País tropical? Massa polar vai pesar no bolso até setembro
Neve, geada e frio intenso devem afetar produtos hortifrutis e atrasar plantio de grãos da safra de 2022
Publicado em 27 de julho de 2021 às 09:12.
Há uma semana as informações chegam a conta-gotas e as previsões são alarmantes. Não, não se trata de uma nova variante da Covid-19 ou da perspectiva para a cotação do dólar. A massa de ar polar, somada à frente fria que se organiza na Argentina, avança para o Brasil. Por aqui, as temperaturas podem cair até 15 graus centígrados em apenas dois dias. Teremos saudades do país tropical. “Pa tropi” de Jorge Ben Jor só no Spotify e olha lá. Sul, Sudeste, parte do Centro-Oeste e alguns estados do Nordeste poderão ter neve, geada, frio intenso. Será por pouco tempo. No próximo fim de semana, a temperatura volta a flertar com 20 graus. Mas o estrago que o frio provocará nos preços de alimentos e no bolso do brasileiro deverá se estender até setembro.
Será importante monitorar atentamente as pesquisas de preços e a relevância que o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) vai dar à evolução dos índices de inflação nas próximas semanas. Até o final de setembro, o Comitê vai se reunir duas vezes: 3 e 4 de agosto e 21 e 22 de setembro. Cumprido esse calendário, o Copom terá apenas mais dois encontros - em outubro e dezembro. Hoje, a Selic está em 4,25% ao ano. Faltam 2,75 pontos percentuais para que a previsão da Focus, de 7% para 2021, seja alcançada. Por ora, o Copom está devendo juro real.
O EXAME IN ouviu três especialistas em inflação e commodities e eles preveem inflação mais pressionada a começar pelos produtos hortifruti, mas com risco e se espraiar a outros preços. “O primeiro grande impacto será nos preços de hortifrutis que têm peso considerável nos índices de inflação. Nos IGPs vai ser mais uma pancada porque a metodologia de cálculo desse indicador pega a alta muito rapidamente. Os preços voltarão a cair, mas possivelmente um mês a dois meses depois. O IPCA também vai sentir, mas em agosto e setembro. Também por questão metodológica”, explica o economista Fábio Silveira, sócio e fundador da MacroSector Consultores.
Ele pondera que não importa o tempo de duração da frente fria. “Estrago é estrago”, diz. “Outro fator que joga os preços para cima é o atraso no plantio de grãos, sobretudo, soja e milho. Já entramos no período de plantio da safra que será colhida em 2022. Vamos reduzir o período de plantio que pode comprometer a produtividade da próxima safra. O que foi plantado também corre o risco de morrer nas próximas semanas."
Na prática, acrescenta Silveira, o clima vai desorientar o calendário da safra. Algumas atividades pecuárias também serão prejudicadas se o frio for tão intenso quanto o previsto. O economista destaca o fato desse evento ser extemporâneo. “Após um ano e meio de pandemia, os preços continuam voláteis, mas estávamos em acomodação de altas muito fortes das commodities agrícolas em geral e também por relativa acomodação do câmbio no Brasil. A frente fria atravessa o meio de campo que era mais promissor.”
O especialista em commodities, Pedro Galdi, analista de investimento da Mirae Asset Corretora, concorda com Fábio Silveira e reforça que a expectativa é, sim, de que a geada sobretudo na região Sul cause prejuízo à safra de grãos, encarecendo ainda mais milho, soja e trigo. “Por tabela, o custo de alimentação animal também sobe e bate no preço das carnes. O café também pode ser afetado e a cana-de-açúcar, como se já não bastasse a crise hídrica. A inflação vai para o espalho e, na sequência, os juros. Não é à toa que a pesquisa Focus desta semana já trouxe projeção para Selic a 7%. Se bobear, sobe mais.”
Inflação derrubará mais a economia
José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, informa que o frio mais intenso já está provocando a alta de preços na chamada ‘safrinha’ de milho, puxando outros grãos e proteína. Ainda que o aumento de preços não se estenda por muito tempo, esses alimentos entram no cálculo do IPCA. E o fato de o Brasil ser um grande produtor de commodities afeta expectativas sobre preços internacionais.
Lima Gonçalves revela particular preocupação – antes do impacto da frente fria sobre alimentos – com os núcleos de inflação que excluem alimentos e energia. “Os núcleos se dividem em duas categorias. Uma tem um sentido técnico, estatístico. Outra categoria tem sentido mais econômico por captar aspectos de demanda e custos. E, nos dois casos, os núcleos estão acima de 5%, o que é preocupante. Além disso, os preços administrados e preços livres mudaram de comportamento e a inflação média segue em alta.”
O economista-chefe do Fator lembra que até dois meses atrás, os preços administrados eram campeões disparados de alta. Quando essa categoria começou a desacelerar, os preços livres aceleraram. “O comando da inflação média mudou de mão e a alta se manteve. Com os tradeables e non tradeables aconteceu movimento semelhante. A aceleração da alta dos preços de serviços é o sinal mais claro do risco de alta adicional adiante. É necessário ter claro que, a partir de certa velocidade da alta da inflação, a indexação volta. Durante muitos meses, o custo da mão de obra, medida pelo INCC, ficou em 3%, vindo de 2%. Com os dissídios do meio do ano, e inflação em 12 meses em torno de 8,5%, o INCC saltou a cerca de 8,3%. Isso significa dizer que a inflação tende a ficar rígida.”
Apesar dessas variações expressivas, Lima Gonçalves não vê descontrole da inflação. “Esse comportamento levará à contração da renda real. E, ao contrário do que ocorreu na década de 1980, quando a inflação acelerava e carregava os salários mas a economia continuava seguindo, agora temos uma economia derrubada e que tende a cair ainda mais. Não temos ideia do efeito dessa contração de renda sobre a demanda, mas já temos indicação de que o Produto Interno Bruto (PIB) do 2º trimestre será zero na comparação com o 1º trimestre na melhor hipótese. Se o Copom, em sua reunião do início de agosto, levantar qualquer suspeita sobre indexação ou risco de indexação, teremos problemas.”
Lima Gonçalves pondera que choques no câmbio e em energia elétrica, via racionamento, podem trazer aceleração adicional à inflação. “A resposta do Copom continua sendo, em nossa leitura, aumentos da taxa Selic até 7,25% até a virada para 2022.”
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