx — Nércio Fernandes, Alberto Menache e Alon Dayan — o direito de votar na assembleia que avaliou a proposta de incorporação pela Stone foi um dos maiores bafafás do mercado de 2020. Pelo menos, em temas que envolvem o regulador. A operação toda, aliás, foi dessas que mobilizam todo o mercado: até quem não era afetado queria acompanhar para saber o que ficaria de jurisprudência.

O entendimento da CVM gerou crítica, carta de associação de investidores, comentários negativos e até memes. Todos produzidos antes que fossem conhecidos os argumentos usados pelos diretores da autarquia. A ata da reunião sobre o caso, com esses detalhes, só foi divulgada na semana passada.  A partir dela é possível agora definir qual jurisprudência a transação construiu.

A liberação do trio de fundadores da Linx para a assembleia teve 3 votos a favor entre os diretores da CVM e um contra, de Henrique Machado. Foram favoráveis o presidente Marcelo Barbosa, e ainda os diretores Flavia Perlingeiro e Alexandre Rangel.

Na prática, o colegiado tornou possível a combinação das duas companhias, uma transação que avaliou a Linx em 6,7 bilhões de reais. Sem essa decisão teria sido quase impossível aprovar o negócio, no dia 17 de novembro. Se os fundadores fossem excluídos, não haveria quórum de aprovação na assembleia: uma incorporação precisa de voto afirmativo da maioria absoluta do capital de uma empresa. Mas o resultado do encontro mostrou que a maioria dos presentes — mais de 60%, sem considerar os fundadores — disse sim à operação. Portanto, o trio, acima de tudo, contou para formação do quórum necessário. Por exemplo: se tivessem sido obrigados a votar por último e seguir a decisão da maioria dos presentes, o resultado teria sido o mesmo.

O que estava em debate na CVM para definir a participação de Fernandes, Menache e Dayan eram os contratos de não competição que receberão da Stone, num total de 185 milhões de reais: eles poderiam ser entendidos como benefício particular ou não? A Lei das Sociedades por Ações é bastante clara ao determinar que em caso de benefício particular há impedimento de voto.

A área técnica da CVM, a superintendência de relações com empresas (SEP), defendia a existência desse bloqueio. Os sócios da Linx recorreram ao colegiado da autarquia, a instância máxima de decisão do regulador, pedindo revisão do entendimento.

E, por maioria, o que prevaleceu entre os diretores do regulador foi o entendimento de que os contratos não poderiam ser considerados como um benefício particular, no conceito da Lei das S.As. Para os diretores, benefício particular é um ganho ou uma vantagem que decorre apenas da posição de alguém ou de um grupo como acionista — e que, portanto, possa configura tratamento diverso para ações iguais. Marcelo Barbosa, em seu voto, foi bastante claro ao destacar que o acordo de não competição não guarda relação com a posição de sócios do trio, mas sim com a de administradores — tanto que os pagamentos não são proporcionais à participação acionária de cada um deles.

Os três fundadores são conselheiros da Linx e Menache é também presidente executivo e, por isso, dono do contrato com a maior quantia (mesmo não sendo o maior acionistas entre eles). Fernandes, idealizador do negócio, é chairman e maior sócio e Dayon, conselheiro, tem a menor fatia e o menor envolvimento com a rotina operacional.

A Stone sempre deixou claro temer que os três, com a experiência como administradores da empresa e conhecendo todos os clientes, pudessem usar os recursos que receberão da operação pela venda das ações (perto de 1 bilhão de reais no total combinado) para iniciar um novo negócio rival. O contrato de não competição, portanto, decorre da experiência do trio, mas que se torna uma ameaça ainda maior pela capacidade financeira que teriam após o negócio. Não há como saber se eles ganhariam a mesma quantia nesse acordo se não fossem sócios e se não tivessem qualquer dinheiro para começar algo depois. Seria entrar no famoso mundo do "mas e se...".

Os diretores da CVM avaliaram ainda que a situação tampouco se configura conflito de interesse com a Linx, pois o interesse deles como acionistas e o da companhia não estão separados nesse caso, ou seja, não são divergentes. Além disso, o pagamento será obrigação da Stone e não da Linx, que não terá qualquer ônus a esse respeito.

Vale destacar que não há ampla jurisprudência a respeito de benefício particular. O tema foi aprofundado nas últimas décadas apenas em 2006, na gestão do presidente Marcelo Trindade, a respeito de uma tentativa de reestruturação do grupo Oi, onde havia tratamento totalmente discrepante entre acionistas. Isso torna a análise desse caso ainda mais relevante para o mercado.

Após o recurso da Linx, a área técnica manteve seu entendimento de que se tratava de uma situação de oibenefício particular, e por isso deveria se aplicar o impedimento de voto. O argumento da superintendência da casa é de que a Lei das S.As. não define que o benefício só pode ser obtido pela posição de sócio e não de administrador — e aponta a insuficiência do debate a esse respeito. Essa visão foi acompanhada apenas pelo diretor Henrique Machado, vencido no colegiado.

Fim de caso?

A jurisprudência da CVM é construída por decisões do colegiado e por julgamentos da casa. Dessa forma, nesse momento, ganhou força o entendimento de que o benefício particular que impede direito de voto de acionista é aquele obtido apenas pela posição de acionista  — ou seja, é aquele que resulta em tratamento diversos para ações iguais.

O entendimento do colegiado deu fim à novela da disputa pela Linx, entre Stone e Totvs. Mas isso não quer dizer que o assunto está encerrado na vida do trio de fundadores da Linx. A área técnica da autarquia reiterou sua discordância em relação à transação. E é ela que também é responsável por fiscalizar, investigar e acusar participantes do mercado sob sua tutela — resumindo, é quem abre os processos sancionadores, de punição, que são levados à julgamento. A área técnica acusa e o colegiado julga.

O caminho para essa averiguação ficou totalmente aberto também pelo colegiado, que fez questão de deixar registrado que a liberação do voto na assembleia não impede a avaliação da conduta dos administradores e sócios após a aprovação do negócio.

A CVM foi bastante enfática em afirmar que nada nessa operação deveria ser avaliado de forma isolada, nem o acordo de não competição, nem a multa imposta à empresa (aprovada por todos os conselheiros), nem mesmo a conduta dos conselheiros — incluindo os independentes João Cox e Roger Ingold. Nesse ponto a área técnica e o colegiado concordaram integralmente.

Tudo indica, portanto, que o assunto vai render pano para manga, em uma análise se os administradores (e fundadores), agiram de acordo com seus deveres de lealdade e diligência com a empresa e os acionistas.

Gravado na pedra

O caso entre Linx e Stone pode ter aberto uma nova frente de discordância entre advogados e especialistas: se benefício particular pode ser obtido exclusivamente como sócio ou não. Mas também trouxe uma certeza: incorporações com uso de ações resgatáveis — ou seja, aquelas que no limite são uma compra em dinheiro com uma etapa intermediária — estão liberadas pelo regulador.

Essa estrutura foi alvo de debate com a xerife de mercado quando a Suzano comprou a Fibria e inovou com uso desse caminho jurídico. Na época, as gestoras de recursos JGP e Tempo Capital levaram — e perderam — a questão à CVM preocupadas que as aquisições de controle pagas praticamente toda em dinheiro fossem travestidas de incorporações.

Eis que o tempo consolidou o que a CVM disse já naquela época: sim, esse caminhoa é legal e permitido. Há argumentos para todos os lados. Acionistas minoritários ficam com receio do caráter compulsório que incorporações têm em empresas com controlador definido — o dono vota, decide e todo mundo é obrigado a acompanhar. Na aquisição de controle, a oferta que é devida aos minoritários é voluntária. Quem não quiser, não vende. E, além disso, nas empresas de capital pulverizado, a incorporação que vira dinheiro acaba trazendo um efeito negativo ao entrar no lugar de uma oferta pública, pois pode dificultar uma guerra de preços mais acirrada.

Para quem compra, a incorporação tem benefícios que podem ir desde a questão tributária até a gestão de estrutura e eficiência posterior ao negócio. Nem sempre é só sobre preço. Mas, é só o preço que interessa ao mercado.

 

 

 

 

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