Crédito e retorno turbinado: apostas do Mercado Pago para ganhar espaço na carteira dos clientes
Vice-presidente de banco digital, Ignácio Estivariz admite impacto de curto prazo no balanço, mas diz que aposta do grupo é no longo prazo e no aumento da principalidade da fintech
Raquel Brandão
Repórter Exame IN
Publicado em 9 de dezembro de 2024 às 17:55.
Última atualização em 9 de dezembro de 2024 às 21:26.
O Mercado Livre investiu pesado em logística e tecnologia e dominou o varejo online no país. O Mercado Pago, seu braço financeiro, virou um ecossistema relevante (40% da receita do grupo no Brasil), com US$ 36 bilhões em valor processado só no terceiro trimestre, seja dentro ou fora da plataforma de ecommerce – e mais de 21% dos vendedores já usam algum tipo de crédito.
A aposta, agora, é repetir a dose com seu banco digital, voltado para o consumidor final – um setor, porém, em que outros gigantes, como Nubank e Inter, já ocupam seus espaços.
O principal plano de expansão do banco tem sido na abertura da torneira de financiamento, especialmente no cartão de crédito, que cresceu 172% ano contra mesmo período de 2023. O negócio aumentou sua participação no portfólio de crédito de 25% no ano passado para 39% no terceiro trimestre de 2024, fazendo a companhia aumentar em grande escala as provisões para perdas.
O apetite levou parte dos investidores a digerirem mal os números do terceiro trimestre, o que, junto com a pressão dos investimentos em logística, levou uma queda acentuada das ações. A pressão sobre o papel ficou menor, mas o ponto ainda deixa o mercado atento.
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A companhia afirma, contudo, que está olhando para um horizonte mais mais longo.
"Sim, no curto prazo tem um impacto no balanço. Mas estamos olhando longo prazo. Nós sabemos medir bem as nossas carteiras de crédito e estamos constantemente olhando nossas distintas safras de cartão de crédito, que estão bastante saudáveis", diz Ignácio Estivariz, vice-presidente de Banco Digital do Mercado Pago no Brasil.
Para ficar em pé de igualdade com outros neobanks, o Mercado Pago tem ido na contramão do mercado e intensificado a política de turbinar o rendimento e as condições atreladas à conta digital.
O objetivo é aumentar a base de clientes e ficar com uma fatia maior no bolso de quem já usa o banco digital. Rendimentos altos foram os chamarizes para as contas digitais, mas a pressão de custos mudou a trajetória e fez muitas fintechas restrigirem suas ofertas, como aconteceu com o Nubank, o PicPay e PagBank, por exemplo, em que busca por margens mais robustas passou a ter prioridade.
No começo deste ano, o Mercado Pago já tinha colocado mais fichas nessa estratégia e turbinado o rendimento na conta remunerada para 105% do CDI, acima da média de 100% a 102% do mercado. O executivo traz alguns números que refletem esse esforço: ao fim de outubro deste ano o saldo nas contas dos clientes era 2,7 vezes maior do que um ano antes.
Leia os principais trechos da entrevista.
O Mercado Pago está crescendo num ritmo muito intenso. Ainda assim, o setor financeiro é mais disputado e vemos vários bancos digitais crescendo em ritmo muito forte. Dá para ir além nessa trajetória? Qual a estratégia do Mercado Pago para aumentar o share of wallet no Brasil?
O Mercado Pago se consolidou como um banco digital completo, permitindo ao cliente realizar toda sua vida financeira em nossa plataforma. A estratégia se baseia em três pontos: experiência, diversidade de produtos, e no programa de fidelidade.
O primeiro é ter uma experiência simples, fácil e acessível, superior à dos bancos tradicionais. Na diversidade de produtos, queremos ser a conta que mais rende do Brasil, além de oferecer investimentos, cartão de crédito e Pix, atendendo às necessidades dos usuários. Essas distintas partes do negócio dos bancos digitais começa a gerar uma maior principalidade e cada vez mais usuários obviamente começam a usar mais um banco digital, porque os clientes têm uma melhor experiência e também melhores benefícios.
Além disso, com o programa de fidelidade do Meli, oferecemos benefícios como cashback e fretes grátis, incentivando o uso do Mercado Pago.
O Nubank, um dos players mais fortes dos bancos digitais e que nasceu com uma relação muito próxima a quem estava fora do sistema financeiro, tem feito movimentos expressivos para aumentar sua penetração na classes sociais mais altas. Como o Mercado Pago se posiciona em relação à segmentação de clientes, especialmente no que diz respeito à alta renda?
Nossa visão é agnóstica em relação à renda dos usuários. Queremos oferecer valor para todos. Embora o foco inicial tenha sido a inclusão financeira, entendemos que, naturalmente, pessoas de alta renda também buscam alternativas nos bancos digitais.
Mas o que motiva essa busca por alternativas nos bancos digitais e o que diferencia o Mercado Pago dentro de um universo que tem cada vez mais players fortes?
Acreditamos na migração de usuários de bancos tradicionais para bancos digitais devido à melhor experiência, simplicidade e acessibilidade. As plataformas são autoexplicativas, por exemplo. Também há a questão de oferecer mais serviços e produtos.
Aqui no Mercado Pago estamos oferecendo produtos e serviços que atendem às necessidades dos usuários, como a conta que mais rende do Brasil. Esse claramente é um benefício muito tangível para os usuários. Você traz o dinheiro, ele começa a render o primeiro dia e você consegue ter um rendimento por meio do seu dinheiro.
Outro ponto é que você começa a ter experiência simples de investimento.
No terceiro trimestre, o segmento de cartão de crédito cresceu 172% ano contra mesmo período do ano anterior e 28% na comparação sequencial, com a penetração subindo 1,5 ponto percentual em relação ao segundo trimestre. Como o cartão de crédito se encaixa na estratégia de crescimento do Mercado Pago?
O cartão de crédito é fundamental para aumentar o share of wallet pois é um meio de pagamento muito popular no Brasil. O crescimento da carteira de crédito impacta positivamente o engajamento na plataforma.
Usuários com cartão de crédito transacionam cinco vezes mais na conta, com impacto positivo no NPS (Net Promoter Score, métrica que mede a satisfação do cliente).
Essa é uma das mensagens que nos fazem ir nessa direção. Também temos um modelo de análise de crédito pautado no uso de inteligência Generative Machine Learning, que com o avanço do Open Finance analisa mais de 2.000 variáveis transacionais, outra ferramenta que nos torna mais assertivo na análise de crédito.
Mas o mercado reagiu, ao menos no curto prazo, com surpresa ao crescimento do cartão de crédito no terceiro trimestre, principalmente pelo temor do aumento na provisão de perdas. O negócio vai ser ainda de margens mais comprimidas no primeiro momento? Como vocês lidam com o temor dos investidores e equilibram o crescimento e a expectativa de rentabilidade?
A estratégia do Mercado Livre e especialmente do Mercado Pago é de longo prazo. Investimentos como o de logística, no varejo, e cartão de crédito, na fintech, podem impactar as margens no curto prazo, mas são essenciais para o crescimento futuro.
Então, sim, no curto prazo tem um impacto no P&L. Mas estamos olhando longo prazo. Sabemos que medimos bem as nossas carteiras de crédito, estamos constantemente olhando nossas distintas safras de cartão de crédito e acreditamos que é bem saudável. O que buscamos é garantir a saúde do negócio.
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Raquel Brandão
Repórter Exame INJornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado