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Os desafios da Natura na venda da The Body Shop

De volta à mesa e queimando caixa, valuation deve ser desafio – mas com recursos da venda da Aesop, Natura tem mais espaço para negociar

The Body Shop: Natura &Co já ensaiou venda, mas valuation não agradou (Leandro Fonseca/ Exame/Site Exame)
The Body Shop: Natura &Co já ensaiou venda, mas valuation não agradou (Leandro Fonseca/ Exame/Site Exame)
Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Publicado em 28 de agosto de 2023 às 16:44.

Última atualização em 29 de agosto de 2023 às 12:52.

Quatro meses após anunciar a venda da Aesop para a L’Oréal por US$ 2,5 bilhões, a Natura disse hoje que estuda “alternativas estratégicas” para a The Body Shop, sinalizando ao mercado que o ativo está a venda num momento em que a palavra de ordem é focar na América Latina.

Ao contrário da empresa australiana, no entanto, a venda da companhia fundada por Anita Rodrick deve ser mais complexa: calcado no varejo físico, o negócio queima caixa, não cresce há anos e vem sofrendo com os impactos da Guerra da Ucrânia na Europa, seu principal mercado.

Não é a primeira vez que a Natura tenta vender a The Body Shop. Antes de se desfazer da Aesop, a joia da coroa com altas taxas de crescimento, a Natura tentou vender a empresa com sede no Reino Unido, dizem fontes ouvidas pela EXAME IN.

Mas as propostas na época não agradaram e os recursos não seriam suficiente para entregar a desavalancagem necessária para dar respiro à Natura &Co.

A diferença agora é que a Natura não está mais no corner e tem mais espaço no balanço para buscar uma estrutura mais favorável.

“O desenho e timing são desafiadores. O negócio foi muito machucado pela Guerra na Ucrânia e o momento não é dos melhores”, aponta um gestor.

Em exercícios prévios de valuation, analistas estimam que a companhia possa ser vendida por algo em torno de US$ 500 milhões – pouco mais da metade dos US$ 900 milhões que a Natura pagou em 2017. Em relatório, o J.P. Morgan estima que a The Body Shop possa ser avaliada na casa dos R$ 2,5 bilhões.

Para investidores mais céticos, no entanto, se fechada nesse valor, a transação poderia ser considerada uma vitória. Há dúvidas sobre o interesse de atores mais estratégicos no negócio, de forma que os compradores mais óbvios são fundos de private equity, focados em operações de turnaround no varejo.

Quando comprou a The Body Shop há seis anos, a Natura competiu com players como CVC e Advent na oferta pela companhia.

“Tradicionalmente, não são os players que costumam ser mais agressivos em preço”, pondera um gestor que já teve posição na Natura. “E eles fazem operações alavancadas, ou seja, vão precisar captar num mercado de dívida que está caro.”

No mercado, o anúncio – feito de forma pouco usual, já que normalmente as companhias costumam anunciar esse tipo de transação quando tem um comprador em vista – foi bem recebido, com as ações da Natura subindo cerca de 3%.

“O mais importante é que a The Body Shop deixa de ser uma distração e permite que a companhia dedique atenção e recursos na integração das operações latino-americanas de Natura e Avon”, aponta um gestor comprado na empresa.

Com a entrada dos recursos neste trimestre, a companhia deve ficar com uma posição líquida em caixa – e, de acordo com o J.P. Morgan, o dinheiro com a venda poderia ser usado, inclusive, para uma distribuição extraordinária de dividendos, um aceno conveniente para uma base de investidores machucada após um queda vertiginosa das ações nos últimos anos.

“É uma possibilidade, mas não acho tão plausível, já que a empresa vai precisar ter um colchão para sobressaltos tanto no cenário macroeconômico quanto no próprio processo de integração de Natura com Avon”, diz um acionista que acompanha de perto a companhia.

A venda da The Body Shop seria o capítulo mais emblemático do desmonte de uma estratégia frustrada de internacionalização, que pretendia transformar a Natura numa plataforma global de marcas nos moldes da L'Oréal.

Quando comprou a companhia da gigante francesa há seis anos, a Natura pretendia alavancar as similaridades entre as empresas – ambas fundadas na década de 1970 e com forte apelo a ingredientes naturais e proteção ao meio ambiente – para revitalizar a The Body Shop e ganhar mais tração no varejo físico, onde ainda era caloura.

De largada, conseguiu entregar algum resultado, colhendo os frutos mais baixos de um processo de reestruturação, como o fechamento de lojas deficitárias. Mas logo foi atropelada pela pandemia, que atingiu em cheio a The Body Shop, que nunca foi forte no e-commerce.

Em seguida, foi atingida pela Guerra na Ucrânia, especialmente dura para a companhia que tinha boa parte da produção na Polônia e das vendas da Europa Oriental. Tudo isso em meio a digestão que educadamente pode ser chamada de “complicada” da Avon, comprada em 2020.

“Foi uma execução atrapalhada misturada com uma boa dose de má sorte. Mas fato é que a Natura acabou focando em corte de custos e nunca conseguiu fazer o reposicionamento de marca para dar o banho de loja The Body Shop precisa para voltar a atrair os consumidores”, diz um analista que acompanha a companhia.

Hoje, a The Body Shop tem cerca de 2.300 pontos de venda entre lojas próprias e franquias, um terço a menos das 3 mil unidades de 2017. Na época, o negócio faturava cerca de 920 milhões de euros (cerca de R$ 3,5 bi no câmbio daquele ano).

No ano passado, a The Body Shop faturou R$ 4,4 bilhões, queda de 25% em relação a 2021, com o Ebitda de R$ 363 milhões, 64% menor que um ano antes.

O movimento de retração continuou neste ano, ainda que com margens um pouco mais saudáveis – e a companhia recrutou Ian Bickley, ex-CEO da Coach e que fazia parte do board da Natura &Co para pilotar com a reestruturação.

Outra ‘distração’ para o foco na América Latina é a Avon International, que concentra toda a operação da companhia fora da região e dos Estados Unidos (que ficou de fora do acordo de compra em 2020) – e que é a parte mais encrencada do portfólio.

Com as vendas na Rússia e na Europa Oriental representando boa parte das vendas, receitas e rentabilidade estão em queda e uma operação de venda é mais improvável, dizem fontes à empresa ouvidas pela EXAME IN.

“Não há compradores óbvios, e os contratos nos países em que opera são bastante ‘leoninos’. Encerrar as operações é mais caro que mantê-las mesmo na situação em que se encontram e única solução é tentar sanear o negócio”, diz um interlocutor.

Uma possibilidade seria fatiar e vender os negócios em países pontuais, acrescenta uma outra pessoa com proximidade ao negócio.

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Natalia Viri

Natalia Viri

Editora do EXAME IN

Jornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.

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