O deadline da Gol para evitar a recuperação judicial
Aérea vai intensificar negociação com arrendadores de aeronaves até o fim do mês; sem solução, recuperação nos Estados Unidos pode ser caminho
Raquel Brandão
Repórter Exame IN
Publicado em 17 de janeiro de 2024 às 07:04.
Última atualização em 17 de janeiro de 2024 às 15:07.
Às voltas com a tentativa de reestruturar suas dívidas, a Gol tem duas semanas para encontrar uma solução e colocar a cabeça para fora d’água. Esse é o prazo para a companhia aérea negociar com os arrendadores das aeronaves uma solução antes de uma judicialização do processo.
Fontes ouvidas pelo INSIGHT apontam um evento do tradicional do setor que acontece entre 28 e 31 de janeiro em Dublin, na Irlanda, e que reúne os principais players da indústria de aviação, como um prazo final para a negociação.
Os arrendadores – ou lessores, como são chamados do jargão do setor – estão em compasso de espera e tem pouca visibilidade de como está andando todo o processo, diz um interlocutor próximo a eles.
“Existe essa perspectiva de ajuizamento do Chapter 11 [instrumento de recuperação judicial nos Estados Unidos]. Mas o que temos visto é que continua uma discussão lessor a lessor. Estão sendo feitas negociações para pagamento, mas não é uma negociação global em conjunto, um pacote, como fez a Azul”, diz.
O caminho da recuperação judicial nos Estados Unidos ganhou força com a entrada do escritório Milbank, mesma assessoria jurídica que representou a Avianca colombiana em sua entrada no Chapter 11, nas conversas — segundo a empresa, o escritório é contratado desde 2010. No Brasil, a empresa está sendo assessorada juridicamente pelos escritórios Lefosse e TWK.
A Gol está negociando cerca de US$ 1 bilhão com os lessores, o que corresponderia a 70% do valor de manutenção de 20 aeronaves que estão paradas, diz uma fonte que acompanha de perto o setor. Esse valor seria pago em cinco anos. “Esses são os grandes números que temos, mas nada está tão claro”, afirma.
Até setembro, os dados mais recentes disponíveis, a Gol tinha R$ 20 bilhões em dívidas, dos quais R$ 1,8 bilhão dizem respeito a vencimentos de curto prazo (em até 12 meses) com os arrendadores e outros R$ 1,1 bilhão em dívida financeira.
A reestruturação da dívida da companhia ganhou notoriedade no fim de 2023, com a contratação das consultorias especializadas no setor de aviação Skywork e da Seabury. A Gol trouxe também o Rothschild para a mesa para tocar a conversa com os credores financeiros, que envolvem bancos e bondholders.
A contratação dos assessores lá fora foi quase uma “forma de pressão”, na avaliação de uma das pessoas ouvidas pela Insight. A razão de ir para um procedimento no exterior e não no Brasil é que o Chapter 11 permite algumas proteções maiores para o devedor, entre elas as rejeições de leasing que a companhia não queira mais.
Além disso, nos Estados Unidos garante que os lessores não vão retirar os aviões, como aconteceu no Brasil com a Varig e a Avianca brasileira.
Segundo apurou o INSIGHT, a recuperação das aeronaves pelos arrendadores poderia ser um risco adicional dado que os atrasos nas entregas das fabricantes criaram escassez de oferta no mercado.
O Chapter 11 também teria a vantagem de ser mais fácil para negociar um empréstimo na modalidade DIP (Debtor in Possession), voltado especialmente para empresas em RJ.
O avanço para esse instrumento, no entanto, depende de alguns fatores. Uma das travas seria a baixa exposição ao mercado americano. Embora tenha ADR negociado em Nova York, a companhia tem poucos voos no país -- cenário diferente da Latam, que aderiu ao Chapter 11 na pandemia e deixou o processo em novembro de 2022.
Em comunicado enviado na segunda-feira, a empresa sinalizou que negocia uma capitalização com stakeholders, o que inclui a holding Abra. “A companhia continua seus esforços anunciados anteriormente para melhorar a lucratividade e fortalecer seu balanço. A Gol está em discussões com seus stakeholders financeiros sobre diversas opções que tragam maior flexibilidade financeira, incluindo capital adicional para financiar as operações”, diz a nota.
Em relatório, o BTG Pactual (do mesmo grupo da Exame) aponta que a crise da Gol pode ser uma oportunidade para Azul e Latam, que já fizeram reestruturações financeiras robustas. A Latam pode ser a mais beneficiada, por ter mais sobreposição de rotas com a Gol.
No período de um mês, quando a reestruturação se intensificou, a ação da Gol acumula perda de 20%.
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Raquel Brandão
Repórter Exame INJornalista há mais de uma década, foi do Estadão, passando pela coluna do comentarista Celso Ming. Também foi repórter de empresas e bens de consumo no Valor Econômico. Na Exame desde 2022, cobre companhias abertas e bastidores do mercado