Os FIDCs estão na idade da pedra. A Black 101 quer trazê-los para a era da IA
Ron Czerny foi pioneiro nos apps para celulares com a Playfone, vendida para o Softbank; agora está colocando um prefixo 'fin' ao seu repertório 'tech' e quer transformar o mercado de fundos de crédito no Brasil
Natalia Viri
Editora do EXAME IN
Publicado em 16 de abril de 2024 às 10:14.
Se o sistema bancário brasileiro faz inveja a pares internacionais quando o assunto é tecnologia, alguns cantos do mercado financeiro ainda são essencialmente analógicos – e muito burocráticos.
Um empreendedor brasileiro que fez carreira no Vale do Silício e foi pioneiro em plataformas de apps para smartphones quer mudar essa realidade, começando pela indústria dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs).
A Black 101 chegou no mercado no ano passado como uma plataforma para interligar todos os elos envolvidos nessa indústria, que hoje movimenta cerca de R$ 400 bilhões anuais e vem crescendo a taxas de dois dígitos.
O software integra mais 400 fontes de informações, incluindo administradoras, gestoras, custodiantes bancos e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Ferramentas de inteligência artificial leem os documentos de cada um dos recebíveis envolvidos e sobem tudo no sistema, com assinatura digital, checagem dos créditos, compliance regulatório e acompanhamento das cotas em tempo real.
“É uma indústria em que tudo é muito manual, em planilhas de Excel. Para abrir um novo FIDC, em geral as gestoras demoram 6 meses. Com a nossa tecnologia é possível abrir em um dia”, aponta Ron Czerny, fundador da startup.
O número de pessoas envolvidas num FIDC denota tamanho do nó. Hoje, grosso modo, são necessárias cerca de 10 pessoas para cada R$ 20 milhões sob gestão, especialmente na área de checagem dos créditos, diz o empresário.
“São muitas transações por dia, com lastro, documento. A checagem é hoje por amostragem. Nossa plataforma libera muita força de trabalho e dá muito mais agilidade e segurança”, diz.
Em gestação há dois anos, a Black 101 começou a captar seus primeiros clientes em meados de 2023, na esteira da aprovação da Resolução 175 e que trouxe uma ampla reforma na indústria de fundos.
Os FIDCs são uma das classes que mais sofreram transformação: a oferta agora pode ser voltada também para o investidor de varejo, há mais clareza sobre o papel das entidades registradoras do crédito e da responsabilidade do gestor – e uma liberdade bem maior para criar novos produtos.
“É uma indústria que já vinha crescendo e vai crescer ainda mais”, explica Czerny.
Hoje, há cerca de R$ 1,8 bilhão sob gestão na plataforma, distribuídos em 53 fundos de dez gestoras, num volume que vem crescendo de maneira exponencial.
A meta de Ron é ter R$ 20 bilhões passando pelo sistema até o fim do ano – e chegar a mil produtos na plataforma. “Se vai demorar 2, 3 anos, eu não sei. Mas esse é meu número mágico”, diz.
De tech a fintech
Nascido em Curitiba, o empresário está na Califórnia há três décadas, desde os tempos da faculdade. No Vale do Silício em plena efervescência da Internet, ainda no fim dos anos 1990 ele fundou a Atrativa, uma plataforma de entretenimento, com ofertas como jogos e música, que foi utilizada por portais como Terra e Yahoo. Com o estouro da bolha do ponto.com, o negócio perdeu força e acabou sendo vendido.
A grande tacada de Czerny veio logo em seguida, quando ele decidiu investir em apps para smartphones. Foi assim que ele lançou a Playfone, que criou a primeira app store de um mundo que começa a se conectar via celulares – na época, um mercado dominado pela Nokia.
A empresa logo recebeu um aporte da Melo Ventures, gigante de VC que investiu em empresas como Uber e Roku, e cresceu rapidamente chegando a mais de 30 países. A chegada do iPhone em 2008 acabou com o reinado da Nokia – e da Playfone, por consequência.
“Mas nos reinventamos porque a plataforma era muito forte tecnologicamente”, conta Czerny. Em 2015, o negócio foi vendido par a Gunro, divisão de jogos do Softbank e o empresário seguiu na operação até 2021, quando terminou seu earn-out.
Ele decidiu então que era hora de empreender no Brasil – e para isso adicionou um prefixo ‘fin’ ao seu repertório ‘tech’.
“Das 10 maiores empresas nos Estados Unidos, 10 são de tecnologia. No Brasil, das 10 maiores empresas de valor de mercado, cinco ou seis são na área financeira. É país que mais tem empresas do setor financeiro no top 10”, diz.
Parceria
Czeny se dedicou a estudar o mercado e fez uma parceria com a Ouro Preto Investimentos, a maior gestora de FIDCs do país, que se tornou sócia no empreendimento.
Uma equipe de 25 de engenheiros, cientistas e analistas de dados foi importada da Playfone para a nova empresa. “Pegamos Amazon Cloud, Microsoft e montamos um plataforma que, desde o nascimento já conta com integração em chat GPT e IBM Watson, que é a inteligência artificial da Microsoft, para resolver todos os problemas”, diz.
A Black 101 funciona como um software as a service, com licença cobrada de acordo com os ativos sob gestão e com a quantidade de transações processadas.
A ideia é começar a plataforma pelos FIDCs, mas ir muito além deles para todo o mercado de fundos de crédito.
“Os FIDCs têm a maior dor. Pensei: se conseguir resolver esse problema, o resto fica mais fácil”, aponta. “Já estamos trabalhando em vários tipos de fundo de crédito e temos um módulo focado em produtos para o agronegócio, que é um mercado potencialmente muito grande.”
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Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.