Na Localiza, um trimestre para esquecer ou oportunidade de compra?
Ação caiu quase 17% com baixa contábil e incertezas sobre depreciação; mas há quem acredite que, com a limpa, o pior já ficou para trás – e aproveitou um fator técnico que pesou sobre os papéis para ir às compras
Natalia Viri
Editora do EXAME IN
Publicado em 14 de agosto de 2024 às 18:25.
A Localiza despencou no pregão de hoje após divulgar um balanço “estranho, confuso, poluído”, nas palavras do BTG, e que “testou até mesmo os mais convictos”, segundo o Itaú BBA.
Em meio a diversas baixas extraordinárias, uma delas referentes às perdas nas enchentes do Rio Grande do Sul, a que chamou atenção foi o impairment adicional de R$ 1,7 bilhão no valor da frota, que ficou bastante acima das expectativas do mercado. Ainda assim, ele foi equivalente a 3,4% do valor de mercado da companhia – o papel desabou quase 17%.
A leitura predominante é que o movimento foi uma “limpa” para que a companhia pudesse fornecer algum guidance sobre a expectativa da depreciação dos carros seminovos, que vem alta e errática desde os tempos de pandemia. A grande questão é se o pior já ficou para trás ou se pode haver mais surpresas no caminho.
“A companhia não tem clareza sobre o cenário. Isso traz um complexidade imensa, que não dá margem de segurança para bancar o poder de mercado e as vantagens que a companhia sempre teve ao longo da sua história”, aponta o analista de uma grande casa da Faria Lima, pontuando ainda os possíveis impactos da reforma tributária sobre a tese.
As projeções sinalizadas para os próximos três trimestres pela Localiza têm um grau elevado de incerteza, com intervalos para cada um dos períodos que variam 20%. “Isso mexe diretamente no retorno”, aponta um outro investidor. "A visibilidade é muito baixa."
Numa tese que se tornou um samba de uma nota só, a depreciação dos veículos se tornou a principal preocupação dos investidores desde a pandemia. Com a desorganização das cadeias de suprimento, que reduziu a oferta de carros novos, a Localiza foi obrigada a carregar os veículos mais tempo em sua carteira, aumentando a depreciação e reduzindo seu valor de revenda.
O que parecia ser um efeito pontual, no entanto, está demorando mais a se normalizar que o esperado. Agora, com o problema inverso: com as montadoras voltando a produzir e incentivos do governo, os preços dos carros zero caiu no ano passado – e junto com eles o preço dos seminovos.
Como concorrentes como a Movida já tinham dado baixas, o mercado esperava algum tipo de impairment, mas longe do volume visto no balanço.
Em primeiro lugar, porque a Localiza tinha sinalizado alguns pontos positivos na dinâmica no primeiro trimestre. Entre abril e junho, os preços dos carros usados na tabela Fipe ficou praticamente estável – o que trouxe uma esperança de que o ponto de inflexão estivesse a caminho.
A companhia já havia sinalizado que os meses seguintes estavam voltando a apresentar uma pressão, mas sinalizou que o rejuvenescimento da frota devia compensar em parte os efeitos.
“Os dados da Fipe já mostravam que podia haver uma correção, mas nada desse tamanho”, diz o investidor que diz não ter “margem de segurança” para embarcar na tese. “A comunicação está confusa.”
Num longo Investor Day realizado hoje em Belo Horizonte para tentar colocar a bola no chão, a Localiza sinalizou que a baixa contábil ocorreu pela abertura do spread entre o preço de carros novos e usados no segundo trimestre. A expectativa agora é que esse patamar de desconto se mantenha.
Outro fator importante que contribuiu para o ajuste na depreciação uma mudança no ciclo de vida dos carros no balanço, de 15 para 18 meses, de volta aos patamares pré-pandemia. Isso não afeta os novos carros que entram no balanço, mas deve provocar um ajuste nos próximos trimestres para a frota de legado.
Ainda no operacional, chamou atenção do mercado no segundo trimestre a redução da margem no segmento de gestão de frotas. Num balanço poluído, o número foi impactado pelas baixas referentes a perdas o Rio Grande do Sul e custos de preparação de veículos, que passaram a entrar na rubrica.
Um fator técnico
A decepção foi proporcional à expectativa. Movida e Unidas tinham apresentado bons números, levando a Localiza a uma alta de quase 10% na última semana.
Com a Bolsa amassada e a Localiza negociando a múltiplos de 7 a 8 vezes lucro antes do balanço, perto da mínima histórica, alguns investidores estão vendo a queda de hoje como oportunidade de compra.
“A tendência para os seminovos já está começando a normalizar e, daqui um tempo, quem está olhando essa dinâmica de hoje vai se lembrar que essa é uma companhia com uma posição única no mercado, com poder de preço e um histórico incrível de entrega e geração de valor”, afirma um investidor otimista com a ação.
“É uma daquelas buy opportunities de uma vida.”
Nas contas dele, mesmo com um lucro bem mais conservador para o ano que vem, de R$ 3,5 bilhões, o múltiplo de preço/lucro é de 12 vezes : “tá de graça”, resume.
Operadores de mercado ponderam ainda há um fator técnico relevante pesando sobre o price action. Havia uma operação grande de derivativos montada no mercado com ações da empresa, uma call (opção de compra) de 8,4 milhões em ações, com gatilho em R$ 47,75.
Em meio ao sell-off de hoje, o título virou pó, obrigando os dealers da operação a zerarem o que tinham em carteira, numa operação conhecida como delta hedge.
“Agora o derivativo fecha, logo o desespero inicial com o balanço sujo passa e os bancos começam a dar ou reforçar o buy”, acrescenta o investidor.
Já nesta linha, o Safra soltou um relatório pós Investor Day, dizendo que "o pior já ficou para trás" e que vê "uma luz no fim do túnel".
"O impairment da frota assume um spread estável entre carros novos e usados, mas esperamos que esses últimos melhorem gradualmente nos próximos meses, com mais desembolsos do governo para crédito automotivo, enquanto as montadoras tem espaço limitado para aumentar preços. Com isso, vemos a baixa como suficiente para o atual cenário de preços de automóveis do Brasil, reduzindo o risco do guidance da Localiza", escreveu o analista Luiz Peçanha.
O ROIC spread, principal indicador acompanhado pelo mercado e que mede a diferença entre o retorno sobre capital investido da companhia e o custo de capital, ficou em 4 pontos percentuais, feitos os ajustes de baixa, ainda muito abaixo do patamar histórico que gira em torno de 6 p.p. a 8 p.p. No encontro de hoje, a Localiza sinalizou que deve trazer o índice de novo para a média até o fim de 2025, com uma estratégia mais agressiva de vendas de seminovos via expansão da rede de lojas e renovação da frota, bem como margens elevadas no segmento de aluguel de veículos.
Vai ser o teste de fogo para uma das ações que, historicamente, está entre as preferidas dos investidores fundamentalistas. O ciclo do preço de veículos vai precisar ajudar.
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Natalia Viri
Editora do EXAME INJornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de negócios e finanças. Passou pelas redações de Valor, Veja e Brazil Journal e foi cofundadora do Reset, um portal dedicado a ESG e à nova economia.